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FERRUGEM E OSSO

Posted by Clenio on 02:53 in
Quando um cineasta acerta em cheio com uma obra, que deslumbra críticos e conquista os fãs de cinema, sempre existe aquele medo silencioso de que o sucesso tenha sido apenas um lapso de genialidade. Certamente era essa dúvida que cercava o francês Jacques Audiard depois do êxito merecido de seu "O profeta" - que levou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes e chegou a concorrer ao Oscar de filme estrangeiro. Será que o homem que contou com tanta propriedade a história da formação de um criminoso dentro da cadeia conseguiria se reinventar ou se manteria na zona de conforto, assim como muitos de seus colegas de profissão americanos? Felizmente a primeira opção mostrou-se a correta: "Ferrugem e osso", seu novo filme é, acreditem ou não, uma bela e delicada história de amor que em nada lembra seu filme mais famoso. E melhor ainda, é um filme que acompanha o espectador um bom tempo depois do término da sessão.

Baseado em dois contos do escritor canadense Craig Davidson - cujo protagonista masculino mudou de sexo quando Audiard achou que já tinha homens demais em "O profeta" e quis mudar o foco da trama - "Ferrugem e osso" fala de perdas, de recomeços e da coragem de enfrentar de frente problemas bastante graves sem perder a esperança. O ótimo Matthias Schoenaerts interpreta Ali, que chega à casa de sua irmã acompanhado do filho de cinco anos para recomeçar a vida. Logo que arruma emprego como segurança de uma boate ele conhece a bela Stéphanie (Marion Cottilard, perfeita como sempre), que trabalha como adestradora de baleias em um espetáculo local. Algum tempo depois, eles voltam a se encontrar em circunstâncias bem diferentes: ele está envolvido em lutas de quintal de boxe tailandês para ganhar dinheiro e ela perdeu as duas pernas em um acidente com um dos animais de seu show. Depois de se tornarem amigos eles acabam se envolvendo romanticamente, apesar da resistência dele em assumir compromissos.

Ao contrário dos romances hollywoodianos, onde as personagens enfrentam problemas risíveis ou absolutamente inverossímeis, no filme de Audiard os caminhos que separam e unem Ali e Stéphanie soam reais e dolorosamente próximos da audiência. As cenas de sexo - delicadas e fotografadas com discrição - não buscam excitar o público e sim ilustrar a tristeza e a urgência das personagens e é exemplar o uso da luz solar nos momentos em que Stéphanie consegue sair da escuridão de sua situação para relembrar seus dias de felicidade e plenitude física e a forma como o cineasta conduz a trama sem deixá-la previsível e oca. O terço final do filme - depois que Ali é obrigado mais uma vez a mudar de vida - consegue até mesmo deixar o espectador com o coração na mão, em uma situação apavorante que comprova sem sombra de dúvidas o quanto o roteiro conseguiu driblar as armadilhas propostas pela proposta inicial (que poderia facilmente descambar para o dramalhão) para envolver o público com gente de verdade, com sentimentos muito mais reais do que ele está acostumado a ver no escurinho do cinema. E para isso ele conta também com um elenco formidável.

Se Marion Cottilard mais uma vez dá um banho de coragem e entrega com sua Stéphanie - cuja história trágica jamais busca a compaixão leviana da audiência e que arrancou aplausos entusiasmados no último Festival de Cannes - seu parceiro de cena não fica atrás. Desconhecido no Brasil, Matthias Schoenaerts conquista pela sutileza com que compõe seu Ali, um homem que alterna momentos de extrema ternura com rasgos de uma violência que encontra origem em uma vida difícil e sem maiores espaços para delicadeza. Sempre que os dois contracenam o filme cresce, mostrando o talento de Audiard na direção de atores e sua força em extrair deles atuações gigantescas. É impossível manter-se incólume quando os dois estão juntos e essa talvez seja a maior das várias qualidades de um filme poderoso o bastante para confirmar que um raio pode sim cair duas vezes no mesmo lugar. Jacques Audiard caminha com determinação para tornar-se um dos maiores cineastas franceses de sua geração.

