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HAND IN MY POCKET

Posted by Clenio on 20:48 in ,

Tirar a roupa depois de uma noitada sempre fora uma ação inconsciente para ele. Algumas vezes - e até que eram ocasiões bem frequentes, graças a Deus e ao corpo trabalhado arduamente na academia - nem era ele mesmo quem a tirava e sim alguma conquista efêmera, que a arrancava furiosamente como se disso dependesse sua sobrevivência. Em outros momentos nem se dava ao trabalho de tirá-la: dependendo do teor etílico em seu sangue despir-se era um sacrifício inenarrável. Mas naquele dia algo o fez observar detalhadamente o conteúdo de seus bolsos. Quem disse que existe explicação pra tudo??

Na verdade ele decidiu-se por esse tour pelos bolsos porque queria evitar a chuva de moedas que sempre acontecia quando ele tirava as calças atabalhoadamente. Tranquilamente, então, sentou-se à beira da cama e começou a inspeção, delicadamente levando ao chão tudo que encontrava. No bolso direito dianteiro, estava o celular, com a bateria acabando e mais três nomes adicionados à agenda - Raquel seria a loira de aparelho nos dentes ou a sósia de Fernanda Takai? Um dia ele descobriria, qualquer uma delas serviria para uma noite de solidão.

No bolso esquerdo, o kit básico noturno: chiclete de menta, um isqueiro importado - ele nunca havia fumado, mas nos filmes quem acende o cigarro da mocinha sempre leva vantagem - e camisinhas. Engraçado, ele tinha mais de trinta anos e não sabia a sensação de trepar sem camisinha. Maldita AIDS!

No bolso traseiro direito, a carteira, naturalmente. Uma espiada de leve e a mesma visão de sempre: algumas notas pequenas, cartões de crédito, cartão do banco, carteira da academia, carteira da videolocadora, carteira de habilitação, carteiras e mais carteiras... Pode um ser humano viver e ser feliz sem uma dúzia de cartões no bolso, para identificar a ele mesmo e suas conquistas financeiras?

No último bolso... bem, o último bolso exigia atenção redobrada. Papéis e mais papéis. Bilhetes, anotações, ingressos de cinema. O novo endereço de e-mail da irmã; um número de telefone anotado às pressas apoiado na coxa; o nome daquele livro cujo personagem central dizem que se parece com ele; uma nota de R$ 50, oba....; a entrada para assistir pela quarta vez a "Bastardos inglórios" - dessa vez sozinho, para poder assimilar cada detalhe da sequência final...

Mas na verdade o que ele mais procurava estava bem escondido, misturado à bagunça de seu bolso esquerdo traseiro. Ali, junto com todos aqueles objetos estranhamente pessoais, estava ela... a foto, amarrotada, já quase sem cor, dela... Ela, que volta e meia lhe assombrava a vida, como uma Catherine Linton em busca de um Heathcliff. Ela, que de uma fotografia desbotada, lhe olhava com os olhos de ressaca de uma Capitu. Ela, que lhe mostrou a felicidade e tirou-a sem dizer uma palavra continuava a lhe olhar. Era um olhar profundo, misterioso, quase hipnotizante. Mas era dela.

Ele havia perdido a conta de quantas vezes quis rasgar aquela foto, queimá-la, jogar tudo fora... Mas o mau-estado que ela apresentava o lembrava de que sempre havia desistido. Era como se jogar fora aquele pedaço de papel fosse jogar fora parte do seu passado, uma parte pequena mas importante.

Sem tirar os olhos da foto, ele escorou-a em seu abajur, deitou-se na cama e ficou olhando fixamente para aquele olhar. Logo o sono viria. E no dia seguinte ele arrumaria a bagunça no chão do quarto. O chão era um lugar fácil de arrumar...

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