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INVERNO DA ALMA

Posted by Clenio on 18:56 in
Para parecer antenada e consciente de tudo que acontece longe de seus domínios mais comerciais, todo ano a Academia de Hollywood escolhe uma produção independente para adotar e cumular de indicações ao Oscar. O escolhido deste ano é "Inverno da alma", que ganhou o grande prêmio do júri no Festival de Sundance e foi aplaudido entusiasticamente pela vasta maioria da crítica. Porém, indicado a quatro importantes estatuetas deste ano - filme, atriz, ator coadjuvante e roteiro adaptado - toda essa paixão exarcebada parece um tanto com uma alucinação coletiva. Ainda que tenha algumas qualidades inegáveis, o filme da desconhecida Debra Granik está muito longe de ser a obra-prima que andam apregoando aos quatro ventos.

O maior mérito de "Inverno da alma" - e isso qualquer espectador há de concordar - é seu elenco. Liderados por uma juvenil Jennifer Lawrence, que concorre ao Oscar com poucas chances, os atores escolhidos por Granik são o que há de melhor em um filme de ritmo e desenvolvimento lentos e uma história que, apesar do início promissor, não apresenta maiores surpresas. Lawrence interpreta Ree Dolly, uma adolescente de 17 anos que leva uma vida nada agradável em uma área rural do interior americano: por sua mãe ter sérios problemas de depressão, é ela quem cuida dos irmãos pequenos, dando-lhes a pouca comida que consegue com a ajuda dos vizinhos e amigos. Um dia, ela é procurada pelo xerife da cidade, que lhe dá a péssima notícia: seu pai, um homem sempre às voltas com problemas com a polícia, deu a propriedade onde mora a família como garantia de sua condicional. Desaparecido, ele precisa dar as caras no prazo estabelecido, sob pena de tanto Ree quanto sua mãe e irmãos irem ficar sem um lar. Determinada a encontrar seu progenitor, a garota embarca em uma viagem onde encontra tipos perigosos - quase todos com relações de sangue - e corre sério risco de morrer.

Durante o processo de Ree em direção à verdade sobre o desaparecimento de seu pai, é impossível não lembrar das teias de intrigas e mentiras criadas por David Lynch em sua série televisiva "Twin Peaks", onde nada era o que parecia e as personagens eram bem mais complexas do que davam a entender em uma primeira visão. No filme de Granik, o caminho de Ree é pontuado por mulheres violentas, policiais corruptos, pessoas que tem muito a esconder. Sintomaticamente, uma envelhecida Sheryl Lee (a Laura Palmer em pessoa) dá o ar da graça em uma cena curta mas importante. Desprovida de qualquer glamour - o que combina à perfeição com todo o visual gélido e cinzento do filme - Lee também remete à obra de Lynch, ainda que sem seus elementos bizarros. Aliás, é de se elogiar a estética fria e formal da obra da cineasta: sem buscar o encantador ou o sublime, ela retrata a árida região onde se passa a história com uma sobriedade implacável e honesta.

E honestidade é a palavra-chave em "Inverno da alma". É um filme simples, honesto e realizado com discrição - seu editor Affonso Gonçalves, vale dizer, é brasileiro radicado nos EUA. Não é uma obra espetacular nem mesmo apaixonante, mas é mais verdadeira e honesta do que muita porcaria que faz sucesso por ser adaptado de histórias em quadrinhos. É um filme comum sobre gente de verdade, e como tal, merece ser conferido, ainda que suas indicações ao Oscar - com exceção do trabalho primoroso de John Hawkes - sejam realmente um exagero.

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