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45 ANOS

Posted by Clenio on 21:52 in
Todo ano é a mesma coisa: assim que a lista de indicados ao Oscar é divulgada, fãs de cinema partem em defesa de seus preferidos, acusam injustiças e questionam tanto omissões quanto lembranças indevidas (este ano a questão maior é a ausência de atores negros entre os candidatos, polêmica que a farta premiação para atores afro-americanos no Screen Actors Guild ajudou a fomentar). Mas é inegável que a Academia, mesmo com mancadas fenomenais (Jennifer Lawrence de novo? E por aquela coisa sem graça chamada "Joy: o nome do sucesso"?), de vez em quando acerta em cheio ao pelo menos indicar atores e atrizes realmente talentosos - ainda que eles surjam como coadjuvantes de uma festa ainda predominantemente norte-americana, cujos critérios de premiação são no mínimo questionáveis e centrados em parâmetros mais mercadológicos do que artísticos. Foi assim que a grande Emmanuelle Riva chegou ao páreo pelo devastador "Amor", na cerimônia de 2013 e o excelente Bruce Dern concorreu a melhor ator por "Nebraska", em 2014. Este ano, quem preenche a cota de grandes nomes a buscar uma chance de concorrer com atuações mais hypadas que geniais - a favorita Brie Larson, de "O quarto de Jack" não é tão fantástica quanto os tapetes vermelhos fazem crer - é a veterana Charlotte Rampling. Na pele de Kate Mercer, uma professora aposentada que passa a questionar as verdades do seu casamento às vésperas de comemorar os quatro décadas e meia de relação, a inglesa de 70 anos recém completos surge como a matriarca entre as candidatas do ano - e, se dependesse dos críticos de Los Angeles, Nova York, Boston e Londres (que a escolheram como a melhor atriz do ano), sairia vencedora do embate do próximo dia 28 de fevereiro.

Em "45 anos", que o cineasta e roteirista Andrew Haigh adaptou do conto "In another country", de David Constantine, Rampling divide a cena e os méritos com outro veterano velho de guerra, o sensacional Tom Courtenay (também homenageado pelos críticos londrinos). Eles vivem um casal de aposentados que estão se preparando para comemorar, com uma grande festa, seus 45 anos de casamento - uma comemoração unusual, mas explicada pelo fato de que ele, Geoff, estava doente cinco anos antes, quando uma recepção faria mais sentido. Morando em uma propriedade sossegada no interior da Inglaterra e levando uma vida sem maiores sobressaltos, eles compensam a falta de filhos com uma dedicação completa um ao outro e ao cachorro, Max. Sua paz e tranquilidade, porém, é alterada na segunda-feira imediatamente anterior à festa, quando Geoff recebe uma carta que o obriga a trazer seu passado para dentro de casa e de seu relacionamento: o corpo de seu primeiro amor, morta no desmoronamento de uma geleira nos Alpes Suíços há mais de cinquenta anos, foi finalmente localizado. Tocado pela notícia, ele não consegue esconder da esposa sentimentos há muito represados, e Kate, incomodada com tal reação, começa a questionar se tudo que viveu até então não é parte de um imenso engano emocional.

Construído em cima de sutilezas e emoções contidas, "45 anos" busca em seus atores o apoio necessário para contar uma história que pouco diz e muito questiona. A bomba detonada na relação - uma carta que traz um fantasma há muito enterrado e esquecido, ao menos aparentemente - não apenas desperta ciúmes em Kate: ela deflagra um processo impiedoso de dúvidas e frustrações que fazem com que todos os detalhes de sua vida sejam postos em xeque. Será que teria havido casamento se a outra não tivesse morrido? Será que Geoff a ama como amava a morta? Será que a relação não foi um erro que a fez perder a juventude com alguém que não a valoriza como ela merece? E que outros segredos ele mantém, além do fato de ter uma mala escondida com lembranças de seu antigo caso de amor? Todas essas perguntas são feitas apenas na mente de Kate - que as fustiga sem deixar de preparar a festa e manter sua rotina inalterada - e nos olhos penetrantes e reveladores de Charlotte Rampling, em uma atuação que mais do que justifica sua indicação ao Oscar.

Com um ritmo europeu - leia-se sem a pressa quase caleidoscópica do cinema hollywoodiano - "45 anos" atravessa a tela de forma contemplativa, valorizando o cenário bucólico e o drama de seus protagonistas sem apelar para cenas de leitura fácil e imediata. Até mesmo a escolha de sua música-tema, a bela "Smoke gets in your eyes", não é gratuita, emprestando à canção dos Platters uma nova camada de significados que combina à perfeição com a trama proposta e o clima nostálgico e melancólico do filme. A direção de Andrew Haigh também é extremamente correta, ao deixar nas mãos de seus atores o mais importante de tudo: a compreensão absoluta dos personagens e de seus dramas. E como esses atores são Rampling e Tom Courtenay, não tem erro: é impossível não se deixar envolver e emocionar com a bela e simples história de Kate e Geoff - e ficar impressionado com a cena final, de uma delicadeza e uma dor raras no cinema da atualidade. Um grande filme, com grandes atores. Pena que não é para qualquer um!

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