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SISTER BLISTER ou COMO NASCEM OS HIPÓCRITAS

Posted by Clenio on 19:08 in ,
Assim como sempre depois da tempestade vem a bonança, sempre depois de uma grande tragedia surgem centenas de hipócritas, donos da verdade e solidários profissionais, que fazem questão de expor a todos sua extraordinária bondade e desprendimento com toda a falsa modéstia de que são capazes. Mas pior do que essa asquerosa autopromoção - que felizmente não se aplica a todos, uma vez que muita gente está realmente disposta a ajudar e cuja solidariedade é genuína - é a proliferação de Antonios Conselheiros, de líderes messiânicos que tentam tomar para si toda a dor do mundo e usá-la como combustível para a polêmica e o caos. Sim, a situação é trágica e imensamente chocante. Sim, é triste e dolorosa. Mas, deixando de lado o susto e a indignação diante de tamanho desastre, será que não é hora de parar para pensar e separar o joio do trigo?

Respeito e dou todo o meu apoio a todos aqueles que perderam familiares, amigos, conhecidos, colegas de trabalho e principalmente filhos nesse inferno. Concordo que eles tem todo o direito - e até o dever - de buscar explicações, respostas e conforto por suas perdas. Entendo que qualquer pessoa com um mínimo senso de humanidade fique chocado e apreensivo. Mas não aceito e me incomodo em perceber como tem tanta gente que se traveste de cidadão exemplar, de cristão perfeito e de criatura sensível quando no seu dia-a-dia não está nem aí para as regras de convivência e as leis, só lembra que existe um Deus quando precisa pedir alguma coisa ou gritar para quem quiser ouvir a respeito de sua fé e chora por desconhecidos quando nem sequer lembra de dar uma palavra mais gentil e amorosa a seus próprios amigos e pais. Esse cidadão exemplar - que cobra leis mais severas, punição e fiscalização - dirige depois de beber, não respeita as leis de trânsito e provavelmente não fornece nota fiscal a seus clientes. Esse cristão exemplar que reza de joelhos diante de câmeras de televisão e promove novenas, procissões e missas de sétimo dia nem olha pra cara dos pedintes na rua e se fecha em seu carro com ar-condicionado para se isolar das misérias de seus "irmãos" quando não há ninguém assistindo. E as criaturas sensíveis, que choraram lágrimas de sangue assistindo às reportagens sobre o incêndio são as mesmas que não atendem aos telefonemas dos pais quando estão se divertindo e reviram os olhos em desagrado quando precisam ajudar aos amigos necessitados de uma palavra de carinho. São hipócritas em alto grau que se julgam superiores àqueles que preferem manter silêncio em homenagem aos mortos, porque silêncio não dá ibope.

E por falar em ibope, é lamentável o estado das coisas em relação à imprensa nacional. Existe uma imensa diferença entre informação e sadismo. Manter o povo atualizado é função do jornalismo, mas o que se vê na televisão, nos jornais e na revista é uma espetacularização da tragédia, uma guerra por audiência, um reality show torturante que abdica da sensibilidade para privilegiar a tristeza e o exagero. Será que as famílias das vítimas gostam de ver os nomes, retratos e biografias de seus entes queridos publicados a cada dia em um veículo diferente? Será que cutucar a ferida ajuda a amenizar a dor? Existe um limite para a exploração da dor alheia, e isso não está sendo respeitado (e eu nem vou entrar na questão das piadas SEM O MENOR HUMOR a respeito do assunto). A batalha por mais pontos no Ibope parece ser mais sanguinolenta do que a pior das barbáries.

Pessoas burras, preconceituosas, ignorantes, insensíveis, hipócritas e arrogantes sempre existiram. Mas tenho a nítida impressão de que tragédias como a de Santa Maria as fazem aflorar com mais força e determinação, cultivando sua falha de caráter em um terreno de dor propício para seu germinar. Infelizmente, o irmão gêmeo mau da tristeza é o oportunismo barato.

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O LADO BOM DA VIDA

Posted by Clenio on 05:10 in
Ao contrário do que quer fazer a Academia de Hollywood, o cineasta David O. Russell está longe de ser um novo gênio do cinema, capaz de duas indicações ao Oscar de diretor em três anos. Artesão competente, ele conseguiu fazer rir da guerra do Iraque quando ela ainda estava fresquinha na mente dos americanos - no ótimo e esquecido "Três reis" -, assinou o inclassificável "Huckabees, a vida é uma comédia" e entregou o apenas correto "O vencedor", que lhe colocou entre os finalistas do Oscar de 2011 (no lugar de um espetacular Christopher Nolan), mas nunca ultrapassou aquele limite que separa os contadores de histórias eficazes dos mestres do ofício. Por isso, se não fosse a exímia máquina marqueteira dos irmãos Weinstein (ex-proprietários da Miramax Pictures, empresa que, na década de 90 transformou o cinema independente em mainstrean), seu novo filme, a comédia romântico/dramática "O lado bom da vida" não passaria de alguns merecidos elogios à uma generosa lista de indicações ao Oscar deste ano (uma lista que inclui melhor filme, diretor, roteiro e os quatro atores). Se por um lado seu novo trabalho é simpático e agradável, por outro ele não escapa de mergulhar em clichês e só é realmente notável por seu elenco - que dá a Robert De Niro seu primeiro papel decente em anos e revela em Bradley Cooper uma competência apenas ensaiada em seus filmes anteriores.

