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AS VANTAGENS DE SER INVISÍVEL

Posted by Clenio on 19:39 in
Sempre que um livro ou filme tenta "definir" uma geração ou descrevê-la com intenções sociológicas corre o sério risco de uma generalização oca e simplista. A sorte é que, apesar da desvantagem numérica, para cada dezena de bombas metidas a profundas surge uma pérola capaz de devolver aos cinéfilos a esperança e o sorriso. É o que acontece com "As vantagens de ser invisível", a delicada, terna e sensível adaptação de um romance... delicado, terno e sensível, que narra as aventuras de um adolescente desajustado quando finalmente encontra em uma dupla de meio-irmãos a turma pela qual sempre ansiou. Escrito e dirigido pelo mesmo Stephen Chbosky que escreveu o livro que lhe deu origem, o filme conquista o espectador graças principalmente por jamais tentar parecer mais do que é: um simples entretenimento de qualidade - ainda que justamente essa sua discrição o eleve acima da média do gênero e o faça ser interessante até mesmo por quem já saiu da faixa etária de seu público-alvo há um bom tempo.

O protagonista do filme é o tímido Charlie (interpretado com sutileza e talento por Logan Lerman), um rapaz de 16 anos com um pesado histórico de problemas psicológicos que carrega consigo o trauma da morte de uma tia querida (Melanie Linskey, a paixão de Kate Winslet em "Almas gêmeas") e um profundo desajuste ao mundo que o cerca. Inteligente e dedicado, ele chega em uma escola nova e logo faz amizade com o professor de Inglês (Paul Rudd), que se comunica com ele através de alguns livros clássicos que o fazem perceber o mundo à sua volta. Mas o que acaba sendo mais importante que tudo é seu encontro com Sam (Emma Watson, deixando a Hermione da série "Harry Potter" pra trás) e Patrick (Ezra Miller, de "Precisamos falar sobre o Kevin"), dois jovens que não se importam em seguir as regras pré-estabelecidas e, por consequência, não chegam a ser os mais populares da escola: ela vem de uma série de fofocas a respeito de seu comportamento promíscuo e ele vive um relacionamento escondido com o esportista Brad (Johnny Simmons) e não faz questão de esconder sua sexualidade. Ao lado dos novos amigos - em especial Sam, por quem se apaixona - Charlie passa a ter uma nova visão da vida e de si mesmo.

Apesar de sua trama não parecer exatamente empolgante - e chegar perigosamente perto de todos os clichês que sufocam o gênero - "As vantagens de ser invisível" tem a seu favor a delicadeza com que Chbosky trata suas personagens e a maneira com que jamais as julga. Mesmo que as atitudes de Sam e Patrick (e até mesmo algumas de Charlie) não sejam exemplares, elas não soam artificiais nem tampouco forçados, boa parte devido à sensibilidade com que o escritor/cineasta conduz as interpretações de seu elenco juvenil. Enquanto Emma Watson demonstra uma segurança de veterana a despeito de sua pouca idade e Erza Miller exercita novamente sua veia rebelde, o novato Logan Lerman seduz a audiência com uma aura de inocência convincentes como poucas vezes o cinema registrou. É difícil ficar imune ao charme e à beleza de suas cenas com Watson, que transmitem a sensação exata do primeiro amor e das descobertas a respeito da vida e das relações - o que a bela trilha sonora ainda reitera com precisão, em especial quando David Bowie solta a voz na bela "Heroes", que ilustra com perfeição os sentimentos dos protagonistas e sintomaticamente comenta uma das mais belas sequências do filme.

Tratando de assuntos polêmicos - drogas, homossexualidade, rebeldia juvenil - com respeito e nunca ultrapassando os limites do bom-gosto e da discrição, Chbosky faz um gol de placa já em sua segunda incursão às telas, e demonstra habilidade em dirigir seus atores - vale lembrar que o elenco ainda inclui Joan Cusack e Dylan McDermott, que, mesmo em papéis pequenos, se saem bastante bem. Feito com o objetivo de não decepcionar os (muitos) fãs do livro, "As vantagens de ser invisível" acaba por se tornar independente de sua origem literária: é um dos grandes pequenos filmes de 2012.

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A ESCOLHA PERFEITA

Posted by Clenio on 11:34 in
Sabe aquela tarde chuvosa em que só dá vontade de assistir a um filme bem boboca pra relaxar e ficar de bem com a vida? Pois é justamente para dias assim que foi feito "A escolha perfeita", uma deliciosa comédia musical que, quase do nada, tornou-se um grande sucesso de bilheteria nos EUA, arrecadando mais de 60 milhões de dólares contra um orçamento relativamente baixo de apenas 17 milhões. Lembrando em vários momentos da bem-sucedida série de TV "Glee", o filme do estreante Jason Moore - que comandou episódios de "Dawson's Creek" e "Brothers and sisters", entre outros seriados - é engraçado, leve e não tem medo de abraçar velhos clichês do gênero "filme de faculdade", transformando-os em trunfos ao invés de deixá-los se tornarem problemas.