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GONZAGA, DE PAI PRA FILHO

Posted by Clenio on 18:45 in
Primeiro foi "2 filhos de Francisco", em que contava a história de Zezé di Camargo & Luciano. Depois foi a vez de "À beira do caminho", onde utilizava o cancioneiro de Roberto Carlos para ilustrar a trajetória de um caminhoneiro em busca de seu passado. Agora o cineasta Breno Silveira apresenta ao público brasileiro mais um candidato a sucesso afetivo: "Gonzaga, de pai pra filho" ilustra a compliada relação entre o Luiz Gonzaga e seu filho mais velho, o cantor e compositor Gonzaguinha. Mesmo que nos dias de hoje o nome do Rei do Baião não chegue perto da popularidade da dupla sertaneja que protagonizou o primeiro filme de Silveira - o que talvez atrapalhe seus planos de levar multidões às salas de exibição - o tom emotivo impresso pelo diretor, a história humana e brasileira e o impressionante trabalho do ator gaúcho Julio Andrade na pele de Gonzaguinha são motivos mais do que suficientes para uma conferida.

Tudo bem que em diversas ocasiões o roteiro de Patricia Andrade soe como um especial de tv, e que a divisão dos protagonistas em vários atores (três para cada um) acabe sublinhando a irregularidade das interpretações (e justamente o mais fraco de todos, Chambinho do Acordeon é quem fica mais tempo em cena, na pele de Luiz Gonzaga adulto), mas no final das contas o resultado final é de uma felicidade ímpar. Lindamente fotografado pelo argentino Adrian Tejido - que eleva o Nordeste brasileiro como uma personagem de grande importância para a narrativa - e editado de forma a mesclar imagens de arquivo com as cenas do filme, "Gonzaga" mostra mais uma vez que, em termos técnicos, não há motivos para vergonha no cinema nacional. Soma-se a essa qualidade de importância vital uma história emocionalmente forte, personagens carismáticos que estão no imaginário popular desde sempre e uma fórmula testada e aprovada previamente e pronto: mais um belo e comovente trabalho de um cineasta que, se não ousa em temática e estilo, ao menos vem mostrando uma constância e uma coerência admiráveis.

O filme de Breno começa em 1981, quando o cantor Gonzaguinha (já interpretado de forma quase mediúnica por Julio Andrade) está no auge de sua popularidade, sendo capa de revistas nacionalmente conhecidas. Sabendo das dificuldades que seu pai vem passando, ele vai até ele, na pequena cidade de Exu (sertão do Pernambuco) e o encontra negando seus problemas financeiros e de saúde. Depois de algumas discussões a respeito de seus problemas de relacionamento, pai e filho finalmente começam a se entender quando o veterano músico passa a contar a sua história de vida, voltando ao ano de 1929, quando abandonou sua cidade natal depois de se ver impedido de consumar sua paixão pela bela Nazinha (Cecília Dassi), filha de um coronel da região (Domingos Montagner). A partir daí, sua trajetória é contada de forma linear pelo roteiro - voltando ocasionalmente para o "presente". Ao contar uma história que atravessa mais de cinco décadas, é notável a reconstituição de época e o cuidado com o visual e até mesmo com as caracterizações. O que realmente atrapalha um pouco é, conforme afirmado antes, a irregularidade do elenco.

Protagonizado por atores desconhecidos do grande público - e até por músicos sem experiência anterior em cinema - "Gonzaga, de pai pra filho" esbarra inevitavelmente nessa pedra no meio do caminho. Se Julio Andrade entrega uma atuação quase mediúnica de Gonzaguinha, o mesmo não pode ser dito, por exemplo, do novato Chambinho do Acordeon, que tem a maior responsabilidade de todas ao encarar Gonzagão pela maior parte do filme - e passar por sentimentos díspares como amor, tristeza, solidão e entusiasmo. Adélio Lima, que assume a reta final da personagem se sai melhor, talvez por ter um desafio um tanto menor. E o elenco coadjuvante salva o espetáculo de forma magistral. Silvia Buarque e Luciano Quirino estão ótimos como os pais adotivos de Gonzaguinha (e melhores amigos de Luiz em sua chegada ao Rio). Roberta Gualda brilha como Helena (a segunda mulher do pai de "Asa Branca"). E Claudio Jaborandy e Cyria Coentro dão um baile como seus pais, em cenas emocionantes na medida certa. Uma pena que Nanda Costa exagere nas caras e bocas na pele de Odaleia, justamente a mais importante personagem feminina da trama...