Adaptado de um romance de Matthew Quick, "O lado bom da vida" começa muito bem, mostrando a volta do professor Pat Solitano (Bradley Cooper) ao lar, depois de um tempo em um hospital psiquiátrico. Logo de cara o público já percebe a animosidade que existe entre Pat - que saiu do hospital talvez cedo demais - e seu pai aposentado (Robert De Niro). Não fica claro, porém - propositalmente - os motivos que o levaram à sua crise e à separação da esposa, a quem ele tem esperanças de reconquistar.  No caminho para sua reconciliação, Pat conhece uma vizinha, Tiffany (Jennifer Lawrence), recentemente viúva e desempregada (por ter dormido com todos seus colegas de trabalho) que lhe ajudará em sua missão e, no caminho, vai redescobrir a autoestima.

Depois do começo promissor, no entanto, o filme de Russell cai na armadilha dos clichês. A tensão entre Pat e Tiffany - responsável por uma ótima cena em um restaurante que descamba para uma violenta discussão no meio da rua - se dilui na tentativa do roteiro de conquistar o público da maneira mais preguiçosa possível. A relação dos protagonistas - que apontava para um estudo sério e honesto (ao menos dentro do padrão hollywoodiano quando se trata de problemas mentais) - logo vira uma historinha de amor rasa e inverossímil, que culmina em um concurso de dança que parece só estar ali para criar uma sequência bonitinha mas sem muito sentido.

Salva-se, por outro lado, o elenco escolhido pelo diretor. Sem dúvida, Russell é um cineasta que, a despeito de sua pouca criatividade, tem profundo conhecimento em sua relação com os atores. Deu Oscar a Christian Bale e Melissa Leo por "O vencedor" e pode ajudar Jennifer Lawrence a levar uma estatueta este ano: Lawrence, a nova queridinha da Academia, está bem, mas entre convencer na pele de uma jovem desequilibrada e merecer ganhar um Oscar vai uma grande distância. O mesmo pode ser dito sobre Bradley Cooper, surpreendendo com uma atuação visceral e intensa, mas que só despertou admiração por ter revelado nele um ator competente - fato que as comédias insossas que estrelou antes escondia com eficácia. Jacki Weaver, como a mãe de Pat, arrancou uma indicação inesperada ao prêmio de atriz coadjuvante e tem poucas chances, mas é Robert De Niro quem é, definitivamente, o maior destaque do filme: há muito tempo o grande ator não tinha chance de mostrar o quão bom é, e basta uma cena com Cooper (em que revela seu amor pelo filho) para que tenha sua lembrança pela Academia justificada.

"O lado bom da vida" é um filme comum. Bom, sem dúvidas, mas destinado ao esquecimento em poucos anos. É mais uma prova do poder dos irmãos Weinstein dentro da indústria do cinema americano do que exatamente um grande trabalho cinematográfico.

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LINCOLN

Posted by Clenio on 05:55 in
Se hoje os EUA tem um presidente negro, muito se deve agradecer à Abraham Lincoln, que, em 1865, às vésperas do final da Guerra de Secessão (confronto entre o Sul escravagista e o Norte abolicionista), usou de todo o seu poder de persuasão - e mais alguns outros talentos políticos - para fazer com que fosse aprovada a 13ª Emenda, que abolia a escravatura em todo o território norte-americano. Um dos mais respeitados e admirados comandantes da história da nação, é ele o protagonista do filme que tem tudo para dar ao cineasta Steven Spielberg seu terceiro Oscar de diretor. Indicado a doze estatuetas - e favorito em boa parte das categorias - "Lincoln" vem sendo unanimente elogiado e louvado especialmente pela crítica ianque, que vê nele todas as qualidades que deram a Spielberg o prestígio que ele tem na indústria do cinema. É impossível não perceber nessas loas todas, porém, uma generosa dose de ufanismo. Esplendidamente produzido, o filme estrelado por um impecável Daniel Day-Lewis (também em vias de ganhar um terceiro Oscar) é irrepreensível em termos visuais e técnicos, mas esbarra em um sério problema: quem não tem um vasto conhecimento da História dos EUA é bem capaz de ficar perdido diante de tantos nomes e detalhes que desfilam pelo roteiro de Tony Kushner.

Entre os inúmeros acertos de "Lincoln" está, sem dúvida, a opção de Spielberg em recriar apenas um período crucial na vida do presidente, ao invés de contar toda a sua vida. Focando-se nos meses em que a campanha pela 13ª Emenda estava a todo vapor, o roteiro pode também se dedicar a algumas personagens secundárias interessantes e dramaticamente bem construídas, como é o caso da primeira-dama Mary Todd (uma Sally Field mais velha do que a personagem, que lhe dá todas as chances de uma atuação que beira o melodrama e lhe rendeu uma fortíssima indicação ao Oscar de coadjuvante) e do político Thaddeus Stevens (Tommy Lee Jones, também com boas chances de levar um prêmio da Academia): Mary Todd tem que lidar com a perda de um filho e as possibilidades de ver outro (Joseph Gordon-Levitt) embarcando para a guerra, além de uma doença nervosa que a acompanha há anos e Stevens é um abolicionista com boas razões para tal (reveladas no final do filme de forma delicada e surpreendente). O roteiro também não se furta a apresentar várias e longas cenas em que a Emenda é amplamente discutida, assim como as táticas para que ela seja aprovada. São cenas bem dirigidas e bem interpretadas, mas que carecem do ritmo que o cineasta sempre imprimiu a seus trabalhos anteriores. São nessas cenas, por exemplo, que outros brilhantes atores dão seu show, como é o caso de Hal Holbrook, David Strathairn, John Hawkes e James Spader, todos pontuando o espetáculo que é a interpretação de Daniel Day-Lewis.