Escrito por Kay Cannon, roteirista de "30 rock" - o que já dá uma pequena ideia do tipo de humor do filme - e baseado em um livro do jornalista Mickey Rapkin (que acompanhou uma disputa semelhante a que acontece na trama), "A escolha perfeita" une uma trilha sonora antenada e alto-astral a um elenco afiado e diálogos ácidos, que o distingue tanto de seu irmão televisivo quanto da maioria das produções musicais que vem chegando às telas com frequência desde que "Moulin Rouge" revitalizou o gênero. Mas que não se espere um musical tradicional, daqueles em que as personagens começam a cantar do nada. Em "A escolha perfeita" a música é mais uma protagonista do que um acompanhamento.

Quem lidera o elenco é a ótima Anna Kendrick - que equilibra no currículo a sofrível saga "Crepúsculo" e uma merecida indicação ao Oscar de coadjuvante por "Amor sem escalas". Ela vive Beca, uma aspirante a DJ que entra na universidade com o objetivo único de agradar ao pai, professor de Literatura Comparada. Assim que chega - e arruma um trabalho como assistente da rádio local - ela acaba indo parar em um grupo de alunas que tem por missão vencer o concurso nacional de música a capella depois de um vexame no ano anterior. Ao lado das patricinhas Chloe (Brittany Snow) e Aubrey (Anna Camp) e de várias outras colegas menos favorecidas fisicamente, Beca tenta transformar o repertório rígido do grupo em algo mais empolgante e acaba se envolvendo com Jesse (Skylar Astin), que faz parte do grupo rival - o que é terminantemente proibido pelas regras impostas por suas líderes.

Mesmo que nem ao menos tente aprofundar suas personagens - em especial as coadjuvantes, que tem como função quase única divertir o espectador com diálogos inteligentes e sarcásticos - o roteiro de Cannon tem a seu favor o perfeito equilíbrio entre música e humor, entre o moderno e o nostálgico (representado pela bela homenagem ao já clássico "Clube dos cinco", de John Hughes). Funciona em todos os níveis a que se propõe, entretendo sem exigir mais de seu público do que o desejo de duas horas de diversão. Perfeito para uma tarde chuvosa ou para escapar do calor em uma sala com ar-condicionado.

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AS PALAVRAS

Posted by Clenio on 00:59 in
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Em 1999, os cineastas Lee Sternthal e Brian Klugman ofereceram a seu amigo Bradley Cooper o papel principal de um roteiro que haviam acabado de escrever. Ainda desconhecido do grande público - conhecimento esse que veio com "Se beber, não case" - Cooper comprometeu-se com o filme. Passou mais de dez anos, porém, antes que finalmente o script da dupla finalmente visse a luz dos refletores e, nesse meio tempo, Cooper tornou-se famoso - e a julgar pelos elogios à sua atuação na comédia "O lado bom da vida" um possível indicado ao Oscar. E é seu nome (e seu rosto no cartaz) a principal atração de "As palavras" - o tal roteiro escrito no final do século passado. Intrigante em seu princípio e emocionante em seu desenvolvimento, o filme peca apenas por não ter um final à altura de suas possibilidades.

Cooper se sai bastante bem na maior parte do tempo na pele de Rory Jansen, o bem-sucedido escritor de um best-seller aclamado pela crítica que é, na verdade, a personagem central de um romance escrito por Clay Hammond (Dennis Quaid). O livro de Hammond conta a trajetória de Jansen, um jovem escritor que não consegue vender seus trabalhos nem mesmo trabalhando em uma editora. Sentindo-se fracassado, ele encontra apoio na namorada Dora (Zoe Saldana) e, com menos intensidade, no pai (J.K. Simmons). Sua vida se transforma completamente quando, em viagem à Paris, ele ganha da amada uma bolsa que, sem que ela saiba, contém, escondido, o manuscrito de um livro perceptivelmente perdido pelo autor. Fascinado pela obra, Jansen a copia e vende como se fosse sua, tornando-se então famoso e rico. O que ele não poderia esperar, porém, é que o verdadeiro autor do livro (Jeremy Irons) fosse aparecer para lhe contar a origem da história.

É fascinante a maneira com que os roteiristas e diretores inserem uma história dentro da outra, envolvendo a audiência em um suspense delicado e inteligente que apresenta também uma devastadora história de amor na Paris pós-guerra. O problema é que, a partir de determinado ponto da narrativa, tudo acaba perdendo a força e a impressão que fica é de que nem mesmo eles sabiam como finalizar sua história. Nem mesmo o trabalho do sempre competente Jeremy Irons - talvez um tanto jovem pro papel - consegue se sobressair diante de um texto que começa interessante para, aos poucos, virar um samba do crioulo doido. O excesso de viradas também é prejudicial, diluindo a força do final - que, apesar de abrupto, poderia ser bastante impactante não fosse justamente sua pressa.

No final das contas, "As palavras" é bem mais interessante do que muitos filmes lançados semanalmente, mas se ressente de uma mão mais firme no roteiro final. Uma pena.

