0

CANTIGA DE NINAR

Posted by Clenio on 11:23 in

Visto através dos olhos de Chuck Palahniuk, o mundo não é um lugar dos mais agradáveis. Autor de petardos críticos contra a sociedade de consumo como "Clube da luta" e "No sufoco", o escritor norte-americano talvez seja a voz mais radical na literatura atual, conseguindo unir uma prosa que foge do eruditismo barato a um humor negro e violentos ataques ao vazio existencial que acomete a humanidade há um bom par de séculos.

Publicado no Brasil em 2004, "Cantiga de ninar" (Ed. Rocco) não chega a ser seu melhor trabalho - fico dividido entre "Clube da luta" e o genial "Assombro" - mas é, de longe, um livro para ser devorado com a rapidez de um BigMac - mas é, sem dúvida, bem mais nutritivo.

A grosso modo, "Cantiga de ninar" conta a história de uma poesia folclórica africana (o canto de poda) que, reza a lenda, mata as pessoas que a ouvem. De posse dessa valiosa informação, o repórter Carl Streaton, que perdeu a mulher e a filha bebê devido ao feitiço involuntário, une-se à corretora imobiliária Helen Boyle - também uma ex-mãe de família - para destruir todas as cópias do tal poema maldito. Ao lado de uma jovem bruxa e seu namorado hippie, eles atravessam o país em busca dos exemplares existentes e no caminho descobrem que seus objetivos podem ser bem mais egoístas do que aparentam.

Assim como em toda obra de Palahniuk, a trama central é apenas o pano de fundo para uma profunda discussão sobre cultura de massa, religião e cultura pop. Tal como um filósofo moderno, o ex-mecânico alçado à categoria de escritor bem-sucedido discorre sobre Deus, seres humanos, violência e sentimentos de culpa de forma anárquica mas sempre inteligente, mal dando tempo ao leitor de recuperar-se dos disparos de sua metralhadora giratória. Sua prosa seca, de frases curtas, lembra Hemingway, mas é difícil imaginar o autor de "Por quem os sinos dobram" sendo tão furioso e irônico com sua geração. Palahniuk é mais do que som e fúria, é barulho e muito sarcasmo.

Em suas páginas finais "Cantiga de ninar" perde um pouco de seu fôlego, tornando-se quase anti-climático. Mas depois de mais de 250 páginas de insights geniais sobre o triste estado das coisas no mundo em que vivemos, esse pequeno detalhe nem chega a incomodar.

"Por toda parte há palavras se misturando. Palavras, letras de músicas e diálogos estão se misturando numa sopa que pode desencadear uma reação em cadeia. Talvez os atos de Deus sejam apenas a combinação certa do lixo que a mídia joga no ar. As palavras erradas colidem e provocam um terremoto. Tal como as danças da chuva chamavam tempestades, a combinação certa de palavras talvez provoque furacões. Por trás do aquecimento global talvez haja um excesso de jingles comerciais jogados no ar. Talvez o número excessivo de reprises televisivas que pululam por aí esteja causando furacões. Câncer. AIDS."

|

Copyright © 2009 Lennys' Mind All rights reserved. Theme by Laptop Geek. | Bloggerized by FalconHive. Distribuído por Templates