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O LOBO DE WALL STREET

Posted by Clenio on 21:06 in
Pode causar um certo estranhamento o fato de "O lobo de Wall Street", novo filme de Martin Scorsese, ser tachado de comédia por parte da crítica - e até dos votantes do Golden Globe, que deram a Leonardo DiCaprio uma estatueta na categoria. No entanto, no fundo da empolgante história real que concorre a cinco Oscar, incluindo de melhor filme, está realmente uma comédia. Histérica, de humor negro e profundamente crítica, mas uma comédia. Do ponto de vista brilhante do cineasta que acostumou seu público a petardos cinematográficos do quilate de "Taxi driver" e "Os bons companheiros", mas ainda assim uma comédia. E se talvez seja difícil compreender esse raciocínio um tanto tortuoso diante dos excessos - de sexo, de drogas e de violência moral - de suas três horas de projeção, basta prestar atenção na ironia da edição magistral  injustamente esquecida pelo Oscar, na encenação propositalmente muitos tons acima do normal e da forma como o assunto, normalmente levado a sério pelo cinema, é totalmente desconstruído pelo roteiro dinâmico de Terence Winter: pode não ser uma comédia óbvia, mas é, sem sombra de dúvidas, um filme muito, muito engraçado.

Posto lado a lado com o sisudo "Wall Street, poder e cobiça", que Oliver Stone realizou em 1987, o novo trabalho de Scorsese mostra sua verdadeira face: é um deboche disfarçado de crítica, uma crítica banhada em sarcasmo e um retrato psicodélico das entranhas do mundo quase surreal dos negócios financeiros, visto através dos olhos de um de seus integrantes mais bem-sucedidos, vivido aqui com uma verve histriônica nunca antes vista em Leonardo DiCaprio, talvez em seu melhor trabalho sob o comando do cineasta nova-iorquino. Sem falsas amarras, DiCaprio se entrega a um anti-heroi que somente o seu carisma consegue salvar da antipatia da audiência, o corretor da bolsa de valores Jordan Belfort, que, graças a sua inigualável lábia - e alguns desvios éticos, conseguiu amealhar fortunas no mercado financeiro americano do final dos anos 80. Constantemente com a consciência alterada - por drogas ou por sua própria ambição e falta de limites morais - Belfort conduz o público a um espetáculo de tirar o fôlego, repleto de sequências filmadas com a segurança de que somente um profissional do nível de Scorsese é capaz.

Somente Scorsese consegue, por exemplo, utilizar trechos de um desenho animado de Popeye para ilustrar a overdose de anfetaminas do protagonista e de seu sócio (Jonah Hill, excelente no timing cômico e responsável por alguns dos melhores momentos do filme) sem soar bobo e filmar longos discursos messiânicos de Belfort a seus associados sem que eles pareçam iguais - responsabilidade também da habitual colaboradora Thelma Schoonmaker, que mantém a agilidade da trama mesmo quando o relógio chega cravado aos 180 minutos na tela, quase todos essenciais à compreensão e desenvolvimento da história, narrada com precisão cirúrgica e que ainda conta, como uma espécie de piada interna, com as presenças luxuosas de três cineastas que esporadicamente fazem as vezes de atores: Jon Favreau, Spike Jonze e Rob Reiner, em uma atuação hilariante como o pai do personagem de DiCaprio, que tenta por um pouco de ordem no caos da vida do filho.

E se Leonardo DiCaprio deita e rola no papel principal, seus coadjuvantes não ficam atrás. Jonah Hill - que surpreendeu com a indicação ao Oscar de coadjuvante - faz com ele um par perfeito, em cenas que caminham na tênue linha do pastelão mas escapam dele majestosamente. E Matthew McConaughey - maior rival de DiCaprio na disputa pela estatueta de melhor ator deste ano - acrescenta mais uma grande atuação à lista de trabalhos que marcam sua ressurreição no mercado hollywoodiano nos últimos anos como um espécie de mentor do protagonista - um Gordon Geko da nova geração, com o mesmo cinismo do clássico personagem de Michael Douglas, mas aditivado com cocaína.

Um dos mais sensacionais filmes da temporada - e um clássico instantâneo de Martin Scorsese - "O lobo de Wall Street" não deve sagrar-se vencedor do Oscar. É corajoso demais, ousado demais e bom demais para ser reconhecido como o melhor filme do ano por uma Academia (ainda) muito conservadora.

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