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CURVAS DA VIDA

Posted by Clenio on 00:28 in
 
 
Já faz tempo que Clint Eastwood vem desenvolvendo o papel de "velho ranzinza" que encontrou seu auge no elogiado "Gran Torino" - alardeado por ele mesmo como sua última atuação nas telas. O tempo passou, o papel foi se refinando e o velho e bom Eastwood acabou por não deixar as telas, para alegria de seus (muitos) fãs. Seu novo filme, "Curvas da vida", dirigido por seu antigo produtor e assistente de direção Robert Lorenz aproveita mais uma vez a persona com que o veterano ator/diretor vem construindo essa nova fase da carreira, mas esbarra na própria inexperiência e em um roteiro sem novidades e, pior ainda para quem não entende (ou não dá a mínima) para beisebol, repleto de termos técnicos e tramas que envolvem o jogo.

A personagem de Eastwood é Gus, um experiente caça-talentos cuja carreira está com os dias contados devido a uma doença degenerativa que em breve o deixará cego. Escondendo de todos a sua situação, ele se vê obrigado a conviver com a filha, Mickey (Amy Adams), uma advogada com quem não tem a mais saudável das relações, quando ela vai passar um tempo com ele, a pedido de um amigo antigo, Pete (John Goodman). Enquanto seu relacionamento aos poucos começa a melhorar - boa parte devido às tentativas de comunicação da jovem - ela passa a demonstrar interesse na profissão do pai e se envolve com Johnny (Justin Timberlake), ex-jogador que está tentando uma nova carreira na área esportiva.

E é só isso. O roteiro nunca tenta aprofundar nenhuma das relações mostradas em cena, desperdiçando o enorme talento de Amy Adams, que passa o filme inteiro dividida entre brigar com seus colegas advogados, tentar estreitar os laços com o pai e iniciar um romance pouco convincente com um Justin Timberlake que já demonstrou talento em outros filmes mas que aqui é subaproveitado. E a subtrama dos caça-talentos que buscam jogadores através de estatísticas e números já foi desenvolvida com mais propriedade no recente "O homem que mudou o jogo", que pelo menos tinha um foco mais específico.

"Curvas da vida" não é ruim. Tem gente boa demais envolvida  para isso. Mas não emociona como poderia, não empolga como deveria e nem dá a seus atores chances de grandes interpretações. Em sua meia-hora final até engata uma terceira, mas há muito pouco a ser salvo, uma vez que a plateia já deixou de se importar com seus protagonistas há um bom tempo.

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MOONRISE KINGDOM

Posted by Clenio on 23:37 in
Não é todo mundo que gosta de Wes Anderson. Dono de um estilo único de filmar e bastante afeito a personagens que pairam acima do naturalismo que é moeda corrente na indústria hollywoodiana, o cineasta americano é queridinho da crítica mas ainda não tem nenhum enorme sucesso de bilheteria no currículo - e, a julgar pelos projetos que escolhe provavelmente nem tem intenções nesse sentido. Por outro lado, é inegável que justamente sua falta de compromisso com as caixas registradoras é que lhe permite ousadias narrativas como as que ele comete em seu novo filme, "Moonrise kingdom". Aparentemente uma história de amor adolescente, o sétimo longa de Anderson é, de longe, um dos mais criativos filmes do ano, dono de um visual arrebatador que torna absolutamente perdoável alguns momentos menos brilhantes.

Já fazendo parte da lista dos melhores filmes de 2012 - o que pode se refletir na próxima cerimônia do Oscar - "Moonrise kingdom" começa já mostrando que não é um filme comum, apresentando à audiência a forma com que a adolescente Suzy (Kara Hayward) vive sua rotina familiar. Única filha mulher de um casal de advogados (os sempre fabulosos Frances McDormand e Bill Murray, ator-fetiche do cineasta) que comandam a casa através de alto-falantes, a jovem sente-se extremamente solitária, o que acaba a aproximando - através de cartas tão contundentes quanto lacônicas - de outro adolescente desajustado, o órfão Sam (Jared Gilman). Frequentemente incomodado pelos colegas escoteiros - cujo líder é o atrapalhado Ward (Edward Norton) - Sam se apaixona por Suzy e, juntos, eles planejam uma fuga e uma vida à beira do mar, em uma cabana, cercados apenas pelos livros e discos da menina. Logicamente sua fuga cai como uma bomba, tanto na família aparentemente perfeita de Suzy quanto no acampamento de escoteiros de Sam. Todos se unem, então, para encontrar os jovens amantes.

É imprescindível, para que melhor se aproveite das delícias de "Moonrise kingdom", que se tenha plena consciência de que ele não é um filme como outro qualquer. Tudo na obra de Anderson - desde o roteiro repleto de diálogos quase surreais até as atuações anti-naturalistas, passando pelos cenários fascinantes - foge do convencional, do corriqueiro. Nem mesmo o romance entre Sam e Suzy é exatamente o que se espera de uma história de amor adolescente - o primeiro beijo entre eles é absurdamente estranho - e nem mesmo a subtrama que envolve o policial Sharp (Bruce Willis) com a mulher que ama soa desnecessária, dando ao ator uma cena bastante emocionante (ainda que seja preciso atenção para encontrar momentos nitidamente comoventes na anarquia organizada do diretor).