Assumindo um papel que hesitou por um bom tempo em aceitar, Day-Lewis entrega à plateia uma assombrosa atuação, que incorpora o gestual, a voz e até mesmo a personalidade carismática e simples do presidente Lincoln, um homem que tinha como seu maior trunfo o dom das palavras e a gigantesca empatia que lhe garantiu um segundo mandato, encerrado tragicamente com seu assassinato em um teatro pouco depois da votação da Emenda - sequência que Spielberg prefere não explorar em demasia, como prova de sua maturidade e sobriedade. Aliás, são justamente essas qualidades que fazem com que o filme sofra de um mal que muitos críticos não citaram: ao optar por uma narrativa séria e adulta, o cineasta abdica de uma característica essencial de sua obra pregressa -  a emoção - e entrega um filme belissimamente dirigido, mas que prescinde de uma empatia maior com uma audiência que não veja em seu protagonista o superhumano visto por seus conterrâneos. Para quem não é norte-americano, a história de Lincoln - mesmo que sua luta pelos direitos de igualdade entre negros e brancos seja parte essencial da história da humanidade como um todo - não é tão emocionante, ficando quase ofuscada pela fotografia deslumbrante de Janusz Kaminski e pela reconstituição de época irretocável.

Sendo um filme americano feito para americanos sobre um grande americano, "Lincoln" é, sem dúvida, o grande favorito ao Oscar, que, por mais cosmopolita que tente parecer, ainda é um prêmio da indústria americana. Não é o melhor entre os indicados, mas  sua vitória seria no mínimo coerente.

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BBB E AS TRAIÇÕES EM REDE NACIONAL

Posted by Clenio on 15:54 in
Então você tem um namorado (a), noivo (a) ou marido (mulher) e é chamado para participar do BBB. Ótimo, beleza, ser escolhido entre milhares de pessoas para demonstrar em rede nacional os seus defeitos, suas manias e seu caráter (ou falta de um). Até aí tudo bem, cada um com seus problemas - e imagine só que nenhum problema consegue ser maior que ter que conviver com o Dhomini por talvez dois meses e pouco. Mas enfim...

Você chega na "casa mais vigiada do Brasil" e aos poucos começa a se soltar. No início está comportado, discreto, fiel até a morte. Então a bebida chega e a vergonha sai. Aquele amor eterno já não existe mais, aquela pessoa especial que deixou fora da casa torna-se uma pessoa qualquer e sua fidelidade vai embora junto com o primeiro beijo ou o primeiro amasso debaixo do edredon. "Vou viver o jogo e depois penso no que fazer." Genial! Brilhante! Você acaba de mostrar o quão desprezível você pode ser.

Não consigo deixar de pensar e me colocar no lugar dos coitados e coitadas que - na torcida por seus entes amados que estão na disputa pelo prêmio do programa - testemunham, em rede nacional, as traições de que são vítimas. Não basta ser traído, tem que ser traído diante de milhões de telespectadores que, levianos, apenas gostam de ver o circo pegar fogo sem ligar para sentimentos de pessoas outras que pagam o pato. "É um jogo, tudo é para se manter no programa", dizem os menos suscetíveis a sentimentos abstratos como lealdade, decência e honestidade. E me pergunto quanto vale a sua honra. E indago quantos reais pagariam a sua dignidade. Para quem amor significa cutuques no Facebook talvez um milhão e meio de reais seja o preço. Pra mim não há o que pague a humilhação e a decepção de quem eu amo. Mas é tudo questão de opinião!

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AMOR

Posted by Clenio on 16:27 in
Dentre as inúmeras surpresas que vieram junto com as indicações ao Oscar no último dia 10 de janeiro poucas foram tão comemoradas pelos cinéfilos quanto a inclusão do franco-austríaco "Amor" em algumas das categorias mais importantes da cerimônia, como melhor filme, diretor, atriz e roteiro original. Nada mais justo. A nova obra do polêmico Michael Haneke foi o grande e merecido vencedor do Festival de Cannes de 2012 - além de diversos outros prêmios concedidos pela crítica americana e europeia - e é uma das mais potentes e contundentes obras sobre a velhice, a decadência física e, logicamente, o amor, celebrado no título e mostrado de forma dolorosa no decorrer das duas horas de projeção.