Mesmo que não dê a devida importância à obra e música de Gonzaguinha tanto quanto dá a de seu pai - afinal, segundo o diretor o enfoque é a relação paternal entre eles - "Gonzaga, de pai para filho" cumpre boa parte de suas promessas e comove a audiência, proporcionando a ela uma viagem sentimental e musical como pouco se faz no Brasil. Um filme que merece ser visto e apreciado!

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LADY GAGA EM PORTO ALEGRE... EU FUI. E ADOREI!

Posted by Clenio on 17:25 in
"Sou ambiciosa, mas se não fosse tão talentosa como sou ambiciosa, eu seria uma monstruosidade atroz." Essa afirmação, feita para a revista Time de 1985 é de Madonna, certamente a mais bem-sucedida estrela da música pop de todos os tempos. Mas também cai como uma luva em um outro ídolo da música norte-americana que, sintomaticamente, começou a ainda curta carreira bebendo na fonte da Material Girl. Em pouco mais de quatro anos, a nova-iorquina Stefani Joanne Angelina Germanotta pulou do anonimato para a fama absoluta, inundando as pistas de dança com seus hits contagiantes e causando estranheza com seu figurino bizarro, suas polêmicas visuais e - para sorte dos fãs de boa música pop - seu enorme talento musical. Confirmando o que disse Madonna, se junto com todo o festival de bizarrices não viesse também um descomunal talento, hoje em dia Lady Gaga seria apenas um apêndice de pé de página nos compêndios musicais - limbo onde se encontram hoje em dia dezenas de wannabes que não resistiram à potencial efemeridade do sucesso imediato.

Mas o assunto desse post não é fazer um inventário sobre a carreira e a música de Lady Gaga - mesmo porque falta-me conhecimento de causa para isso. Esse texto é apenas para registrar a excelência do show apresentado por Gaga em Porto Alegre, diante de um público relativamente pequeno - apenas 16 mil pessoas. A baixa vendagem dos ingressos pode ser creditada a vários fatores - o show foi divulgado em cima da hora, os ingressos não eram tão baratos assim e o público-alvo já tinha gastado bastante com o show de Madonna (olha ela aí de novo), no próximo dia 09 de dezembro. Mas nada como um bom "cala-te boca". A essa altura os detratores devem estar roendo o cotovelo: não há quem tenha saído do espetáculo - sim, espetáculo é a palavra que melhor define o que foi apresentado - sem estar apaixonado pela Monster.

A superprodução de "Born This Way Ball" é simplesmente impecável. Os bailarinos, as coreografias, o setlist e o clima teatral são absurdamente competentes. Gaga não é apenas uma estrela excêntrica e sim uma cantora de extrema qualidade e carisma. É atenciosa, carinhosa, bem-humorada e gentil - coisas que Madonna, por mais fã que eu seja, não é. Demonstra ser mais humana do que seus vídeos assustadores afirmam. E não deixou nenhum - NENHUM - sucesso de fora do show. Difícil não ficar abismado com a quantidade de hits que a cantora já coleciona em tão pouco tempo de estrada - assim como é emocionante perceber como o discurso de autoaceitação que ela proclama desde sempre acaba sendo o seu diferencial junto a uma parcela do público que nem sempre tem essa mesma autoestima - afirmação essa que encontra respaldo em seu carinho para com os fãs que tem a sorte de subir ao palco e conhecer o camarim da estrela. Mais do que roupas de carne ou polêmicas religiosas/sexuais (que em pouco tempo entram para um museu de grandes novidades), é a forma com que Gaga encara as diferenças - e a devolve transformada em boa música - que faz dela a grande estrela na qual ela vem se transformando. Como ela mesma declara no show, música é feita para falar de paz. E é isso que - a despeito de algumas vozes dissonantes que a encaram como emissária de Satã, para dizer o mínimo (preguiça dessa gente) - ela fez na noite fria de terça-feira em Porto Alegre. Seu show foi divertido, empolgante, visualmente arrebatador e artisticamente inspirador. Madonna é estrela absoluta. Mas o mundo tem - e precisa - de um lugar de honra para Lady Gaga.