"Moonrise kingdom" é estranho. Mas, debaixo de sua estranheza, de sua excentricidade e de seu visual bizarro é também um belo filme a ser descoberto por aqueles que não se arriscam ao novo.

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W.E. - O ROMANCE DO SÉCULO

Posted by Clenio on 22:39 in
A primeira coisa que é preciso ter em mente quando se propõe a uma sessão de "W.E. - O romance do século" é o fato de Madonna ter contra si a imensa má-vontade dos críticos e da própria indústria do cinema. Salvo raríssimas exceções - e mesmo assim longe de uma margem confortável de elogios - a estrela pop é sistematicamente bombardeada com uma animosidade quase inexplicável sempre que tenta a sorte na sétima arte. Um exemplo claro e insofismável dessa antipatia generalizada pela ex-mulher de Sean Penn e Guy Ritchie - ambos bem-sucedidos nas carreiras de cineastas - foi a forma violenta com que seu novo filme como diretora foi recebido de forma quase unânime. Malhado impiedosamente pela crítica, "W.E" não mereceu toda essa enxurrada de pedras. Mesmo que esteja bem longe de ser uma obra-prima - e também peque em alguns itens cruciais - a história de amor entre o rei Eduardo VIII e a americana divorciada Wallis Simpson é contada por Madonna com um senso estético e um refinamento que revelam que suas três décadas como estrela de videoclipes lhe ensinaram muita coisa.

Fotografado com requinte e sutileza pelo alemão Hagen Bogdanski, "W.E" começa com uma cena de inegável impacto, quando Wallis (Andrea Riseborough) é violentamente espancada pelo primeiro marido durante a gravidez. Essa cena - aparentemente desnecessária - fará eco mais tarde com a situação triste vivida pela jovem Wally Winthrop (Abbie Cornish), que passa por uma séria crise em seu casamento justamente por desejar ardentemente um bebê. Wally - assim batizada justamente porque sua mãe era fã da famosa Wallis - é a verdadeira protagonista do filme, deixando o romance entre a americana à frente de seu tempo e o rei que abdicou do trono por amor (e o deixou com o irmão, protagonista do filme "O discurso do rei") quase como uma trama secundária que comenta (às vezes sem a força necessária) a trajetória da Wally contemporânea e seu tímido romance com Evgeni (Oscar Isaac), o segurança russo do museu onde acontece uma exposição sobre o célebre casal. E é justamente essa opção do roteiro - escrito pela cantora e por Alek Keshishian, que a dirigiu em "Na cama com Madonna" - que acaba sendo sua maior e mais crítica falha.

Ao dividir a atenção em duas histórias que não precisariam necessariamente estar conectadas - ao menos de forma tão frágil - Madonna tira o foco daquela que poderia ser a trama mais interessante e que dá título a seu filme. A história de amor que abalou a realeza inglesa é contada de maneira um tanto confusa e superficial, obrigando a plateia a adivinhar certos acontecimentos e encontrar-se sozinha no emaranhado de imagens que sublinham a ligação entre as duas protagonistas. Demora um pouco para que o público finalmente perceba as intenções do roteiro e essa confusão é quase fatal, em especial para uma audiência não exatamente acostumada a pensar. Prejudicado ainda pelo fato de não ter astros de primeira grandeza em seu elenco - Ewan McGregor chegou a ser confirmado como Eduardo VIII mas teve de cair fora por problemas de agenda - o filme rendeu pouco mais de 500 mil dólares no mercado americano contra seu custo estimado de 15 milhões (bancados pela própria Madonna), o que apenas reitera o desprezo do público pela Madonna cineasta.

Apesar de ter custado barato, porém, "W.E" em nenhum momento passa essa impressão. Cuidadosamente produzido - chegou a concorrer ao Oscar de figurino e rendeu à cantora uma indicação ao Golden Globe pela bela canção "Masterpiece" - e visualmente excitante, é um produto que seduz sua audiência pela sutileza e pela delicadeza. Vindo de Madonna - não exatamente um exemplo de discrição - não deixa de ser positivamente surpreendente.

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"FLOR DE OBSESSÃO" E A MAGIA DO TEATRO

Posted by Clenio on 00:42 in
Estar em um palco é algo inexplicável. A sensação de estar defendendo uma personagem com a qual muitas vezes não se tem a menor identificação social, física ou emocional é talvez o mais perto de uma esquizofrenia a que uma pessoa sã (ao menos na definição médica do termo) pode chegar. E podem me rotular de maluco ou coisa que o valha, mas alguns dos melhores momentos pelos quais passei até hoje na minha vida estão intimamente relacionados aos palcos. É ali, naquele perímetro limitado por marcações imaginárias, luzes fortes e música potente que eu encontro quem eu sou realmente. Eu não sou apenas um. Eu sou vários. Eu sou Lucas de "Como dizia o poeta". Sou Afrânio de "Pouco amor não é amor". Sou Arthur de "Nunca mais até amanhã". E nesse último final de semana eu fui Humberto e Herculano - duas personagens antagônicas e fascinantes - em "Flor de obsessão", revisitando o dramaturgo mais importante do Brasil, o saudoso Nelson Rodrigues.

