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CAROL

Posted by Clenio on 22:53 in
O nome de Patricia Highsmith nos créditos, como autora do romance que deu origem ao filme, pode fazer pressupor que "Carol" é uma trama policial - afinal, Highsmith é conhecida por ter escrito os livros protagonizados por Tom Ripley (já interpretado nas telas por Alain Delon, Matt Damon e John Malkovich). Porém é bom que o espectador se informe antes de arriscar uma sessão do novo filme de Todd Haynes - que assinou o singelo "Longe do paraíso" e os cultuados "Velvet goldmine" e "Não estou lá". Um romance homossexual delicado, elegante e minimalista, "Carol" começou a temporada de premiações como uma espécie de franco-favorito ao Oscar, mas acabou ficando de fora dos indicados à estatueta de melhor filme, para surpresa e revolta de muitos. Ainda está no páreo em 6 categorias (atriz, atriz coadjuvante, roteiro adaptado, fotografia, trilha sonora e figurino), mas sua exclusão não deixa de ser uma injustiça sem tamanho, já que é, sem dúvida, um dos trabalhos mais fascinantes e adultos de um ano que emplacou blockbusters ("Perdido em Marte"; "Mad Max, estrada da fúria"), produções pequenas ("Brooklyn"; "O quarto de Jack") e novos trabalhos de cineastas consagrados ("Ponte de espiões"; "O regresso").  Preconceito com o tema? Talvez. Mas é mais provável que realmente seja a falta de sensibilidade de parte da Academia em relação a filmes menos óbvios e previsíveis.

Sob o comando sutil e de extremo bom-gosto de Haynes - eleito o melhor diretor do ano pelo National Board of Review, pelos críticos de Nova York e pela Associação de Críticos dos EUA - "Carol" é uma história de amor baseada em olhares, suspiros e sentimentos profundos, o que contraria as expectativas de qualquer um que procure no filme qualquer fetichização do lesbianismo, ainda que Cate Blanchett e Rooney Mara sejam belas o bastante para transformar as cenas de sexo em sequências esteticamente perfeitas - cortesia da fotografia impecável de Ed Lachman. Situada na charmosa Manhattan da década de 50, a história de Highsmith - publicada pela primeira vez em 1952 com o título "The price of salt" - tem início quando a socialite que dá nome ao filme (interpretada por uma mais vez irretocável Cate Blanchett) conhece a jovem Therese (Rooney Mara), balconista de uma loja de departamentos que sonha em tornar-se fotógrafa. Apaixonada pela moça, Carol inicia um jogo de sedução que acaba por levá-las a um intenso caso amoroso. O problema é que seu ex-marido, Harge (Kyle Chandler, muito bom), não está nada disposto a aceitar a situação, e usa sua filha pequena como arma de negociação.

Contando sua história sem pressa e da forma mais delicada possível - o que inclui as interpretações suaves e serenas das protagonistas mesmo quando no ápice do desespero - Todd Haynes confirma sua vocação em tratar de assuntos polêmicos sem apelar para a vulgaridade ou o excesso. Pontuada pela trilha sonora deslumbrante de Carter Burwell (parceiro habitual dos irmãos Coen) e valorizada pela reconstituição de época inebriante (o figurino de Sandy Powell merece o Oscar a que concorre), a história de amor entre Carol e Therese também encontrou em suas atrizes centrais as intérpretes ideais. Enquanto Cate Blanchett desfila sua classe e segurança em cada polegada de celulóide, Rooney Mara faz esquecer em poucos segundos, com sua fragilidade física, sua personagem até então mais conhecida, a corajosa Lisbeth Salander de "Os homens que não amavam as mulheres": suas indicações ao Oscar são absolutamente merecidas (ainda que Mara não seja coadjuvante) e sua química preenche a tela sempre que estão juntas. Alguns até podem dizer que o roteiro não aprofunda a relação entre elas, mas será que são necessárias palavras quando olhos e corpos podem falar muito melhor?

"Carol" é um belíssimo filme. Suave, sereno, delicado, quase um filme de arte - o que pode impedí-lo de cair no gosto do público comum. Um belo exemplar de cinema romântico adulto e sensorial, que ainda tem a audácia (feliz) de surpreender com um final que foge de todos os clichês do gênero. Bravíssimo!