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SELVAGENS

Posted by Clenio on 03:16 in
Ausente das telas de cinema desde a recepção polêmica a seu "Wall Street, o dinheiro nunca dorme", de 2010, o cineasta Oliver Stone surpreendeu o público com seu novo projeto. Bem menos ambicioso - mas nem por isso menos controverso - "Selvagens", adaptado de um romance de Don Winslow, mostra um Stone ainda extremamente no domínio da técnica cinematográfica, mas mais preocupado em contar uma história do que exibir seus dotes de polemista. Se isso talvez decepcione os fãs de seu estilo exaltado de comprovar seus pontos de vista radicais por outro lado pode lhe dar créditos junto àqueles que esperam de uma sessão apenas um competente entretenimento. E, falem bem ou mal, é inegável que o vencedor de 2 Oscar - pelos contundentes "Platoon" e "Nascido em 4 de julho"- sabe muito bem como contar uma história.

Aqueles que reclamam da forma como Stone editou seu alucinante "Assassinos por natureza", por exemplo, podem ficar tranquilos: em "Selvagens", o cineasta não exagera no ritmo, preferindo um estilo um tanto menos lisérgico, ainda que, devido a seu tema e seus protagonistas, tal escolha não fosse necessariamente equivocada. Os tais protagonistas são Ben (Aaron Johnson) e Chon (Taylor Kitsch), dois jovens amigos que ganham (muito bem) a vida distribuindo a maconha cuja semente o segundo contrabandeou do Afeganistão e o primeiro desenvolve em laboratório. Bonitos, sarados e ricos, eles também dividem, sem frescura ou ciúmes pequeno-burgueses, o corpo e o amor da bela patricinha O (Blake Lively, da série "Gossip Girl"). Seu idílio na paradisíaca Laguna Beach começa a transformar-se em inferno quando os dois espertinhos resolvem passar a perna na temida Elena (Salma Hayek), chefona do cartel de tráfico de drogas mexicano, que lhes havia oferecido um negócio aparentemente irrecusável. Com sua namorada sequestrada, resta aos rapazes partir pro ataque, mesmo sabendo do perigo que é enfrentar Lado (Benicio Del Toro), braço-direito da traficante.

Deixando de lado sua tendência ao exagero estilístico, Oliver Stone realiza, em "Selvagens", um filme de ação perfeitamente equilibrado entre cenas de grande impacto visual - e de uma violência crua e por vezes bastante cruel - e uma história quase banal. O roteiro - bem acima da média, mas muito aquém do material com que o cineasta costuma trabalhar - assume sem medo sua vocação pop, o que a fotografia colorida e a edição ágil confirmam com ênfase, além do elenco central, fotogênico mas não exatamente genial. Aaron Johnson - que já foi John Lennon em "O garoto de Liverpool" - e Taylor Kitsch - protagonista do hypado "John Carter, entre dois mundos" - convencem como garotões de praia, mas em poucos momentos saem de sua zona de conforto, nem mesmo quando suas personagens enfrentam situações apavorantes. Mas se sua falta de ousadia não chega a incomodar, o mesmo não pode ser dito a respeito de Salma Hayek. Dona do papel crucial da letal Elena, a atriz mexicana mostra toda sua fragilidade dramática ao enfraquecer um papel que, em mãos mais capazes, poderia tornar-se uma vilã antológica. Sua deficiência fica ainda mais patente quando ela atua ao lado de Benicio Del Toro - assustador e sempre brilhante - e na impressionante sequência em que ordena a morte de um suposto traidor (uma cena extremamente violenta e talvez a melhor do filme).

Surpreendentemente normal - em comparação com outras obras geniais de Stone - "Selvagens" ousa ao eleger como seus protagonistas um trio de personagens à margem da sociedade sem nunca tratá-los com condescendência ou julgamentos morais e fazer com que a audiência torça por eles. Também não tem medo de mostrar cenas de sexo bastante quentes (onde os corpos masculinos estão bem mais em evidência do que o feminino) e de dar a John Travolta um de seus melhores papéis em anos (o policial corupto que ajuda os protagonistas). Mesmo que seu final deixe um pouco a desejar - acabasse cinco minutos antes e seria esplêndido - é um filme que dificilmente irá decepcionar aos fãs de entretenimento de qualidade.