Longe do hermetismo de seu "A fita branca" - também premiado em Cannes no ano de 2009 - Haneke presenteia o público com um filme perturbador, denso e profundo que não tenta se esconder atrás de lágrimas fáceis ou exageros histriônicos. Sóbrio e seco, o roteiro prescinde das firulas melodramáticas que tratam o espectador com condescendência para se concentrar basicamente em suas personagens centrais e no devastador drama que os assola, sem preocupar-se em esclarecer didaticamente toda e qualquer cena. Haneke não é um cineasta fácil e justamente por isso, faz de seus trabalhos mais do que simples filmes. Dificilmente alguém sai da sessão de um filme seu da mesma forma com que entrou e, pro bem ou pro mal, uma dos objetivos da sétima arte é exatamente esse: abalar, confundir, emocionar ou surpreender de alguma forma. E isso "Amor" faz admiravelmente, graças principalmente a seus intérpretes centrais.

Excepcionais em seus desempenhos, os veteranos Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva vivem (na maior acepção do termo) Georges e Anne, dois professores de música aposentados que passam seus dias em um confortável apartamento, frequentando concertos e vivendo da melhor maneira possível seus dias - e recebendo, vez ou outra, algumas visitas de alunos antigos e da filha Eva (Isabelle Huppert). Sua vida pacata e feliz é abalada, porém, quando Anne sofre um derrame que a deixa parcialmente paralisada. Sem saber o que fazer, Georges contrata enfermeiras para cuidar da esposa, mas aos poucos, conforme a situação da velha senhora começa a se deteriorar ainda mais, ele resolve tomar conta sozinho do problema, se dedicando totalmente à mulher que ama.

Logicamente não é um filme para qualquer um. Que fujam das salas de exibição aqueles fãs de filmes com edição alucinada ou aqueles que acreditam que uma atuação boa é feita de gritos e trejeitos exagerados. Que se abstenham de comentários tolos aqueles que buscam no cinema pura diversão e entretenimento. Que se calem os que nunca amaram de verdade. Amor não é apenas uma palavra, conforme Michael Haneke comprova aqui. Amor não é beleza, juventude e saúde. Amor é cuidado, empenho, dedicação e abnegação. "Amor" é  um filme espetacular que jamais sairá da cabeça e do coração de quem se permitir deixar tocar por sua sensibilidade.

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SETE PSICOPATAS E UM SHIH TZU

Posted by Clenio on 18:36 in
Logo em sua primeira cena nota-se que "Sete psicopatas e um shih tzu" não é um filme qualquer - e, por conseguinte, não é para todos os tipos de público. Um longo diálogo a respeito de matar alguém com um tiro no olho logo descamba para a violência física e, assim que os letreiros iniciais surgem na tela, o público é jogado diante de uma trama que mistura com raro equilíbrio uma ironia sutil, uma crítica menos discreta aos clichês dos filmes policiais e, melhor ainda, atuações inspiradas de um elenco notável que inclui o sumido Colin Farrell e o veterano Christopher Walken - caprichando como nunca na persona amalucada que fez sua fama na capital do cinema (e lhe rendeu um Oscar no longínquo ano de 1978). Um passo à frente na carreira do diretor/roteirista Martin McDonagh - que foi indicado a um Oscar pelo roteiro de "Na mira do chefe", de 2008 - essa comédia de humor negro surpreende do início ao fim, revelando um belo domínio narrativo que lembra muito o estilo Tarantino de  fazer cinema (referência obrigatória a todos que se arriscam no gênero).

Lembrando também alguns pontos de "Adaptação" - onde o protagonista dava pistas dos rumos que a trama seguiria através de suas ideias para um roteiro de cinema - "Sete psicopatas" utiliza-se de uma trama central bastante frágil para conduzir o espectador por um caminho onde assassinos barra-pesada convivem com criminosos baratos, um roteirista beberrão e, como o título nacional deixa bastante claro, um cachorro da raça shih tzu que acaba sendo o gatilho para toda a confusão que se estabelece durante toda a projeção.

Colin Farrell - novamente trabalhando com McDonagh depois de "Na mira do chefe", que lhe rendeu um Golden Globe de melhor ator em comédia/musical - está à vontade na pele de Marty, um roteirista em crise de inspiração que não consegue ir adiante em seu novo filme, ao qual intitulou "Sete psicopatas". Em crise também em seu relacionamento amoroso e abusando do álcool, ele conta a ajuda não solicitada de seu melhor amigo, Billy (Sam Rockwell), um ator fracassado que completa seu orçamento ajudando ao misterioso Hans (Christopher Walken) em seu negócio de sequestrar cães e depois devolvê-los aos respectivos donos e ganhar uma recompensa. Enquanto vai criando novas personagens para seu roteiro - incluindo um quaker (Harry Dean Stanton) que persegue o assassino de sua filha e um monge tibetano violento - Marty não percebe que está no meio de uma guerra entre Billy, Hans e o cruel Charlie (Woody Harrelson, excelente), que não hesita em matar seus desafetos mas que não consegue imaginar a vida sem seu cãozinho de estimação - que está nas mãos dos atrapalhados raptores.