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OS OITO ODIADOS

Posted by Clenio on 23:49 in
Já é até rotina: a cada filme novo de Quentin Tarantino que chega às telas o mundo se divide entre aqueles que o incensam como um dos mais originais e inventivos cineastas norte-americanos já existentes e aqueles que questionam seu talento e criatividade, lançando mãos de críticas que - vá lá - até fazem certo sentido sob determinados pontos de vista. Porém, a verdade é que, independente do fato de gravitar sempre em um universo todo particular (aparentemente localizado em algum lugar entre os anos 70 e 80 e povoado de filmes de baixo orçamento e roteiros pra lá de bizarros), Tarantino é um dos poucos diretores em atividade no cinema americano ainda capazes de suscitar tanta discussão e despertar tanto interesse da mídia, do público e da crítica. E não poderia ser diferente em relação a "Os oito odiados", seu oitavo longa, que correu o sério risco de jamais ver a luz dos projetores quando teve seu roteiro vazado antes mesmo da fase de pré-produção. Furioso com o imprevisto - e coberto de razão - Tarantino quase desistiu do projeto mas, convencido pelo amigo Samuel L. Jackson (apaixonado pela história e pelos personagens), voltou atrás na decisão. Sorte dos fãs inveterados (que encontrarão no filme, em versão exagerada, tudo que o diretor sempre ofereceu em seus trabalhos anteriores) e azar dos detratores (que, se arriscarem uma sessão, podem correr o risco de uma overdose de longos diálogos, sangue aos borbotões e maneirismos técnicos que a tantos agrada e a tantos outros repele).

Revisitando um gênero caro à sua memória afetiva, o western (que já havia homenageado com propriedade no ótimo "Django livre"), Tarantino acrescenta a "Os oito odiados" um clima de mistério à Agatha Christie e um tom teatral que enfatiza como nunca sua facilidade absurda de criar diálogos inspiradíssimos e personagens antológicos em situações extremas. Situando sua trama em um período imediatamente posterior à Guerra de Secessão, o diretor joga o público direto no gélido frio do Wyoming, onde a diligência do caçador de recompensas John Ruth (Kurt Russell em um grande momento da carreira) encontra um concorrente, o famoso Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson mostrando porque é um dos maiores atores americanos de sua geração, especialmente quando dirigido por Tarantino). Warren pede que Ruth lhe dê uma carona (e aos cadáveres que ele pretende trocar por uma gorda quantia de dólares) até a cidade de Red Rock e não demora para juntar-se a ele e à sua prisioneira, Daisy Domergue (a sensacional Jennifer Jason Leigh) na difícil viagem rumo a seu destino. Domergue é uma assassina procurada que Ruth tem a intenção de entregar ao carrasco de Red Rock e todos eles se surpreendem quando, ainda no caminho em direção à cidade, eles dão de cara com Chris Mannix (Walton Goggins), que alega ser o novo xerife do local e que também pede ajuda para chegar até lá.

No meio do caminho, devido a uma nevasca, a diligência se vê obrigada a fazer uma parada inesperada na estalagem de Minnie Mink (Dana Gourrier), uma conhecida de Warren que, em viagem para visitar a mãe, deixou o local aos cuidados do mexicano Bob (Demian Bichir). Juntando-se aos demais hóspedes também presos na hospedaria - o carrasco Oswaldo Mobray (Tim Roth), o lacônico Joe Gage (Michael Madsen) e o veterano General Sandy Smithers (Bruce Dern) - os novos visitantes não demoram a perceber um clima de tensão e desconfiança no ar. O que ninguém sabe, porém, é que os comparsas de Daisy não tem a menor intenção de permitir que ela seja entregue e enforcada, e que tem um plano elaborado para resgatá-la antes de sua chegada a Red Rock. Caberá então ao perspicaz Major Warren descobrir quem do grupo reunido na hospedaria está ao lado da temida e debochada assassina.

