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MINHA MÃE É UMA PEÇA - O FILME

Posted by Clenio on 03:52 in
Há no mínimo duas formas distintas de se assistir à "Minha mãe é uma peça", adaptação do bem-sucedido espetáculo teatral escrito e estrelado pelo ator (seria injusto chamá-lo de comediante) Paulo Gustavo: como um programa despretensioso e divertido, feito com a única intenção de fazer rir sua audiência ou como cinema no sentido mais literal da palavra. Comandado por André Pellenz, que dirigiu Gustavo na série televisiva "220 volts" - origem que é nítida na linguagem pouco cinematográfica de seu filme - "Minha mãe é uma peça" se sai muito bem na primeira abordagem, mas peca na segunda. Em compensação, comparando-se com a enxurrada de comédias mal-escritas, mal-dirigidas e vulgares que vem assolando o cinema nacional, a história da dona-de-casa Hermínia e seus filhos ingratos mostra-se bastante superior em humor, talento e emoção.

Interpretada com gosto e perfeição por Paulo Gustavo, Hermínia é uma mãe igual a milhares de outras espalhadas pelo mundo, a despeito de morar em Niterói com seus dois filhos adolescentes, Marcelina (que sofre de excesso de peso) e Juliano (que é gay e esconde a condição da mãe, mesmo que ela saiba disso e tente disfarçar), depois de ter sido abandonada pelo marido (Herson Capri) e trocada por uma perua mais jovem (Ingrid Guimarães repetindo seu papel clássico). Exagerada, dramática e dedicada, ela escuta sem querer uma conversa dos filhos com o pai e a madrasta em que eles falam mal da forma como ela os cria e, magoada, foge de casa e vai passar uns dias com uma tia (Suely Franco). Nesse meio-tempo, os jovens começam a sentir sua falta e perceber sua importância em suas vidas.

Sim, a trama (simples mas direta) é o que menos importa. Fazendo rir com o absurdo das situações cotidianas e das relações familiares - com uma linguagem direta e sem rodeios - Paulo Gustavo chega rapidamente às risadas e à emoção, atingindo o público com a identificação imediata com as personagens. Sua Hermínia é desbocada, atrevida e exagerada como todas as mães sabem ser quando preciso e é difícil não reconhecer nela características comuns a qualquer progenitora - afinal, não é à toa que dizem que mãe é mãe e só muda de endereço. Engolindo todos à sua volta, o ator tem um carinho nítido por sua personagem, inspirada em sua própria mãe (cuja imagem é vista no final da projeção e desperta tantas gargalhadas quanto o restante da obra) e que conquista justamente por essa coragem em não fugir até mesmo de alguns escorregões sentimentaloides. Se alguns momentos muito engraçados já não fossem o bastante para garantir o sucesso do filme (que já chegou à marca de dois milhões de espectadores e ganhou uma continuação já para o ano que vem), o carisma de Gustavo já valeria a pena.

E chegamos, então, aos pecadilhos do filme. Com algumas falhas gritantes - vícios televisivos, cenas um tanto inúteis e o desperdício de algumas personagens em cenas pouco inventivas do ponto de vista criativo - "Minha mãe é uma peça" sofre do mesmo mal do qual sofreram algumas adaptações teatrais nacionais para a telona, como "A partilha" e "Trair e coçar... é só começar": a dificuldade de transportar para a linguagem cinematográfica as qualidades das versões dos palcos. É perceptível que o lugar ideal para as aventuras das personagens criadas por Paulo Gustavo é o palco, que permite ao ator uma interação maior com a plateia. No entanto, sem a pretensão de assinar uma obra-prima da sétima arte, o diretor André Pellenz oferece à plateia exatamente o que promete: boas risadas e momentos de descontração. É mais do que muito filme com objetivos maiores consegue.

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2 MAIS 2

Posted by Clenio on 01:11 in
Por mais sucesso que façam nas bilheterias, é difícil encontrar qualidades nas comédias nacionais. Tranqueiras como "Até que a sorte nos separe", "E aí, comeu?" e "Cilada.com" podem até conquistar público, mas, para isso, abdicam de inteligência e sutileza. Vendo por esse prisma, o divertido "2 mais 2" é mais um gol do cinema argentino contra nossa filmografia. Dirigido sem pretensões por Diego Kaplan - que está longe de ser um gênio da sétima arte, mas tem senso de ritmo e estética - o filme fala de um assunto que, em mãos erradas, poderia facilmente descambar pro vulgar e pro exagerado: o swing, também conhecido como troca de casais - modalidade tão em voga nos anos 70 e que é o pomo da discórdia entre dois casais de amigos cujos relacionamentos são, ao menos na aparência, sólidos e bem-resolvidos.