A partir daí, McDonagh embaralha de vez as suas cartas. Intercalando com a trama principal as histórias dos sete psicopatas criados (ou descritos a partir da realidade) por Marty, o diretor usa e abusa de diálogos recheados de nonsense, de uma edição inteligente e de uma ironia fina que certamente não irá cair nas boas graças de quem procura uma comédia rasgada. Dono de um tipo de humor que privilegia o sarcasmo em detrimento das gargalhadas fáceis, o filme caminha em direção a um terço final que o faz mudar de rumo subitamente - mudança esta, aliás, já prevista em uma conversa entre três personagens dentro de um carro - para acabar fazendo todo o sentido do mundo (ao menos dentro do universo caótico proposto desde seu princípio). O equilíbrio entre a serenidade de Hans depois das tragedias de sua vida, a angústia de Marty em sua busca de melhorar o nível dos roteiros violentos de Hollywood e a falta de bom senso de Billy em sua tentativa de colaborar com o amigo (e lidar com os segredos que mantém) é o grande trunfo de "Sete psicopatas e um shih tzu".

Cruel, ousado e irreverente na medida certa, "Sete psicopatas e um shih tzu" é uma pérola que tem tudo para se transformar em cult movie com o passar dos anos. E aponta um futuro auspicioso para Martin McDonagh.

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ARGO

Posted by Clenio on 00:57 in
Desde que estreou nos EUA, em outubro do ano passado, o terceiro longa-metragem do ator medíocre tornado diretor talentoso Ben Affleck,  começou as especulações a respeito de suas possíveis indicações ao Oscar. Nada mais justo. Enxuto, sóbrio e contando uma inacreditável história real bastante relevante à época em que o país vive ainda hoje em dia, "Argo" conquistou a crítica e merecidos Golden Globes de melhor drama e diretor. Infelizmente a Academia não foi assim tão generosa, deixando o amigo de Matt Damon de fora do páreo e diminuindo as chances da vitória na categoria principal. Indicado em 7 categorias, "Argo" é um dos melhores candidatos do ano, sendo superior inclusive ao favorito, o superestimado "Lincoln", de Steven Spielberg.

Tendo entre seus produtores o ator George Clooney - que tinha planos de dirigir e estrelar o filme desde 2007 - "Argo" encontrou em Ben Affleck um comandante dos melhores. Assumindo também o papel principal (que quase ficou com Brad Pitt), ele consegue a proeza de deixar a vaidade de lado para focar-se totalmente na história, ocorrida em 1980 e que se manteve secreta até meados da década seguinte. Sem querer tornar-se maior do que os acontecimentos, ele dá também a oportunidade a seus atores brilharem sem fazer muito esforço - o que inclui o ótimo Bryan Cranston e o veterano Alan Arkin, indicado ao Oscar de coadjuvante. Dono de um belo roteiro - também lembrado pela Academia - que não obriga o espectador a ter prévio conhecimento dos fatos que retrata, explicando-os de forma clara mas nunca exageradamente didática, o filme apresenta a seu público uma história bem contada e discreta em suas ambições, mas que acaba sendo fascinante justamente por isso.

A história começa em 1979, quando um grupo de mais de 50 diplomatas americanos é mantido refém na embaixada dos EUA no Irã por um grupo de revolucinários que exigem o repatriamento de seu xá deposto. No entanto, um grupo de seis colegas consegue escapar e encontra proteção na casa do embaixador canadense Ken Taylor (Victor Garber). Alguns meses depois, ao perceber que as coisas não parecem se encaminhar para um final feliz imediato, a CIA pede ajuda a Tony Mendez (Affleck), especialista em repatriamentos de emergência. Depois de pensar em várias possibilidades, o agente tem a ideia - a príncipio tida como absurda, mas depois aceita com ressalvas por seus superiores - de disfarçar os reféns como uma equipe canadense de filmagens em busca de locações para um filme de ficção científica chamado "Argo". Contando com o apoio do produtor de cinema Lester Siegel (Alan Arkin) e do maquiador John Chambers (John Goodman), Mendez cria uma verdadeira operação de guerra que inclui campanha de marketing em jornais temáticos, passaportes falsos e biografias inventadas. Com tudo pronto, ele embarca para Teerã com o objetivo de trazer todos os seis conterrâneos sãos e salvos para casa.

O maior mérito do roteiro de Chris Terrio - baseado em um livro escrito pelo próprio Mendez, que foi um dos apresentadores do Golden Globe deste ano - é manter o ritmo e o suspense durante todo o tempo de projeção, mesmo contando uma história cujo final hoje em dia é amplamente conhecido. Mesmo que exagere um bocadinho na sequência final, aumentando a tensão de forma a tornar o filme mais palatável como entretenimento hollywoodiano, o script de Terrio acerta em intercalar com maestria os preparativos para a fuga com as dúvidas dos reféns e a constante ameaça dos revolucionários sem apelar para heroísmos baratos ou vilanias maniqueístas. Ainda que seja claro quem é quem - americanos do bem contra iranianos do mal - não existe, no resultado final, aquele ranço tão ufanista que estraga boa parte do cinema que se propõe político. A ideia de Affleck não é levantar bandeiras e sim contar uma bela história. E isso ele consegue com louvor.

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A VIAGEM

Posted by Clenio on 16:39 in
Se um filme é rejeitado enfaticamente por um pretenso crítico como Rubens Ewald Filho - uma das maiores fraudes do jornalismo cultural já forjadas na imprensa nacional - isso provavelmente quer dizer que a obra é, no mínimo, interessante e digna de atenção. Sendo assim, é obrigatório que se vá às salas de exibição para conferir "A viagem" - título nacional inapropriado para o intraduzível "Cloud Atlas" - o novo passo dos irmãos Wachowski de sacudir a mesmice do cinema comercial, como fizeram com "Matrix" em 1999. Dessa vez contando com a co-direção do alemão Tom Tykwer (do criativo "Corra Lola, corra"), eles adaptaram o difícil romance de David Mitchell em um filme tecnicamente perfeito que, se não chega a ser emocionalmente brilhante devido à sua natureza episódica, é um dos mais ousados produtos cinematográficos dos últimos anos, voltando a tocar (de forma poetica e sensível) em temas caros aos cineastas, como filosofia, destino e livre-arbítrio.