Mais do que estar no palco interpretando cenas de duas peças de repercussão distintas - a quase desconhecida "A mulher sem pecado" e a consagrada "Toda nudez será castigada" - eu estava saindo da minha realidade para embarcar em mundos novos, em dramas muito mais potentes e trágicos, atravessando a fronteira entre o real e o sonho. Dançar um tango com Thai Ribeiro e tentar convencer Ramiro Corrêa de que o "sexo é uma coisa nobre, linda..." me tiraram de Porto Alegre, me jogaram em um universo único, onde prostitutas, gigolôs, tias solteironas, travestis, colegiais virginais com pensamentos lúbricos e famílias disfuncionais convivem pacificamente e se esbarram constantemente, em um jogo - talvez a melhor definição de todas - de onde todos saem vitoriosos. Todos ali fizeram gols, todos os 26 jogadores tiveram seu momento de atacante e de zagueiros. Todos driblaram a timidez, a insegurança, as limitações e os medos para, diante de uma plateia lotada, fazerem seus gols de placa. Todos ali estavam loucos, todos ali estavam dando o melhor de si, todos se entregaram alucinadamente ao prazer de teatrar, de brincar de ser outra pessoa, de alucinar por duas horas. E essa união, essa energia única que uniu quase 3 dezenas de pessoas de origens, pensamentos e ideais diferentes me faz ter a certeza ainda maior de que estou no caminho certo para encontrar a minha felicidade profissional.

Depois desse final de semana eu só posso agradecer a cada um dos meus colegas por terem me dado a chance de conhecê-los, de ter feito exercícios com eles, de tê-los visto crescer e se aprimorar até que o grande dia chegou. Não foi com todos que tive uma relação mais próxima - e deixo minha mea culpa aqui, para a posteridade - mas em alguns encontrei uma sintonia que certamente nos manterá unidos como profissionais e amigos. Eis outro milagre do teatro: colocar em meu caminho aqueles que certamente não sairão dele nunca mais. Obrigado, teatro. E obrigado a todos que aplaudiram mais uma vez a transformação de uma ficção literária em uma realidade imaginada.

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NA TERRA DE AMOR E ÓDIO

Posted by Clenio on 18:28 in
Alguém duvidava que a estreia de Angelina Jolie como cineasta trataria de um tema polêmico e socialmente relevante? A bela atriz, que é embaixadora da ONU sempre preocupou-se com a situação dos países menos privilegiados - e tem filhos adotivos do Camboja, da Etiópia e do Vietnã. Por isso, não deixa de ser previsível que seu primeiro filme como diretora seja "Na terra de amor e ódio", que versa sobre as tragédias humanas que são consequência da guerra da Bósnia. Por ser falado em bósnio (o que lhe aumenta a veracidade mas diminuiu consideravelmente suas chances de sucesso comercial), seu trabalho chegou a ser indicado ao Golden Globe de filme estrangeiro, mas não agradou à boa parte da crítica, que condenou seu tom de discurso político e sua falta de ousadia narrativa. Mas é inegável que a história contada por Jolie - também roteirista e produtora - é forte e intenso o bastante para deixar prever uma nova e promissora carreira atrás das câmeras para a bela sra. Brad Pitt.

Ousando de cabo a rabo, Jolie também preferiu atores locais para contar sua história, em detrimento de astros hollywoodianos que poderiam, em tese, tornar seu projeto mais comercial. Mas desde as primeiras cenas de "Na terra de amor e ódio" fica bastante claro que as intenções da nova diretora não tinham a menor relação com sucesso financeiro. Mantendo-se fiel a seus princípios, Angelina nem se dá ao trabalho de tentar esconder a sujeira e o clima pesado do cenário de sua trama. Fotografado com um realismo que beira o desagradável, seu filme parece gritar a todo momento que o mais importante ali são os seres humanos retratados e seus dramas pessoais e políticos. O problema é que, optando por esse viés mais social e menos artístico, ela também afastou consideravelmente o público das salas de exibição. Ela realmente conta uma história forte e pungente, mas praticamente pregou no deserto: a renda americana de pouco mais de 300 mil dólares não chegou nem perto de cobrir o orçamento de 10 milhões.

Quem ignorou o filme, porém, perdeu a oportunidade de testemunhar um trabalho consistente e triste, que retrata com bastante precisão (ainda que por vezes escorregue no maniqueísmo) os horrores de uma guerra sangrenta e sem explicações racionais. A história de amor entre Danijel (Goran Kostic), um soldado lutando pelos sérvios e a sofrida Ajla (Zana Marjanovic), que nutre por ele um misto de amor/desejo/medo, é repleta de cenas chocantes, filmadas com sobriedade e distanciamento. É apenas quando foge das sequências violentas e se concentra no romance que o filme esbarra em uma inadequada pieguice, que fica ainda mais acentuada pela falta de carisma dos atores centrais, que são talentosos e estão bem dirigidos mas falham em provocar empatia na audiência.

"Na terra de amor e ódio" é um belo trabalho de estreia. Mesmo que não seja uma obra-prima,seus pecados são bem menores do que os cometidos por gente muito mais experiente. Vale a pena conferir nem que seja por sua relevância histórica e política.