Conciso e repleto de bons diálogos, o roteiro de "2 mais 2" começa quando o casal formado por Richard (Juan Minujín) e Emilia (Julieta Díaz) revela aos amigos Diego (Adrián Suar, ótimo) e Betina (Carla Petersen) que seu relacionamento de dez anos mantém-se saudável graças a uma forma inusitada de casamento: eles fazem sexo com outros casais, sem que haja envolvimento sentimental de nenhuma forma. Para deixar a revelação ainda mais apimentada, eles convidam os antigos amigos - os rapazes são inclusive sócios em uma clínica cardiovascular - para unirem-se a eles em sua experiência. Enquanto Betina sente-se atraída pela ideia, porém, Diego, menos aberto a novidades sexuais, tenta fugir da possibilidade.

Não é justo revelar os desdobramentos propostos pela trama do filme, que, apesar de seguir em alguns momentos a cartilha das comédias dramático/românticas que todo mundo conhece, segue por caminhos imprevistos. O que pode-se dizer a seu respeito sem que se perca a diversão é que tudo acontece de uma maneira que equilibra com precisão um humor que jamais ofende a inteligência ou as suscetibilidades do espectador e um drama leve, apropriado ao tema e ao gênero. Sem estender-se em demasia ou apelar para um excesso de coadjuvantes - quando existem eles são engraçados e úteis para a discussão do tema central - "2 mais 2" é o tipo de filme capaz de agradar a quem procura um programa leve e adulto que não precisa tentar aproximar-se do público com piadas vulgares ou atores histéricos. Uma surpresa das melhores dentro do cinema argentino, sempre tão afeito a obras mais densas.

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GUERRA MUNDIAL Z

Posted by Clenio on 02:53 in
Em uma época em que zumbis viraram mainstream - graças ao sucesso da série de TV "The walking dead" - não é de se admirar que até mesmo Brad Pitt - um dos atores mais confiáveis de Hollywood, incapaz de entrar em um projeto no qual não acredite - tenha aderido à tendência. A boa notícia é que "Guerra Mundial Z", um dos filmes mais caros da história do cinema - ao custo estimado de 400 milhões de dólares - e, segundo consta, com uma história de bastidores das mais complicadas, é um filmaço, capaz de deixar o espectador tenso e grudado na poltrona do início ao fim da projeção. Comandada com surpreendente segurança por Marc Forster - acostumado a produções menos ambiciosas e mais intimistas, como "A última ceia" e "Em busca da Terra do Nunca", mas que teve a experiência de dirigir um filme de James Bond em "007 - Quantum of Solace" - a adaptação bastante livre do livro de Max Brooks (filho de Mel) é capaz de agradar até mesmo àqueles que não são fãs do gênero, graças a um roteiro bem equilibrado, cenas de ação impressionantes e um elenco bem escalado.

O herói do filme - logicamente interpretado pelo sr. Angelina Jolie - é Gerry Lane, agente aposentado da ONU que é chamado às pressas para ajudar a organização quando um vírus desconhecido começa a atacar a população do mundo inteiro. Sem saber as origens ou as características específicas do vírus - que transforma imediatamente os infectados em zumbis ágeis e vorazes - o alto escalão da agência insiste para que Gerry os auxilie em sua busca por maiores informações que possam resultar em uma cura ou vacina para a pandemia. Para manter a família em segurança, ele aceita a missão, que o leva à Coreia do Sul, à Israel e à Moscou - sempre testemunhando sanguinolentas batalhas entre os humanos e os mortos-vivos.

Violento - mas não a ponto de impedir que o público juvenil lote as salas de exibição e garantam sua continuação - e capaz de momentos mais tranquilos - que tentam explicar a situação caótica do mundo em tempos de contaminação - "Guerra Mundial Z" é um filme raro, que sustenta sua ação não apenas em sequências aterrorizantes (e elas realmente o são) mas também em caprichadas cenas dramáticas, que dão o tom de urgência e suspense necessário para seu desenvolvimento. A estrutura do roteiro - que joga Gerry sempre no meio do furacão, lutando por sua vida enquanto tenta encontrar uma saída para a grave crise mundial - segue os livros policiais clássicos, sempre empurrando seu protagonista em direção à verdade através de coadjuvantes bastante interessantes (como o jovem médico que dá a primeira pista a respeito do vírus ou os líderes políticos que podem ou não saber mais do que aparentam). Esses personagens secundários são tão cruciais à trama quanto Gerry, e Forster, como bom diretor de atores, tira o melhor deles, sem deixar de preocupar-se com o que realmente é o ponto forte de seu filme: as impressionantes cenas dos ataques dos zumbis.