O complexo roteiro - escrito pelos irmãos e por Tykwer - conta seis histórias simultaneamente, ainda que elas aconteçam em períodos de tempo e espaço díspares. A espetacular edição - a cargo de Alexander Berner, cujo melhor filme do currículo é a adaptação para as telas do bestseller "O perfume" - costura as tramas de forma envolvente, sublinhando as semelhanças e coincidências entre elas para explicitar ao espectador que todas elas, no fundo, formam um grande e abrangente panorama humano e social. Segundo a teoria do filme - que de certa forma evoca muitos ensinamentos da doutrina espírita - tudo que se faz em uma vida ecoa para a eternidade, afetando mesmo que indiretamente outras pessoas (e também fica claro que as mesmas pessoas, em sexos, classes sociais e épocas distintas convivem entre si, muitas vezes repetindo de forma inconsciente o que já fizeram em vidas passadas). É assim que um jovem advogado (vivido por Jim Sturgess) ajuda um escravo foragido no ano de 1849 e em 2144 um revolucinário japonês (também interpretado por Sturgess, dessa vez sob forte maquiagem) colabora com a fuga de uma ciborgue (Doona Bae) que será uma líder contra a opressão (alguém aí lembrou de "Matrix"?). E é seguindo essa linha de raciocínio que outras personagens e histórias são apresentadas ao público, utilizando o mesmo elenco em todas elas, muitas vezes de forma irreconhecível: Tom Hanks, Hale Berry, Hugh Grant, Susan Sarandon, Jim Broadbent, Hugo Weaving e Ben Winshaw (além de Jim Sturgess, é claro) surgem diante da plateia com os mais variados visuais e papeis, escondidos frequentemente por trás de uma maquiagem nunca menos que brilhante (e injustamente esquecida pelo Oscar). O elo entre as personagens às vezes é óbvio, em outras nem tanto - e uma marca na pele, em forma de estrela cadente, os une inexoravelmente.

Pecando apenas por não dar ao público a chance de realmente conhecer a fundo as personagens e se importar de verdade com seus problemas - o que não impede que algumas histórias se sobressaiam dramaticamente a outras - "A viagem" requer paciência e a liberdade de embarcar rumo a uma experiência inebriante e rica. Não é um filme que agrada a todo mundo (em especial a resenhistas que julgam atores por seu visual e cultuam alucinadamente divas de uma Hollywood que não mais existe). Mas é corajoso e tem muito a dizer. Poucos filmes da atualidade podem se gabar disso.

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LENNYS AWARDS 2012 - VENCEDORES

Posted by Clenio on 03:15 in
Como acontece desde 1993 - quando ir ao cinema passou a ser uma absoluta constante na minha vida, uma vez que vim morar em Porto Alegre, abandonando o interior tedioso - fiz uma lista dos maiores destaques da programação da sétima arte do ano que passou. Tento fugir dos vencedores do Oscar porque o Lennys Award surgiu exatamente para corrigir uma injustiça da Academia - "Drácula de Bram Stoker", até hoje meu recordista em prêmios (7 na primeira edição), empatado com "Moulin Rouge", de 2001 - mas às vezes é impossível. O grande vencedor deste ano é o violento "Drive", de Nicolas Winding Refn. Segue a lista dos premiados:

FILME - DRIVE
DIRETOR - NICOLAS WINDING REFN - Drive
ATOR - RYAN GOLSLING - Drive
ATRIZ - TILDA SWINTON - Precisamos falar sobre o Kevin
ATOR COADJUVANTE - NICK NOLTE - Guerreiro
ATRIZ COADJUVANTE - CAREY MULLIGAN - Shame
ROTEIRO ORIGINAL - A SEPARAÇÃO - Asghard Farhadi
ROTEIRO ADAPTADO - DRIVE - Hossein Amini
FOTOGRAFIA - CAVALO DE GUERRA - Janusz Kaminski
MONTAGEM - DRIVE - Mat Newman
TRILHA SONORA ORIGINAL - O ARTISTA - Ludovic Bource
CANÇÃO - "MASTERPIECE" (Madonna) - W/E
FIGURINO - ESPELHO, ESPELHO MEU - Eiko Ishioka
DIREÇÃO DE ARTE/CENÁRIOS - A INVENÇÃO DE HUGO CABRET - Dante Ferretti/Francesca LoSchiavo
SOM: DRIVE
EFEITOS VISUAIS: A INVENÇÃO DE HUGO CABRET
MAQUIAGEM: A DAMA DE FERRO