"Os oito odiados" é Tarantino do primeiro frame - os créditos com o mesmo design dos letreiros já trai suas origens - ao último minuto - que chega somente depois de quase três horas de duração. Muitos reclamam da demora em começar a ação propriamente dita (tiros, sangue, violência), mas é difícil sentir-se incomodado ao ver em cena atores tão fantásticos - Samuel L. Jackson, Michael Madsen, Tim Roth, Bruce Dern e Jennifer Jason Leigh (os três primeiros repetindo a parceria com o diretor e Jennifer concorrendo merecidamente ao Oscar de coadjuvante) - desfilando seu talento pela tela. Com o auxílio luxuoso da bela trilha sonora de Ennio Morricone e da fotografia de Robert Richardson (ambos também concorrentes ao Oscar), o filme realmente aparenta ter um problema de ritmo - só depois de uma hora e meia é que as coisas realmente começam a acontecer - mas basta olhar com atenção para perceber que nada é por acaso, nenhum diálogo é supérfluo e a longa duração serve para mergulhar o espectador na tensão indispensável ao clímax sanguinolento, de dar inveja à carnificina de "Cães de aluguel", filme de estreia de Tarantino e que o colocou, de primeira, no coração dos cinéfilos e da crítica.

Com uma violência estilizada que enfatiza seu humor nigérrimo - Jennifer Jason Leigh passa o filme inteiro apanhando, para horror das feministas - e o tom politicamente incorreto que sempre caracterizou a obra do diretor, "Os oito odiados" é a cara de seu criador. Não é uma obra-prima como "Pulp fiction, tempo de violência" ou "Bastardos inglórios", mas é mais uma declaração incontestável de um estilo cinematográfico que já está indelevelmente marcado na cultura popular norte-americana e mundial há pelo menos duas décadas, quer se goste ou não. Falem bem ou falem mal, é impossível ficar indiferente a um filme de Quentin Tarantino. E de quantos artistas se pode dizer o mesmo hoje em dia?

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SPOTLIGHT - SEGREDOS REVELADOS

Posted by Clenio on 21:16 in
A referência mais óbvia é "Todos os homens do presidente", filme de 1976 sobre a investigação promovida pelos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein a respeito do Caso Watergate e que resultou na renúncia do então presidente norte-americano Richard Nixon - e, levando-se em consideração que o filme de Alan J. Pakula já pode ser considerado um clássico moderno, é uma comparação das mais lisonjeiras. O fato, porém, é que "Spotlight - segredos revelados"consegue ser ainda mais contundente em sua denúncia do que o premiado trabalho estrelado por Dustin Hoffman e Robert Redford. Ao narrar as aventuras de um grupo de estoicos e dedicados jornalistas do Boston Globe que revelaram ao mundo a forma como a Igreja Católica encobriu centenas de casos de pedofilia envolvendo padres durante décadas, o filme de Tom McCarthy - que também é ator e assinou como cineasta o sublime "O visitante" e do tenebroso "Trocando os pés", com Adam Sandler - conduz o espectador por um fascinante retrato do jornalismo investigativo, capaz de deixar qualquer um com a respiração suspensa do princípio ao fim.

Indicado a seis Oscar - incluindo melhor filme, direção e roteiro original - "Spotlight" já tem no currículo alguns importantes prêmios da temporada (foi eleito o melhor filme do ano pelos críticos de Los Angeles, Nova York e Boston, além de ter saído vencedor também no Critic's Choice Awards e ter ganho quase todos os prêmios de roteiro das mesmas associações). Merece cada homenagem. Ao optar por uma linguagem seca, quase documental, que evita o sentimentalismo para concentrar-se quase exclusivamente na busca incansável pela verdade a que se propõem os personagens, McCarthy se revela uma voz rara dentro do cinemão americano. Em um filme tradicional, por exemplo, os depoimentos das vítimas seriam sublinhados por uma música exagerada e enfatizada por lágrimas a granel: em "Spotlight" a edição ágil e inteligente desvia do dramalhão, cortando no momento exato em que a razão está em vias de ceder espaço à emoção excessiva. O filme de McCarthy é feito de detalhes visuais - o braço cheio de marcas de picadas de agulha de um personagem faz com que palavras sejam desnecessárias para explicá-las, assim como o rosto decepcionado de uma senhora religiosa ao ler as notícias diz muito mais sobre seus sentimentos de frustração do que discursos inflamados e panfletários. Talvez essa sobriedade imposta por McCarthy - para a qual colabora a fotografia fria de Masanobu Takayanagi e a trilha sonora discreta do veterano Howard Shore - possa incomodar a quem procura um filme mais passional, mas é inegável que tais escolhas valorizam o resultado final, o destacando como uma produção mais séria e adulta do que a maioria dos filmes em cartaz.

