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O CONVIDADO SURPRESA

Posted by Clenio on 23:28 in

Seguindo a tendência não-consciente de literatura francesa contemporânea que me assolou nesse último mês acabei ontem de ler "O convidado surpresa" (Ed. Cosac Naify), escrito por Grégoire Bouillier. Em formato de romance, o autor conta como conheceu a artista plástica Sophie Calle em uma das festas de aniversário promovidas por ela, justamente quando ele buscava compreender o final de seu romance com uma antiga namorada. Narrado com um fluxo de consciência por vezes exasperante e de um fôlego só, o livro consegue ao mesmo tempo seduzir, fazer pensar e mais do que tudo, tem um impressionante estilo que revela em Bouillier um arguto observador da natureza humana e das relações interpessoais.

Quando o livro começa, o narrador está falando do traumático final de um relacionamento que o deixou em depressão profunda. Recebe, então, o telefonema da ex-namorada, que o convida para uma festa de aniversário onde ele será o "convidado surpresa". Explique-se: a aniversariante é Sophie Calle, uma artista plástica que todo ano recebe convidados no número exato de sua idade e mais um convidado de um convidado, para representar o ano vindouro. O protagonista acaba sendo esse convidado, e não só a vida da aniversariante, mas a dele também será transformada a partir daí.

"O convidado surpresa" não é um livro para qualquer leitor. Seu estilo quase truncado - que lembra, em certos momentos, o argentino "O passado", de Alan Pauls - quase assusta em algumas passagens, seja pela profundidade que o autor imprime seja pela maneira pouco convencional de analisar suas ações e pensamentos. Citar Virginia Woolf e seu "Mrs. Dalloway" - ainda que Woolf já não seja hoje em dia tão hermética quanto há uns anos - também não ajuda a alcançar a popularidade oca de uma lista de mais vendidos de revistas semanais. Isso, no entanto, não atrapalha o prazer de ler uma obra verdadeira, visceral e inteligente, que mistura sentimentos e literatura de qualidade em uma época em que livros como os da série "Crepúsculo" surgem como verdadeiros pesadelos intelectuais.

"... e pensei então que o verdadeiro convidado surpresa não havia sido eu, mas esse romance inglês escrito no anos 20 que entrou secretamente na vida dela para mudar o seu curso, e o curso da minha indiretamente, e aliás desde sempre foi a literatura que se convidou misteriosamente na história dos homens e acreditamos pensar em tudo e esquecemos o livro em cima da mesa de cabeceira."

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