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DJANGO LIVRE

Posted by Clenio on 13:38 in
Quentin Tarantino é um cineasta que não nega suas influências. Elas estão sempre espalhadas por sua obra, seja explicitamente (como em "Jackie Brown" ou nos dois volumes de "Kill Bill") ou discretamente (pero no mucho) como em "Pulp Fiction". Por isso não é de estranhar que "Django livre", seu novo - e mais uma vez incensado - trabalho seja coalhado de homenagens e piadas internas. Sorte do grande público é que, além de todas essas reverências o homem é também um roteirista de mão cheia (como comprova seu Golden Globe) e um diretor que consegue SEMPRE arrancar atuações antológicas de seus atores. Se alguém ainda tinha dúvidas a esse respeito (e alguém tinha?) é altamente recomendável que esse alguém assista, sem desculpa de nenhuma espécie, a essa misto de faroeste/filme sobre escravidão: nele não apenas o cineasta mais cultuado de sua geração lega ao cinema mais um grande filme como mostra que mesmo em filmes de gêneros diversos ao que se acostumou a assinar ele consegue manter-se fiel a seu estilo.

Provocando o desprezo do cineasta Spike Lee - que vê no filme um "desrespeito a seus ancestrais" - Quentin Tarantino fez de "Django livre" uma enciclopédia de todas as suas marcas registradas, somada à sua homenagem rasgada aos westerns spaghetti menos conhecidos do grande público (ao invés de Sergio Leone e afins, suas influências atendem pelos nomes de Sergio Corbucci e Tonino Valeri, entre outros). Nas duas horas e quarenta cinco minutos de projeção estão espalhados diálogos ácidos, humor negro, personagens deliciosamente complexos e uma carnificina exagerada que não deixa nada a dever a seu primeiro filme, o hiperviolento "Cães de aluguel". Mesmo que demore a engrenar - a impressão que se tem é que a história só começa mesmo depois da primeira hora, quando os protagonistas chegam à fazenda de Calvin Candie (um Leonardo DiCaprio exercitando seu overacting de forma quase insuportável) - a história do escravo Django (Jamie Foxx, espetacular) que se torna caçador de recompensas e parte ao lado do alemão King Schultz (Christoph Waltz, indicado ao Oscar e premiado com um Golden Globe de ator coadjuvante) em busca de sua esposa Broomhilda (Kerry Washington) utiliza elementos tão díspares quanto a luta "mandingo" (chupada de um filme de 1975) quanto referências à ópera "O anel dos Nibelungos", de Richard Wagner de maneira tão orgânica que é difícil imaginar que o diretor/roteirista (e ator em uma sequência perto do final) vá criando sua trama durante a escrita do roteiro. E é difícil acreditar também que outro elenco pudesse ser melhor do que o escolhido para o projeto.

Ainda que Will Smith tenha sido o primeiro nome a passar pela cabeça de Tarantino para protagonizar seu filme, o trabalho impecável de Jamie Foxx no papel central é digno de figurar entre os melhores de sua carreira já premiada com o Oscar. Christoph Waltz novamente dá um banho de interpretação com seu complexo Schultz - que é dono de algumas das melhores falas. Até mesmo Franco Nero - o Django do filme de 1966 - encontra espaço para uma participação afetiva, assim como Don Johnson faz com que se mantenha a tradição do diretor de recuperar a carreira de nomes deixados de lado pelo cinema comercial. E se Leonardo DiCaprio repete os maneirismos de sempre em sua atuação como o vilão Calvin Candie, seu escravo fiel - e racista ao extremo - vivido por Samuel L. Jackson rouba a cena descaradamente, em uma interpretação que merecia ter sido lembrada pelo Oscar.

Violento como poucos filmes da atualidade - com sangue jorrando aos borbotões, escravos sendo devorados por cães e tiroteios ensandecidos - "Django livre" comprova novamente o talento e a criatividade de seu diretor. Resta saber agora o que ele prepara para o futuro.

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O IMPOSSÍVEL

Posted by Clenio on 00:24 in
"Titanic" explorava uma das maiores catástrofes da história do século XX com pompa e circunstância, transformando a tragedia em um superespetáculo tecnicamente perfeito que conquistou o posto de maior bilheteria da história do cinema - e o recorde de onze Oscar. Quinze anos depois, o mexicano Juan Antonio Bayona mostra que não é preciso um orçamento milionário para emocionar a plateia quando se tem talento e uma trama forte em mãos. "O impossível" - que utiliza a destruição provocada pelo Tsunami que devastou a Tailândia em 2004 para contar uma história de esperança e superação pessoal - é um dos filmes mais impactantes a surgir nas telas em muitos anos e, mesmo que tenha apenas uma indicação ao Oscar (melhor atriz) é infinitamente superior a muitos produtos superestimados pelos membros da Academia, como o manipulador e chato "Indomável sonhadora". E é, além de tudo, uma aula de narrativa, capaz de prender o público na cadeira durante toda a sua tensa projeção.

Ao contrário de "Titanic" - a comparação é inevitável, perdoem-me - em que a desgraça só chegava às personagens depois de mais da metade do filme, em "O impossível" o roteiro vai direto ao ponto: em menos de quinze minutos a paz e a tranquilidade da família do inglês Henry Bennett (Ewan McGregor) desaparece, sendo levada pela gigantesca onda que aniquila o hotel onde estavam todos hospedados. Afastada do marido e dos dois filhos caçulas, a médica Maria (Naomi Watts) une-se então ao filho mais velho, Lucas (Tom Holland) para tentar sobreviver às consequências do desastre. Enquanto isso, Henry e os outros meninos não desistem de procurar o resto da família, testemunhando abismados a extensão da tragedia.