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MADONNA - SEMPRE MAJESTADE

Posted by Clenio on 21:48 in
Há duas maneiras de se julgar o megashow apresentado por Madonna ontem à noite em Porto Alegre e os veredictos são previsivelmente distintos. Quem acompanha a carreira da Rainha do Pop e sabe que no mínimo desde "Drowned World Tour", de 2001 seus espetáculos são bem mais um mix de teatro, circo, dança e música do que exatamente um desfile de sucessos, esperava exatamente o que viu: uma superprodução que unia tecnologia, efeitos visuais arrebatadores, dançarinos absurdamente elásticos e um show conceitual e que exige mais da plateia do que simplesmente disposição para cantar e dançar como se o mundo fosse acabar - e logicamente saiu das duas horas de show extasiado com tanta beleza e criatividade. Por outro lado, os fãs ocasionais - ou aqueles pseudo-fãs, que ouvem meia dúzia de faixas na MTV e criticam todo e qualquer CD seu lançado no século XXI - e que esperavam um concerto nos moldes "greatest hits" provavelmente saíram desapontados. "MDNA Tour" é, como seus últimos shows, uma experiência sensorial muito mais gratificante e inesquecível.

Logicamente faltaram hits no show - e até mesmo o fã mais fiel pode ficar um pouco incomodado com esse grande senão. Concentrando-se nas faixas de seu último álbum - que dá o título ao espetáculo - Madonna optou por deixar de fora do setlist algumas de suas canções icônicas ("Like a virgin", "Ray of light", "Music" e a até então onipresente "La isla bonita" ficaram de fora e várias outras foram apenas lembradas com trechos frustrantemente curtos), o que deixou um gostinho de quero mais aos fãs que cresceram e se divertiram por três décadas de um repertório sempre delicioso e pop na medida certa. Por outro lado, esses mesmos fãs - os de verdade, aqueles que sabem que cantoras de verdade precisam se reinventar a cada trabalho ao invés de manter-se na zona de conforto - não tem como não perdoar essa decisão assim que a mãe de Lourdes Maria e Rocco (que faz uma sensacional participação especial em "Open your heart") entra em cena em um cenário religioso para começar a entoar "Girls gone wild": aos súditos fiéis só resta esquecer o atraso (que, ao contrário do que a mídia mal-informada insiste em dizer não foi de 3h40min mas de apenas 1h) e o cansaço de horas de espera para curtir cada minuto.

Aos 54 anos de idade, Madonna é assustadoramente mais capaz de seduzir sua audiência do que qualquer imitadora de quintal - e não, não incluo aqui Lady Gaga, que tem personalidade o bastante para fugir da pecha de derivativa em pouquíssimo tempo - e é incrível sua capacidade de cantar e dançar loucamente em um palco enorme por duas horas de um show que nunca perde o pique. Comprovando seu talento também em escolher seus colaboradores, ela se cercou novamente de dançarinos extraordinários e uma produção gigantesca que, por si só, já valeria a pena assistir. Tudo bem, o show tem um roteiro um tanto engessado que impede o improviso - e portanto surpresas - mas é tão bem amarrado, tão bem dirigido e coreografado que fica difícil reclamar. E se não fica horas conversando com a plateia - ela dirige-se ao público poucas vezes mas sempre com simpatia - ao menos Madonna oferece a ela duas horas de diversão da mais alta categoria e do melhor entretenimento que o dinheiro pode comprar.

Se reinventado há praticamente trinta anos - e se mantendo na mídia como pouquíssimas celebridades que realmente tem algo a dizer - Madonna não é majestade à toa. Seus seguidores não a amam incondicionalmente por todo esse tempo somente porque ela é libertária, orgástica e debochada - mesmo porque, no decorrer desses anos todos ela já foi também mãe de família, escritora de livros infantis e volta e meia flerta com problemas sociais e políticos (o telão de seu show, por exemplo, apresenta uma lista de jovens mortos por homofobia nos EUA). Eles a amam porque Madonna é uma artista completa, que canta, dança, representa e agora é também cineasta. Eles a amam porque ela não tem medo de se expor. Porque ela rompeu barreiras, porque pôs as mulheres no seu devido lugar de igualdade financeira e sexual, porque exigiu os direitos gays antes que virasse assunto do dia. Porque é notícia a cada videoclipe novo, a cada namorado, a cada respiro. Quem no universo pop sobreviveu com tanto sucesso assim por tanto tempo? Oportunista? Lógico que sim, mas com inteligência e discernimento o suficientes para que, unido ao oportunismo também estivesse um talento gigantesco que atravessa gerações.

Falar mal de Madonna porque ela é velha chega a soar ridículo - então Mick Jagger e Paul McCartney devem abandonar os palcos porque já não são mais jovenzinhos desejáveis? Criticá-la porque ela não tem mais o mesmo poder de vinte anos atrás é risível - sua turnê terá um lucro estimado em 300 milhões de dólares. Dizer que suas novas canções não empolgam a audiência é mentira - qualquer uma das 43 mil pessoas que lotaram o estádio Olímpico pode confirmar que "Girls gone wild" e "Give all your luvin'" levantou os fãs quase como seu hino máximo "Like a prayer" - talvez sua canção mais emblemática e completa. Ser um detrator de Madonna só revela uma absoluta falta de senso pop. Madonna ainda é majestade.