Desde a primeira sequência - que começa com um caminhão desgovernado destruindo o que vê pela frente em plena Filadélfia - até o tenso ato final em um laboratório (que deixa qualquer "Resident evil" com vergonha de ter sido feito), "Guerra mundial Z" não poupa os nervos do espectador, praticamente jogando-o dentro da estória - especialmente quando assistido em uma sala com tecnologia IMAX. A fotografia de Ben Seresin e a edição quase histérica são componentes essenciais para que a concepção de Forster atinja seus objetivos: em alguns momentos fica quase impossível saber o que está acontecendo em cena, devido à velocidade da câmera, exatamente como ocorre com as personagens, que só são realmente ter noção da desgraça quando talvez já é tarde demais. E se normalmente os zumbis da ficção são morosos e dormentes, aqui a coisa é bem diferente: basta piscar o olho para perder o ataque dos vilões, que apavoram os habitantes das cidades justamente por sua velocidade estonteante.

Visto na tela grande, "Guerra mundial Z" parece exatamente o que é: um filme extremamente caro e complicado. Cada centavo gasto na produção está visível ao público, em momentos intensos que mostram os ataques zumbis e no cuidado com a direção e a técnica. Diferentemente do que acontece com a maioria dos blockbusters, que gasta centenas de milhões em filmes onde não se percebe os motivos para tal, é um produto caprichado, forte e por que não?, inteligente. Pode não ser seu gênero, mas jamais será uma perda de tempo.

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OS AMANTES PASSAGEIROS

Posted by Clenio on 01:41 in
Depois de aventurar-se pelo lado negro da alma humana no denso "A pele que habito", Pedro Almodovar parece ter voltado às origens transgressoras e debochadas do início de sua carreira com "Os amantes passageiros". Despretensioso e abertamente escrachado, seu novo filme mostra que aquele senso de humor que era a essência de obras como "Labirinto de paixões" e "Pepi, Luci, Bom" continua intacto debaixo do verniz de cineasta sério e consagrado com dois Oscar. Centrado quase que exclusivamente em um único cenário - um avião com uma pane que ameaça a todos os tripulantes e passageiros - o roteiro de Almodovar usa e abusa de diálogos surreais, personagens ensandecidos (por nascimento ou pelo abuso de álcool e drogas) e atores velhos conhecidos do diretor, como Cecilia Roth, Lola Dueñas e Javier Camara - até mesmo Antonio Banderas e Penélope Cruz participam da brincadeira, em uma participação especial nos primeiros minutos de projeção.

Conforme o próprio trailer já deixava antever, "Os amantes passageiros" não se leva a sério - e nem pede à audiência que o faça. A começar pelo trio de protagonistas - comissários de bordo gays vividos por Javier Camara, Raúl Arévalo e Carlos Areces em atuações pra lá de inspiradas - tudo no filme pede que o público deixe do lado de fora da sala de exibição qualquer preconceito e se entregue sem medidas às loucuras do roteiro. Só mesmo assim - com total consciência da real essência do diretor - é que a experiência se torna ainda mais divertida. O Almodovar de "Os amores passageiros" está muito mais para o diretor trash e criativo de "Maus hábitos" e "O que fiz eu para merecer isto?" do que para o bem mais comportado (mas nem por isso menos genial) criador de "Tudo sobre minha mãe" e "Fale com ela". Estão em cena situações bizarras que combinam muito mais com a primeira fase de sua carreira - em que desafiava com humor e ironia o governo franquista - do que com seu momentos mais reflexivos, que lhe tornaram o cineasta espanhol mais respeitado desde Buñuel. É esse Almodovar original que consegue fazer com que o absurdo se torne crível, como nos melhores momentos de sua filmografia.

Livre da pressão de realizar mais um filme para agradar aos festivais de cinema e à crítica intelectualoide que tornou-o hype, Almodovar fez, com "Os amantes passageiros", o que há muito tempo seu público fiel vem desejando: um trabalho anárquico, sem amarras e sem preocupações que não a de fazer rir. Talvez isso decepcione quem espera algo mais impactante, mas sem dúvida agrada a quem sabe quem realmente o realizador é. O humor de seu novo filme brinca com a sexualidade, com a religião, com drogas, com redes sociais e com a família com o mesmo cáustico senso de humor que vinha sendo deixado de lado há bons anos. É iconoclasta, é cafona, é gay ao extremo - que o diga a sequência musical onde os comissários dublam a canção "I'm so excited" (título do filme para o mercado de língua inglesa).  Mas é, também, engraçadíssimo, leve, despretensioso e Almodovar na veia. Não é nem de longe seu melhor trabalho, mas é infinitamente superior a qualquer comédia em cartaz.

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