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RUBY SPARKS, A NAMORADA PERFEITA

Posted by Clenio on 18:27 in
O que se faz depois que seu filme de estreia faz um estrondoso e inesperado sucesso, conquista público e crítica e sai com dois Oscar debaixo do braço mesmo tendo custado míseros 8 milhões de dólares (o que não paga nem o cabeleireiro de Julia Roberts)? Se seu nome for Jonathan Dayton ou Valerie Faris a resposta é uma só: se espera seis anos por um novo projeto, novamente independente e torce para que a mágica se repita. Diretores do cultuado "Pequena Miss Sunshine" - que em 2006 papou as estatuetas de roteiro original e ator coadjuvante (Alan Arkin)  e rendeu mais de 100 milhões de verdinhas mundo afora - Dayton e Faris, casados e pais de três filhos, demoraram mais de meia década para voltar às telas de cinema. Só que, ao contrário de seu filme anterior, "Ruby Sparks, a namorada perfeita", apesar de bastante interessante, carece do que "Miss Sunshine" tinha de sobra: personagens carismáticas e um ritmo agradável.

O protagonista da trama é Calvin Weir-Fields (Paul Dano), um jovem escritor que, depois do estrondoso sucesso de seu primeiro romance, passou a sofrer de um grave bloqueio criativo. Abandonado pela namorada e pressionado pelo irmão (o ótimo Chris Messina) e o terapeuta (Elliot Gould) a encontrar um novo amor - e por consequência uma nova inspiração - ele cria em um texto fictício uma namorada ideal, a quem dá o nome de Ruby Sparks. Para sua surpresa, essa personagem inexistente se materializa (na pele da roteirista Zoe Kasdan) e os dois iniciam um idílico relacionamento.

Nem sempre é cabível julgar um filme comparando-o com seu antecessor, mas "Ruby Sparks" tem a mesma vibe indie de "Miss Sunshine", ainda que seu objetivo dramático e suas intenções temáticas sejam bem diferentes. Enquanto as idiossincrasias da família Hoover serviam como uma espécie de microcosmo de qualquer núcleo familiar e versavam - de forma irônica, engraçada e carinhosa - sobre a obsessão dos americanos (e por que não dos ocidentais como um todo?) pela perfeição e pelo sucesso, a história de Calvin e Ruby serve para ilustrar temas como a falta de autoestima e a busca incessante (e inglória) pelo amor perfeito. O roteiro de Kazan, no entanto - e vale lembrar que ela é neta do cineasta Elia e filha do roteirista Nicholas - é falho em muitos pontos, não explorando a contento todas as suas possibilidades. A mãe de Calvin, por exemplo, e seu novo marido - atuações simpáticas de Annette Benning e Antonio Banderas - não tem praticamente nenhuma função na trama, dando a impressão de estar ali apenas para passar o tempo. E a própria Zoe Kazan não tem carisma e beleza suficientes para justificar que um homem a crie em sua imaginação, o que enfraquece bastante a premissa central.

Não é que "Ruby Sparks, a namorada perfeita" seja ruim, muito pelo contrário. É uma variação inteligente de "Mais estranho que a ficção" - em que Will Ferrel descobre ser personagem de um livro - misturada com "A rosa púrpura do Cairo" - obra-prima de Woody Allen em que Mia Farrow vê a personagem central de seu filme preferido sair da tela para ficar com ela - e como tal não faz feio. Mas lhe falta uma consistência maior e um roteiro mais forte. Ainda assim, tem qualidades em número suficiente para agradar a quem procura um divertimento menos pesado.

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HISTERIA

Posted by Clenio on 01:45 in
Levando-se em consideração a vulgaridade com que o sexo é tratado nas comédias que chegam semanalmente às salas de exibição, não deixa de ser uma surpresa positiva perceber que um filme cujo tema é a invenção do vibrador seja tão sutil quanto "Histeria". Fosse assinado pelos irmãos Farrelly, por exemplo - e não pela desconhecida Tanya Wexler - certamente o público seria brindado com dezenas de piadas escatológicas e de gosto duvidoso (ainda que provavelmente engraçadas). Nas mãos de Wexler, dirigindo aqui seu terceiro longa - sendo "Finding North" (98) e "Ball in the house" (01) os anteriores - a história do surgimento de um dos mais festejados aparatos sexuais criados pelo homem tornou-se uma comédia romântica que, a despeito de seu ritmo irregular, serve como um passatempo agradável e inteligente.