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PARA MEU BEICINHO ELÉTRICO

Posted by Clenio on 13:21
Para ler ao som de "You and I"... ou "At my most beautiful"... ou "Lucky"...

Era uma vez um menino tímido e quieto que só se acalmava quando se enfiava debaixo da mesa, em uma barraquinha improvisada, para assistir a "Chaves" e "Castelo Rá-tim-bum". Esse mesmo menino, de cabelos negros e pele branquinha, filho único e solitário por natureza, não via nas outras crianças de sua idade a companhia ideal, preferindo utilizar seu tempo lendo, perdido em um mundo muito mais interessante do que brincadeiras comuns.

Esse mesmo menino - que para sua vergonha futura usava sungas cor de laranja que constrastavam com sua pele e seu cabelo - cresceu isolado das pessoas tidas com normais, mas que a ele pareciam aborrecidas e ordinariamente fúteis. Desmaiava em consultórios médicos, se traumatizava com as brigas domésticas e passou por mesas de cirurgia, provavelmente com o mesmo olhar triste mas nunca menos do que profundo e apaixonante.

Esse menino cresceu, obviamente. Mas sempre teve dentro de si, desde a mais tenra infância, uma personalidade além de sua idade. Lia muito, assistia a filmes, se dedicava a atividades distantes do esperado para sua faixa etária. Não era amigo de todo mundo, preferindo qualidade à quantidade. E cresceu desconfiado, não entregando sua confiança plena a quase ninguém - e quando isso acontecia as decepções eram tantas que era impossível não se fechar ainda mais.

Esse menino - apesar da pouca idade - é um nostálgico de coisas que nunca viveu. Adora seriados antigos - "A feiticeira" e "Star Trek" só pra citar alguns - e é viciado em filmes de Natal, apesar da data nunca ter dado a ele a oportunidade de uma noite realmente feliz. Adora reality shows musicais - celeiro de seu conhecimento a respeito das subcelebridades mais louvadas da música americana (ao menos por ele!). Adora ler, mas de vez em quando não consegue esconder que gosta de coisas sofríveis como "50 tons de cinza". É azedinho, é estressado, é mau-humorado e tem um olhar pessimista em relação ao mundo - a não ser quando pensa nos futuros filhos, Lucas e Bruno (um louro e o outro ruivinho) e em todos os pequenos detalhes que farão parte de sua vida.

Esse menino - hoje já um homem - é honesto, é íntegro, é uma das pessoas mais especiais do mundo. É capaz de arrancar sorrisos de outro mau-humorado crônico que vive a milhares de quilômetros mas que não consegue dormir sem ouvir sua voz e seu sotaque falando coisas que o sono torna sem sentido em muitas ocasiões. É carinhoso, é terno, é engraçado e dá a seu grande amor os melhores momentos do seu dia. E nem imagina o quanto importante se tornou...

Esse menino/homem está de aniversário hoje. E hoje, ainda mais do que em qualquer outro dia, merece todas as homenagens possíveis. Infelizmente, só o que posso oferecer agora é esse texto desajeitado e um tanto fora de contexto e a promessa de um encontro o mais rápido possível. E a afirmação de que ele nem desconfia do quanto já conquistou alguém que já tinha perdido todas as esperanças de um amor bem-sucedido...

Te amo, Manny. Te amo, Beicinho Elétrico. Te amo, Yodinha. Feliz aniversário!

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007 - OPERAÇÃO SKYFALL

Posted by Clenio on 16:13 in
Quando a sessão acaba uma certeza fica na mente do espectador: para se assistir ao adrenalínico "007 - Operação Skyfall" não é preciso ser fã de James Bond nem ao menos ter conhecimento além do estritamente básico sobre a saga do agente secreto mais famoso do cinema e da literatura - sim, afinal de contas ele nasceu da imaginação de Ian Fleming muito antes de assumir as feições de Sean Connery. O filme de Sam Mendes - surpreendentemente o mesmo homem que assinou "Beleza americana", "Estrada para Perdição" e "Foi apenas um sonho", obras extraordinárias mas bastante diferentes do que ele mostra aqui - é uma aventura que equilibra com precisão cenas extremamente bem dirigidas de ação, uma história interessante e algumas cenas que traem seu talento em buscar a emoção de suas personagens. Em suma, é um programa imperdível para os fãs de 007 e para quem gosta de um bom entretenimento.

Independente das outras aventuras do espião, "Skyfall" tem uma história empolgante e repleta de momentos inspiradores, que comprovam o acerto dos produtores em escalar Mendes para a direção. Oriundo do meio teatral inglês, o cineasta tem uma visão elegante e esteticamente apurada, o que dá à nova aventura de 007 um visual arrebatador, desde a fotografia espetacular do veterano Roger Deakins até à edição ágil mas nunca cansativa de Stuart Baird. O roteiro mescla com segurança tanto sequências de tirar o fôlego com uma trama inteligente e que dá espaço suficiente para o desenvolvimento de suas personagens - em especial a chefe de Bond, M, vivida pela sempre ótima Judi Dench e que aqui tem a chance de mostrar porque é uma das maiores atrizes britânicas de sua geração, acompanhada por um Ralph Fiennes em vias de tornar-se ator fixo da série e por um Daniel Craig cada vez mais à vontade no papel central.

