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PRECIOSA

Posted by Clenio on 00:11 in

Confesso que, quando assisti ao trailer de "Preciosa" fiquei meio paralisado de medo que fosse mais um daqueles dramas sensacionalistas e edificantes passados em guetos e que culpava a desigualdade social por todas as mazelas humanas. O nome de Oprah Winfrey nos créditos não me tranquilizava nem um pouco e ter Mariah Carey no elenco apenas aumentava minhas suspeitas. Isso sem falar no trailer em si, que visualmente dava a impressão de mais um daqueles filmes "modernosos" que substituem a trama por uma edição cheia de picotes. Junto a tudo isso, o clima decadente de tristeza, dor, desespero e violência me afastaram o máximo de tempo possível dos cinemas em que ele estreou. Mas, venhamos e convenhamos, é um candidato ao Oscar e é quase uma obrigação para comigo mesmo assistir aos indicados - menos "Avatar". Sendo assim, me arrisquei nos caminhos da depressão e testemunhei alguns dos momentos mais legítimos do cinema nos últimos meses. "Preciosa" é, perdoem-me o trocadilho fácil, precioso.

Tudo bem que o filme de Lee Daniels (indicado ao Oscar de direção) não tenta escapar de todas aquelas características citadas no início do post, mas o faz de maneira honesta, sensível e carinhosa. E, ao fugir do sensacionalismo que parece inerente a um filme desse naipe, ganha em credibilidade e conquista sua plateia - toda ela, indiferente se formada por homens, mulheres, negros ou brancos, ricos ou pobres.

A personagem-título (vivida pela estreante Gabourey Sibide) é talvez uma das protagonistas mais tristes a cruzar as telas nos últimos anos. Aos 16 anos, Preciosa começa o filme grávida pela segunda vez do próprio pai, que a violenta desde criança. Sua filha mais velha tem síndrome de Down e mora com a bisavó, já que a mãe de Preciosa (em uma atuação desconcertante de Mo'nique) a trata literalmente aos pontapés. Semi-analfabeta, muitos e muitos quilos acima do peso e atormentada pelos colegas de bairro, resta a ela apenas fugir de sua realidade através de seus sonhos em ser modelo, ou cantora ou qualquer outra profissão glamorousa que a arranque de seus pesadelos reais. Sua vida começa a mudar quando, expulsa da escola, ela conhece uma professora doce e paciente (Paula Patton), que a ajuda a explorar suas qualidades até então desconhecidas inclusive por ela mesma.

"Preciosa" não é um filme perfeito. Talvez o que mais incomode seja o fato de injetar tanta tragédia na vida de sua personagem principal, o que, mesmo que sendo plenamente possível de acontecer na vida real, dilui um pouco a importância de cada uma delas. Os problemas com a mãe ficam menores diante da situação com a filha doente, que empalidece frente à violência sexual, que diminui de tamanho com a revelação de que seu pai tinha AIDS. É tanta desgraça que em determinado momento a verossimilhança do roteiro chega a ficar em xeque. Ainda bem que o final anestesia o público que ficou quase duas horas assistindo tanto drama.

Mas na verdade o trunfo maior de "Preciosa" é seu elenco. Nem mesmo Mariah Carey como assistente social ou Lenny Kravitz como enfermeiro comprometem o impacto estarrecedor que Gabourey Sibide e principalmente Mo'nique causam nos espectadores, acostumados a atrizes de plástico simulando emoções pasteurizadas. A direção de Lee Daniels é precisa, crua, e sua câmera não evita capturar as performances inspiradas de suas atrizes bem de perto. O clima claustrofóbico de sua fotografia escura e quase palpável oferece à audiência um espetáculo nem um pouco agradável de miséria humana e, em cena, suas duas protagonistas se digladiam não apenas fisicamente mas em termos muito mais dolorosos. Se Gabourey impressiona pela quase passividade de sua personagem frente às tragédias de sua vida, a atuação de Mo'nique é impecável, desde suas cenas como megera indomável até suas inesquecíveis e dramáticas cenas finais. O Oscar de atriz coadjuvante já tem dona.

"Preciosa" não é e nem se pretende um conto de fadas. É uma história forte, forjada a ferro e fogo na alma, dolorosa mas ao mesmo tempo otimista. E é um impulso magistral na carreira de seu promissor diretor.

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