Obviamente, a história se passa na Inglaterra vitoriana, quando o jovem médico Mortimer Granville (o simpático Hugh  Dancy, senhor Claire Danes na vida real) arruma emprego como assistente do renomado Robert Dalrymple (Jontahan Pryce) para tratar com massagem pélvica de suas pacientes que sofrem de um mal chamado histeria - originalmente definido como uma disfunção do útero. Aos poucos Mortimer passa a se tornar o médico preferido da ala feminina da cidade graças à sua habilidade, mas, exausto, cria um aparato que, movido à bateria, se transforma em coqueluche. Enquanto luta para transformar o aparelho em algo comercialmente aceito - e para isso conta com a ajuda de seu melhor amigo Edmund St. John-Smythe (Rupert Everett perceptivelmente com botox no rosto) - ele acaba sentindo uma forte atração pela filha mais velha de Dalrymple, a feminista Charlotte (Maggie Gyllenhaal).

Cuidadosamente produzido e dirigido com sensibilidade, "Histeria" tem a seu favor uma história interessante e ainda inédita (por incrível que pareça) e um elenco caprichado. Enquanto Maggie Gyllenhaal exercita uma vez mais sua preferência por personagens de personalidade forte, o jovem Hugh Dancy se sai bem com uma personagem que perde a força no terço final da narrativa. E se Jonathan Pryce interpreta seu veterano doutor com um pé nas costas o outrora celebrado Rupert Everett surpreende negativamente: seu excesso de caras e bocas e seu limitado leque de expressões demonstra que o sucesso da época de "O casamento do meu melhor amigo" foi realmente fogo de palha. Felizmente sua atuação medíocre não chega a atrapalhar o trabalho de Dancy ou a simpatia da trama.

Mesmo que tenha alguns sérios problemas de foco - a história segue vários rumos ao mesmo tempo sem conseguir costurá-los a contento durante o tempo todo - "Histeria" é acima da média. É um respiro de leveza em meio a filmes que muitas vezes não cumprem nem metade do que prometem. Vale uma espiada.

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TED

Posted by Clenio on 22:04 in
Nada como uma boa polêmica para servir de marketing gratuito, não? Apesar do enorme sucesso que fez nos EUA - onde há inclusive uma sequência engatilhada - a comédia "Ted", escrita e dirigida por Seth McFarlane (criador da série de animação "Uma família da pesada") poderia tranquilamente passar sem maior alarde pelas salas de exibição brasileiras não fosse o ataque histérico de um deputado ofendido com o teor adulto de um filme estrelado por um aparentemente inofensivo ursinho de pelúcia. Causando um efeito totalmente contrário com sua indignação, o nobre político despertou em muita gente uma curiosidade até então quase inexistente a respeito de um produto que, se tem a coragem de deixar de lado o ranço politicamente correto que vem extinguindo o humor das comédias americanas, também não é tão bom quanto muitos fãs entusiasmados fazem crer.

Pra quem não sabe, o Ted do título é um ursinho de pelúcia que, por graça de uma estrela cadente, ganhou vida e tornou-se o melhor amigo de John Bennett, um menino solitário e carente da companhia de outras crianças. Vinte e sete anos depois, ele já não é mais tão famoso quanto no passado e vive uma relação de companheirismo à toda prova com o já adulto Bennett (interpretado com gosto por Mark Wahlberg). Usuário de drogas, promíscuo e boca-suja, Ted é o único amigo do rapaz, que não consegue deixar pra trás sua eterna infância/adolescência e acompanha o ursinho em noitadas e programas absolutamente perdedores - como cultuar Flash Gordon. Quando a bela Lori (Mila Kunis) passa a pressionar o namorado para que ele finalmente cresça e assuma uma relação mais comprometida com ela, um conflito instala-se na vida de John.