Mesmo que a premissa do roteiro não seja exatamente um primor de originalidade - em tempos de "Missão impossível" e os filmes da série Bourne inventar entrechos geniais é um exercício inglório para qualquer escriba - a forma como a trama é desenvolvida jamais deixa a peteca cair. O que começa como uma busca desesperada por um arquivo que promete desmascarar todos os agentes secretos do MI6 (e consequentemente causar suas mortes) chega a um final apoteótico que remete às origens de James Bond - não sem antes passar pelos planos megalomaníacos de sempre do vilão da vez, aqui representado - e muito bem, diga-se de passagem - pelo assustador Javier Bardem, deitando e rolando com uma personagem das mais interessantes dos últimos anos - e que quase foi parar nas mãos de Kevin Spacey. Os duelos entre Bond e Silva (o vilão) são de prender a respiração, tanto nas disputas físicas quanto nos diálogos, bem escritos na medida certa para um filme-evento.

É difícil não sair satisfeito de uma sessão de "007 - Operação Skyfall". Tudo funciona à perfeição, desde o elenco e a direção até à trilha sonora, o ritmo e a parte técnica. É uma diversão de primeira linha, que mostra ao espectador em cada cena onde foi parar seu gigantesco orçamento. Agrada aos fãs e conquista aos neófitos sem maiores dificuldades. Ah, se todos os blockbusters fossem assim....

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INTOCÁVEIS

Posted by Clenio on 22:20 in
Filmes sobre pessoas com qualquer tipo de deficiência física ou mental normalmente esbarram no sentimentalismo típico de quem procura emocionar o espectador a qualquer custo. Felizmente exceções existem e uma delas se chama "Intocáveis", um filme francês que mal estreou em seu país de origem em novembro de 2011 e tornou-se a segunda maior bilheteria da história do país. Dirigido pela dupla Olivier Nakache e Eric Toledano, a história real da amizade entre dois homens de origens e personalidades opostas caminha também para abocanhar o Oscar de melhor produção estrangeira - foi o filme escolhido pela França para representá-la na cerimônia da Academia, em fevereiro próximo, deixando pra trás até mesmo o excepcional "Ferrugem e osso", estrelado por Marion Cottilard.

Se no filme de Jacques Audiard que foi aplaudidíssimo no último Festival de Cannes a bela Cottilard interpreta uma treinadora de baleias que sofre um acidente e perde as duas pernas, em "Intocáveis" é François Cluzot quem se vê preso a uma cadeira de rodas depois de um acidente de parapente que o deixou tetraplégico. Quando o filme começa, sua secretária Magalie (Audrey Fleurot) está procurando um enfermeiro que possa lhe cuidar em tempo integral - o que inclui cuidados médicos, companhia e todo tipo de ajuda física. Contra todas as possibilidades, quem agrada Philippe, o paciente (milionário e viúvo), é Driss (Omar Sy), um refugiado senegalês que até então vivia com sua numerosa família em um bairro humilde de Paris. A princípio ignorante de boa parte de suas atribuições, Driss acaba iniciando uma forte amizade com seu patrão, a quem ajuda inclusive a ir adiante em uma relação epistolar com uma mulher desconhecida. O bom-humor constante de Driss e seu carisma transformam o até então sisudo Philippe em um homem que volta a ter prazer na vida.

Tendo como trunfo principal a química extraordinária entre o veterano François Cluzot - de filmes de prestígio como "Ciúme, o inferno do amor possessivo", de Claude Chabrol - e o até agora desconhecido Omar Sy, "Intocáveis" foge habilmente das armadilhas do melodrama barato, concentrando-se no surpreendente senso de humor do roteiro, que em momento algum cede à tentação de procurar as lágrimas do espectador. Porém, se por um lado essa opção pelo viés mais humano da trama dá um ritmo mais leve à narrativa, o roteiro acaba por se tornar, em alguns momentos, um tanto superficial. Pouco se sabe a respeito da vida anterior de Phillipe e Driss - que só são brevemente explicadas em algumas linhas de diálogo - e até mesmo suas relações familiares são apenas pinceladas rapidamente (ainda que de forma bastante eficaz). Para sorte do público, no entanto, o roteiro (escrito pelos diretores) é ágil, tem um senso de ritmo invejável e dá a seus atores inúmeras possibilidades de explorar seu talento. E, mesmo que não force nada, é pouco provável que a audiência não se emocione com suas cenas finais.

Realizado para deixar o espectador com um sorriso nos lábios ao final da projeção - o que consegue sem muito esforço - "Intocáveis" é um filme raro. Emocionante, engraçado e que, mesmo falando de alguns temas de difícil digestão, jamais empurra exageros dramáticos para o colo de seu público. Não é à toa que Hollywood já está de olho grande querendo realizar um desnecessário remake. Falar de seres humanos de verdade é algo que a indústria americana ainda tem muita dificuldade.

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