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A VIAGEM

Posted by Clenio on 16:39 in
Se um filme é rejeitado enfaticamente por um pretenso crítico como Rubens Ewald Filho - uma das maiores fraudes do jornalismo cultural já forjadas na imprensa nacional - isso provavelmente quer dizer que a obra é, no mínimo, interessante e digna de atenção. Sendo assim, é obrigatório que se vá às salas de exibição para conferir "A viagem" - título nacional inapropriado para o intraduzível "Cloud Atlas" - o novo passo dos irmãos Wachowski de sacudir a mesmice do cinema comercial, como fizeram com "Matrix" em 1999. Dessa vez contando com a co-direção do alemão Tom Tykwer (do criativo "Corra Lola, corra"), eles adaptaram o difícil romance de David Mitchell em um filme tecnicamente perfeito que, se não chega a ser emocionalmente brilhante devido à sua natureza episódica, é um dos mais ousados produtos cinematográficos dos últimos anos, voltando a tocar (de forma poetica e sensível) em temas caros aos cineastas, como filosofia, destino e livre-arbítrio.

O complexo roteiro - escrito pelos irmãos e por Tykwer - conta seis histórias simultaneamente, ainda que elas aconteçam em períodos de tempo e espaço díspares. A espetacular edição - a cargo de Alexander Berner, cujo melhor filme do currículo é a adaptação para as telas do bestseller "O perfume" - costura as tramas de forma envolvente, sublinhando as semelhanças e coincidências entre elas para explicitar ao espectador que todas elas, no fundo, formam um grande e abrangente panorama humano e social. Segundo a teoria do filme - que de certa forma evoca muitos ensinamentos da doutrina espírita - tudo que se faz em uma vida ecoa para a eternidade, afetando mesmo que indiretamente outras pessoas (e também fica claro que as mesmas pessoas, em sexos, classes sociais e épocas distintas convivem entre si, muitas vezes repetindo de forma inconsciente o que já fizeram em vidas passadas). É assim que um jovem advogado (vivido por Jim Sturgess) ajuda um escravo foragido no ano de 1849 e em 2144 um revolucinário japonês (também interpretado por Sturgess, dessa vez sob forte maquiagem) colabora com a fuga de uma ciborgue (Doona Bae) que será uma líder contra a opressão (alguém aí lembrou de "Matrix"?). E é seguindo essa linha de raciocínio que outras personagens e histórias são apresentadas ao público, utilizando o mesmo elenco em todas elas, muitas vezes de forma irreconhecível: Tom Hanks, Hale Berry, Hugh Grant, Susan Sarandon, Jim Broadbent, Hugo Weaving e Ben Winshaw (além de Jim Sturgess, é claro) surgem diante da plateia com os mais variados visuais e papeis, escondidos frequentemente por trás de uma maquiagem nunca menos que brilhante (e injustamente esquecida pelo Oscar). O elo entre as personagens às vezes é óbvio, em outras nem tanto - e uma marca na pele, em forma de estrela cadente, os une inexoravelmente.

Pecando apenas por não dar ao público a chance de realmente conhecer a fundo as personagens e se importar de verdade com seus problemas - o que não impede que algumas histórias se sobressaiam dramaticamente a outras - "A viagem" requer paciência e a liberdade de embarcar rumo a uma experiência inebriante e rica. Não é um filme que agrada a todo mundo (em especial a resenhistas que julgam atores por seu visual e cultuam alucinadamente divas de uma Hollywood que não mais existe). Mas é corajoso e tem muito a dizer. Poucos filmes da atualidade podem se gabar disso.

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