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360

Posted by Clenio on 16:51 in
Um dos maiores problemas que podem acometer um cineasta talentoso é o excesso de expectativas em relação a seus trabalhos - e a consequente ambição que nem sempre atinge seus objetivos. Um exemplo claro disso é o brasileiro Fernando Meirelles. Depois do merecidíssimo êxito de "Cidade de Deus" - que entrou na lista de nove entre dez críticos como um dos filmes essenciais da primeira década do século XXI, levou multidões aos cinemas e concorreu a 4 Oscar - ele assinou obras interessantes baseadas em livros conhecidos - "O jardineiro fiel" (que deu a Rachel Weisz o Oscar de coadjuvante) e "Ensaio sobre a cegueira" (que adaptou com competência a obra difícil de José Saramago mas dividiu a crítica) - e chegou a seu projeto mais difícil até agora: "360", escrito por Peter Morgan ("A rainha") com base em uma peça de teatro do austríaco Arthur Schnitzler, amigo de Freud e autor também do livro que deu origem a "De olhos bem fechados", último trabalho de Stanley Kubrick. O resultado final comprova o talento de Meirelles por trás das câmeras, mas também evidencia o que muito fã de cinema já sabe muito bem: filmes com histórias paralelas são, raras exceções à parte, bastante irregulares em seu conjunto.

A maior qualidade do roteiro de "360" - o título refere-se ao círculo completo que se fecha a seu final - é que as histórias contadas ao longo de seus 110 minutos interligam-se de forma tênue, quase invisível, tornando verossímeis até mesmo relações quase impossíveis - como a que envolve o americano em busca da filha desaparecida (ótimo trabalho do veterano Anthony Hopkins) com a brasileira que abandona o namorado e parte de volta pra casa (a delicada Maria Flor) e cai nos braços de um ex-presidiário condenado por estupro (o excelente Ben Foster). O olhar de Meirelles aos detalhes, seu cuidado com a direção de atores continua perceptível e afiados, dando espaço para o brilho de seu vasto elenco, que inclui também os premiados Jude Law e Rachel Weisz como um casal em crise - ele busca prostitutas em suas viagens a negócios e ela tem um caso tórrido com um fotógrafo brasileiro (Juliano Cazarré). O cineasta é inteligente o bastante também para nunca deixar que a audiência saiba o que está para acontecer, fugindo dos clichês e usando a excelente trilha sonora como comentários sutis à ação. Soma-se a isso a edição do parceiro habitual do diretor, Daniel Rezende, e tem-se um filme tecnicamente perfeito. Mas falta a ele algo que nunca faltou aos trabalhos anteriores de Fernando Meirelles: emoção.

Mesmo que em alguns segmentos o público consiga se importar com as personagens - principalmente devido a atuações gloriosas de Ben Foster e Maria Flor - é fato que falta a "360" alma. Talvez porque fiquem um tempo curto demais em cena as personagens não conseguem envolver a audiência, mesmo porque nem todas as histórias tem um desfecho. Ao mesmo tempo em que isso denota uma bem-vinda ousadia (fugir dos padrões nunca faz mal), afugenta o público que espera resoluções comuns. E algumas personagens são tão fascinantes que fica-se questionando se não valeriam, sozinhas, um filme inteiro.

"360" não é a obra-prima que poderia ser, haja visto o acúmulo de talentos envolvidos em sua realização. Mas é tecnicamente deslumbrante, magnificamente interpretado e soberbamente dirigido. Se tivesse um pouquinho mais de alma seria imperdível.

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1 Comments


Por coincidência acabei de escrever sobre este filme.

A questão da expectativa exagerada quase sempre gera decepção. É necessário entender que é um novo trabalho para apreciar melhor.

Concordo que alguns personagens são fascinantes e poderiam render uma história maior, mas entendo a escolha de Meirelles e Peter Morgan a dar ênfase a apenas uma pequena passagem da vida de cada um.

Abraço

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