A partir daí é surpreendente a maneira com que Bayona - que assinou o também ótimo "O orfanato" - manipula (no bom sentido) os sentimentos da audiência. Sem perder o ritmo em momento algum, o cineasta constrói um filme que equilibra com maestria sequências de suspense de tirar o fôlego com cenas da mais absoluta emoção. Fugindo do piegas admiravelmente, o filme conduz o público a uma experiência capaz de arrancar lágrimas do mais empedernido espectador ao apelar para os sentimentos mais puros e honestos de cada um. É notável também - e nisso se percebe claramente o talento de todos os envolvidos no projeto - como cada peça se encaixa perfeitamente no resultado final: a fotografia eficaz, a edição inteligente, a trilha sonora delicada e os efeitos visuais discretos e assustadores colaboram para transformar o trabalho de Bayona em duas horas do mais puro cinema, que entretém ao mesmo tempo em que apavora e emociona.

E emoção é a palavra-chave de "O impossível". Não há cena no filme que não arrepie, que não comova, que não mexa com o público. Tudo isso deve muito, justiça seja feita, a seu elenco: se apenas Naomi Watts foi indicada ao Oscar por sua performance não seria errado apontar que Ewan McGregor e o jovem Tom Holland mereciam maior atenção por parte dos eleitores da Academia. McGregor é dono de ao menos uma cena antológica (com a ajuda de um telefone celular) e Holland, com seu Lucas, ameaça roubar a cena sempre que aparece, demonstrando uma vasta gama de sentimentos que apenas os ótimos atores conseguem com apenas um olhar. Juntos aos outros atores mirins que completam a família - e uma participação afetiva de Geraldine Chaplin - são eles que dão alma ao filme de Bayona, desde já um clássico moderno. Imperdível!

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ENTRE O AMOR E A PAIXÃO

Posted by Clenio on 18:02 in
Em uma das sequências iniciais do filme "Entre o amor e a paixão", a protagonista Margo diz a um desconhecido - que mais tarde lhe deixará com o tesão à flor da pele - que não gosta de voos com conexões porque não se sente confortável entre dois pontos. Essa afirmação, aparentemente banal, é a base na qual se sustenta esse novo trabalho da atriz Sarah Polley atrás das câmeras, cinco anos depois do belo "Longe dela", que deu a Julie Christie uma merecida indicação ao Oscar de melhor atriz. Agora trabalhando com um roteiro original, a jovem cineasta demonstra novamente um grande conhecimento da alma humana assim como uma surpreendente maturidade. Contando com mais uma atuação superlativa de Michelle Williams, seu novo filme machuca, emociona e faz pensar como poucos. Em uma época tão propensa a passatempos ligeiros e inconsequentes, não deixa de ser um oásis.

Margo - vivida de corpo e alma por Williams - sonha em ser escritora e é casada com Lou (Seth Rogen), um chef de cozinha que está preparando um livro de receitas à base de frango. Durante uma viagem, ela conhece o sedutor Daniel (Luke Kirby) e sente-se irremediavelmente atraída por ele. Para seu azar, descobre que o rapaz mora em frente à sua casa, o que lhe faz questionar fortemente sua relação matrimonial - confortável mas carente de maiores arroubos de paixão. Dividida entre o casamento estável mas um tanto acomodado e o desejo carnal por outro homem, a Margo resta apenas lidar com suas dúvidas e tentar tomar a decisão correta.

Assim como no livro "O mundo pós-aniversário", de Lionel Shriver - mesma autora de "Precisamos falar sobre o Kevin" - a protagonista se vê diante de uma encruzilhada em sua vida amorosa e precisa contar apenas com sua intuição para fazer a escolha certa. E, assim como no romance de Shriver, o questionamento passa a ser, em determinado momento, se existe realmente uma escolha que seja a certa. Tanto no livro quanto no filme de Polley, a protagonista e seus pretendentes são seres humanos complexos, com qualidades e defeitos e qualquer caminho a ser tomado é cercado de momentos bons e outros nem tanto. Essa questão crucial - também levantada brilhantemente no já clássico "As pontes de Madison" - é levada com delicadeza pelo roteiro da diretora, que intercala momentos leves com sequências desde já destinadas a antológicas.

A sequência em que Margo e Daniel conversam sobre como seria sua primeira noite, por exemplo, é chocante em sua crueza e ao mesmo tempo consegue ser romântica, sexy e - graças a seus atores - extremamente verdadeira: há muito tempo o cinema não conseguia apresentar uma cena tão erótica sem que nem ao menos haja um mísero toque de mãos. E é devastadora também a cena em que Margo finalmente toma sua decisão - sem querer estragar as surpresas, basta dizer que é quase impossível conter as lágrimas ou o nó na garganta e que Seth Rogen consegue deixar ver que, por baixo do ator de comédias inconsequentes, esconde-se um ator promissor e carismático.

Simbólico sem ser hermético, denso sem ser depressivo e realista sem deixar de ser poético nas horas certas, "Entre o amor e a paixão" é uma das melhores surpresas da temporada e tem tudo para despertar muitas e muitas discussões.

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