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A SERPENTE - 11º PORTO VERÃO ALEGRE

Posted by Clenio on 21:35 in

Por mais que eu vá ao teatro, por mais que eu ADORE ir ao teatro, por mais que teatro sempre me fascine - pelo cheiro das salas, pela atmosfera contagiante, pela possibilidade de ser transportado a outras vidas, lugares e acontecimentos - existe um elemento no teatro que eu não consigo gostar: por que, meu Deus, por que certos grupos, diretores e/ou produtores insistem em inventar moda onde não há necessidade? Digo isso porque, de dezembro pra cá tive a oportunidade de assistir a montagens de três peças de Nelson Rodrigues e em todas as elas tive a mesma sensação de desconforto misturado com indignação. E não estou falando do desconforto e indignação que o público de Nelson certamente sentia quando da estreia de suas polêmicas obras, muito à frente de seu tempo. Falo é do sentimento de impotência frente à quase destruição de seus textos, admirados por muitos e venerado por esse que vos fala. Tenho adoração pela obra de Nelson desde que li "Álbum de família", escondido, aos 12 anos de idade - com 12 anos de idade, no interior, em colégio de freiras ler uma peça dessas era ato tão grave quanto cometer um homicídio. De lá pra cá, li muita coisa escrita por ele, assisti a deploráveis adaptações cinematográficas de sua obra (como esquecer Lucélia Santos em "Bonitinha mas ordinária", Vera Fischer em "Perdoa-me por me traíres", Sonia Braga em "A dama do lotação" e Darlene Glória em "Toda nudez será castigada"?) e vibrei com a qualidade excepcional de "A vida como ela é" dirigida por Daniel Filho e "Engraçadinha" estrelada por Claudia Raia e Alessandra Negrini. Li, reli e treli "O anjo pornográfico", de Ruy Castro. Me atrevi até mesmo a escrever uma peça de teatro inspirada em sua obra e sua vida chamada "Pouco amor não é amor". Ou seja, modéstia à parte, posso dizer que sou um fã de carteirinha e isso me dá não o direito, mas o dever de me indignar com montagens tão "mudernas" de algumas de suas peças.

Primeiro veio Gabriel Vilella com a montagem paulista de "Vestido de noiva", com Leandra Leal e Marcello Antony. Pois bem, "Vestido de noiva" é, na minha opinião, a maior peça de teatro jamais escrita no Brasil até hoje - imaginem então em 1942!! Alaíde, sua protagonista, é, pra mim, o Hamlet nacional, o maior papel que uma atriz pode almejar. A estrutura do texto, a genial ideia de misturar os planos da realidade, do passado e da alucinação e os diálogos enxutos podem ser o sonho de qualquer diretor, menos de Vilela. Ele misturou elementos de teatro de rua, clowns e um visual de cinema dos anos 20 pra criar um espetáculo risível - não por se tratar de uma comédia, mas por merecer mais deboche do que aplausos.

Depois, veio "O beijo no asfalto", que pelo menos na montagem porto-alegrense foi disfarçado com o título "Um Nelson". Até poderia ter se salvo se o diretor - cujo nome não guardei nem faço questão de lembrar - não tivesse tido a infeliz ideia de acrescentar à trama da peça (uma das melhores, diga-se de passagem) uma cena inexistente no roteiro original que reproduzia - pasmem! - um vídeo do youtube protagonizado por um travesti que exigia o pagamento de um programa. Juro, foi uma situação constrangedora que me deu vontade de, parafraseando Nelson, sentar na calçada e chorar lágrimas de esguicho.

Por fim, hoje assisti a uma montagem de "A serpente", última peça do dramaturgo. Não é uma de suas obras mais conhecidas nem tampouco uma de suas melhores. No entanto, nada justifica a histeria apresentada no palco, misturando esquizofrenicamente a história de duas irmãs (as atrizes, justiça seja feita, são ótimas) com gente correndo com véus de noivas (incluindo os atores), comentários externos à ação e uma trilha sonora que põe no mesmo balaio Elza Soares, Madonna e Ana Carolina.

Respeito quem gosta desse tipo de teatro, afinal a diversidade cultural existe e quem sou eu pra impor opiniões? Mas eu definitivamente não consigo me acostumar com o que considero falta de confiança no texto e na ação descrita pelo autor. Teatro construtivista, pós-moderno, de vanguarda... nada disso me inspira mais do que tédio e sono. Parabéns à entrega dos atores e a algumas (poucas) boas ideias, mas ainda preciso ver uma montagem fiel e decente de Nelson Rodrigues em um palco gaúcho.

PS - Para ser justo, aplaudo "Fragmentos rodrigueanos", que pelo menos parte de textos não-teatrais para atingir a seu objetivo. Não inventa a roda, mas pelo menos não faz com que o autor de "O casamento" se revire no túmulo.

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