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BOYHOOD - DA INFÂNCIA À JUVENTUDE

Posted by Clenio on 21:18 in
A sinopse pode não ser muito empolgante àqueles que consideram o cinema como a arte do entretenimento e do escapismo puro e simples: o dia-a-dia de um menino comum, a partir dos seus cinco anos de idade até sua entrada na universidade, aos 18 - mostrando, em pouco mais de duas horas e meia de projeção, problemas banais e aparentemente desinteressantes, como a relação com os pais, as dúvidas do começo da adolescência e a necessidade de lidar com as mudanças que fatalmente ocorrem com o passar do tempo. Por que, então, "Boyhood - da infância à juventude", tornou-se, de um projeto que corria o risco de ser apenas mais uma curiosidade de pé de página na história do cinema ao favorito do Oscar 2015, concorrendo a cinco estatuetas e com boas chances de sair premiado como o melhor filme do ano? Pode-se arriscar várias respostas - desde a criatividade da ideia de acompanhar o personagem literalmente por 13 anos, filmando poucos minutos a cada ano, com o mesmo elenco, até o endosso de personalidades tão distintas quanto o presidente Barack Obama e o cineasta Christopher Nolan. Mas o fato puro e simples é que a maior qualidade do filme de Richard Linklater - já vencedor do Golden Globe deste ano - é justamente a coragem do diretor em assinar uma obra que, ao contrário de tantas outras mais ambiciosas e enfeitadas com inúmeros artifícios narrativos, fala da vida como ela é, sem filtros, sem armadilhas melodramáticas e sem o apoio de cenas grandiloquentes. "Boyhood" é a essência da simplicidade. Um oásis para uns, um tédio para outros.

Não é a primeira vez que Linklater se dedica a examinar os efeitos do tempo sobre seus personagens. Fez isso magistralmente na trilogia estrelada por Ethan Hawke e Julie Delpy - "Antes do amanhecer", "Antes do pôr-do-sol" e "Antes da meia-noite" - que acompanhava um casal desde seu primeiro encontro em um trem que atravessava a Europa, em 1995, até a crise matrimonial que os obrigava a encarar a dura realidade de sua vida familiar, em 2013. Em "Boyhood" ele foi ainda mais radical, filmando a cada ano cerca de quinze minutos de roteiro, testemunhando com sua câmera o amadurecimento de Mason Jr. (o encantador Ellar Coltrane) e daqueles que o rodeiam, especialmente a mãe, Olivia (Patricia Arquette, favorita ao Oscar de coadjuvante feminina), o pai, Mason (Ethan Hawke, amigo do diretor, indicado ao Oscar de ator coadjuvante e responsável por dar andamento ao projeto caso o cineasta morresse durante o processo de filmagens), e a irmã, Samantha (Lorelei Linklater, filha do diretor que quase abandonou o barco no meio do projeto). A câmera indiscreta do cineasta não busca os segredos de seu protagonista, nem parte atrás de alguma revelação indiscreta ou bombástica: interessa a ela os momentos mais corriqueiros, as conversas mais simples, os sentimentos mais puros. Por isso, o público se vê acompanhando festas de aniversário, jogos de boliche, comemorações de formaturas, quase como se fosse membro da família Mason. O rapaz não tem tendências psicóticas, nem esconde alguma tara inconfessável: é um rapaz banal, quase desinteressante. E é precisamente nessa aparente falta de interesse que reside a genialidade do filme.

Houve gente que reclamou da falta de roteiro e de sua lembrança entre os indicados à melhor edição ao Oscar deste ano. É de se perguntar a concepção de roteiro que essas pessoas tem, uma vez que Linklater faz, diante dos olhos dos espectadores, o milagre de transformar água em vinho, ou seja, tornar atraente, emocionante e transcendente tudo aquilo pelo qual todos passam sem dar maior importância. Tornar fascinante um diálogo sobre o cotidiano não é tarefa das mais fáceis, assim com também não o é condensar mais de uma década de vida em pouco mais de 160 minutos, e Richard faz tudo isso com uma sensibilidade à flor da pele, que transborda em cada quadro. É brilhante a forma como ele conduz sua narrativa sem supervalorizar nenhum momento, como se cada dia, por mais insignificante que pareça, fosse imprescindível à sua trama. E é extraordinário como ele consegue fazer com que tudo pareça tão verdadeiro também com seus atores. O público acompanha, fascinado, o processo de amadurecimento não só de Mason mas também de seus pais, duas pessoas complexas e multidimensionais o bastante para justificar a presença de Hawke e Arquette entre os candidatos à estatueta de 2015. Arquette, principalmente - que se viu impossibilitada de fazer qualquer cirurgia plástica durante os anos de filmagem para dar mais veracidade à personagem - brilha como nunca na carreira, na pele de uma mulher de extrema fragilidade emocional que contrasta com sua fervorosa fé no amor e na felicidade conjugal.

"Boyhood" tem tudo para sair vencedor na cerimônia do próximo dia 22 de fevereiro. Como cinema, é um exemplo de que orçamentos monstruosos não são necessários quando se tem amor e fé em um projeto. Como candidato, tem o aval dos eleitores do Golden Globe, do BAFTA (o Oscar britânico) e de algumas das mais importantes associações de críticos americanos (Boston e Chicago, por exemplo). Mas é como retrato da vida que ele mais se destaca. Se é um prazer acompanhar a vida de Mason, é porque Richard Linklater conseguiu o que parecia impossível: traduzir em imagens a vida, com seus altos e baixos, seus sorrisos e lágrimas, com seus dias de sol e noites de tempestade. Há quem não entenda o valor dessa simplicidade e prefira uma profusão de efeitos visuais e personagens irreais. Eles não sabem o que estão perdendo.

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