E é isso. Com uma história central bastante rala e que esbarra no clichê em inúmeros momentos, "Ted" salva-se pela saraivada de citações de cultura pop, sendo que algumas funcionam e outras nem tanto. A ideia principal - um inocente ursinho cometendo atrocidades - é interessante na primeira meia-hora de projeção, mas torna-se cansativa conforme o público vai percebendo que o roteiro se encaminha para um final já visto dezenas de vezes em comédias ou dramas românticos. E mesmo que muita gente possa gargalhar ao assistir a uma briga de socos e pontapés entre Bennett e seu melhor amigo (ou encontrar graça nos desvarios do protagonista em relação ao ator Sam Jones) é difícil entender como esse tipo de humor por vezes rasteiro consegue atingir a um público tão amplo. Talvez por ser tão raro falar tanta barbaridade sem ofender ao planeta inteiro, um filme como "Ted" surge como uma válvula de escape. Mas não se pode julgé-lo melhor do que ele é simplesmente porque ele não tem papas na língua...

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MAGIC MIKE

Posted by Clenio on 21:51 in
Quando surgiu, na segunda metade da década de 90, Steven Soderbergh chamou a atenção por ter feito seu "sexo, mentiras e videotape" com uns trocados, uma ideia na cabeça, uma câmera na mão e um roteiro forte e inteligente. Aos poucos foi se tornando mainstream - com filmes bem-sucedidos comercialmente como a trilogia "Onze homens e um segredo" e um Oscar por "Traffic" - e volta e meia desafia seus fãs a encontrarem alguma qualidade em filmes fraquíssimos como "Full frontal" ou apenas corretos, como "Contágio". Mas até mesmo os mais entusiastas membros do fã-clube de Soderbergh terão muito trabalho em achar o que elogiar em seu mais recente trabalho. A despeito de sua bilheteria generosa nos EUA - mais de 100 milhões de dólares de arrecadação - "Magic Mike" chega a ser quase constrangedor.

Segundo a lenda de bastidores, a história de "Magic Mike" é vagamente inspirada na trajetória de seu galã, Channing Tatum - também um dos produtores do filme - que foi um dançarino de strip antes de sua carreira cinematográfica. Falta, no entanto, um roteiro que consiga dar um pouco mais de substância a uma sucessão de cenas de um bando de homens sarados dançando seminus em cima de um palco (ainda que provavelmente esse seja o motivo pelo qual o público acorreu aos cinemas). Carregado dos clichês mais batidos da história do cinema e contando com um elenco que nem mesmo Soderbergh (que arrancou de Jennifer Lopez uma atuação decente em "Irresistível paixão") consegue fazer soar convincente, o filme é um desfile de erros em um belo embrulho (mas que mesmo assim provavelmente só vá atrair um público feminino ou gay).

A história - se é que se pode chamar assim - é centrada no jovem Adam (Alex Pettyfer), que, sem rumo profissional na vida, encontra um bico consertando telhados e conhece Mike (Channing Tatum, sem o timing cômico demonstrado em "Anjos da lei"), que junta dinheiro dançando em um clube de mulheres de propriedade de um ex-performer chamado Dallas (Matthew McConaughey), que ainda faz seus shows ocasionais. Aos poucos Mike vai ensinando Adam a melhorar suas apresentações, assim como apresenta a ele o glamour de um modo de vida calcado no prazer e na sensualidade. Enquanto Adam começa a aproveitar os bons momentos - e também a sofrer a pressão de Dallas, que o escolhe para trabalhos ilegais - Mike tenta conquistar o amor de sua irmã, Joanna (a péssima Olivia Munn).

Fosse um filme dirigido por um cineasta sem talento - ou alguém precisando pagar a hipoteca - "Magic Mike" seria apenas mais um lixo cinematográfico a aportar nas salas de exibição. O problema é tentar descobrir como um nome como Soderbergh pode entrar em uma barca tão furada. Nada no resultado final lembra a criatividade e a inteligência de seus melhores filmes. O roteiro fraco, a edição preguiçosa (que nem torna as cenas musicais tão atraentes quanto poderia) e o elenco no piloto automático só sublinham a incompetência da realização como um todo. Só vai agradar a quem for procurar unica e exclusivamente belos corpos masculinos em danças sensuais. E mesmo assim pode ser que decepcione. Channing Tatum pode estar no caminho certo em termos de bilheteria, mas precisa escolher melhor seus projetos futuros se quiser ser levado a sério....

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