Outro ponto alto de "Spotlight" é seu elenco impecável, formado por atores acima de qualquer crítica. Mark Ruffalo e Rachel McAdams foram indicados ao Oscar de coadjuvantes e, apesar de suas poucas chances, representam em grande estilo os demais colegas, entre eles um Michael Keaton ressuscitado pelo sucesso de "Birdman" e Liev Schreiber quase roubando a cena como o editor do Boston Globe - que, por ser judeu, foi acusado de tentar arranhar a imagem da Igreja católica com a chocante cobertura do caso, descoberto quase sem querer e que acabou revelando-se de uma assustadora constância (até mesmo em cidades brasileiras, como mostram os letreiros finais). Dando mais uma mostra de que sua história é mais importante do que seus personagens, McCarthy equilibra com bom-senso a presença de cada ator em cena - e pouco se sabe a respeito de cada um deles, a não ser o essencial para que eles se tornem mais do que apenas peões em um jogo aterrador e triste que contrapõe o poder de uma instituição secular às necessidades essenciais de crianças e adolescentes carentes. Brutal sem ser agressivo, triste sem ser piegas e corajoso sem soar pedante, "Spotlight" não é apenas um dos melhores filmes do Oscar 2016: é um dos melhores filmes dos últimos anos, capaz de marcar época mesmo disputando a atenção com produções muito mais caras e badaladas. Cinema de primeira!

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GIGANTES

Posted by Clenio on 23:09 in
Em sua breve biografia que consta na contracapa de seu primeiro romance, "Gigantes" (Ed. Paralela), o escritor/ator/dramaturgo/roteirista Pedro Henrique Neschling revela que é fã dos autores Nick Hornby e David Nicholls. Essa é a primeira pista a respeito do que se pode esperar de seu livro de estreia, um romance leve, ágil e dotado de algumas das características mais marcantes dos autores que lhe inspiram: a abundância de referências à cultura pop, a capacidade de criar personagens de fácil identificação com o leitor e a simpatia quase incondicional a eles - por mais que sejam falíveis e pouco confiáveis em algumas de suas escolhas pessoais e amorosas. Ao narrar as aventuras de um grupo de amigos desde sua festa de formatura no ensino médio até o momento em que começam a perceber que nem sempre o futuro corresponde com a imagem que se tem dele quando se é jovem, "Gigantes" acerta no clima ameno - mesmo quando a barra pesa mais do que se poderia esperar - e na narrativa fluente e desprovida de afetações estilísticas. Pode-se dizer que é o livro ideal para se ler à beira da praia, debaixo de um guarda-sol: passa voando como a juventude de seus protagonistas.

Fernando sonha em ser diretor de cinema e já começa a história levando um fora da namorada, Duda, inconformada com o fato de ter sido traída na noite de formatura. Centrada e madura, ela aproveita o fim do romance para sair do país e, ao voltar, iniciar uma vida menos presa a planejamentos s longo prazo. Por sua vez, a responsável pelo fim do namoro, Camila, ama sua liberdade e a possibilidade de fazer pleno uso de seu corpo e de sua sexualidade - o que a fará enfrentar sérias crises em seus relacionamentos. Lipe é o melhor amigo de Duda, e se divide entre o orgulho por ser gay e o medo da reação do pai, um homem conservador com quem mantém um relacionamento quase distante. E Zidane é o cuca-fresca da turma: adepto de fumar maconha e membro de uma banda de ska e punk, equilibra sua existência entre a carreira musical sempre aquém do esperado, sexo com toda e qualquer mulher que porventura cruze seu caminho e o dia-a-dia com a mãe que ainda o sustenta.

Com capítulos curtos que intercalam as trajetórias dos personagens rumo à maturidade que nem sempre chega, "Gigantes" é um romance de fácil diálogo com o leitor que procura um entretenimento rápido e elegante. Neschling constrói uma narrativa veloz como a geração que retrata, quase sem dar tempo para eventuais respiros. Ler seu livro é como assistir a um filme editado de forma a não permitir descanso aos olhos, embalado por uma trilha sonora rock'n'roll e povoado por gente de verdade, que sabe a dor e a delícia de ser quem é. Não é uma obra que pretende ser mais do que é - um romance de estreia que aponta um escritor promissor - e tem a enorme vantagem de comunicar-se com grande sucesso com seu público-alvo, apesar de escorregar na superficialidade em determinados pontos. Não deixa de ser um belo e bem-sucedido primeiro passo!

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