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STEVE JOBS

Posted by Clenio on 19:49 in
Em 2013, o filme "Jobs", estrelado por Ashton Kutcher chegou às telas e não fez nenhum barulho - ao menos positivo, já que naufragou nas bilheterias e foi vítima de críticas inclementes, muitas delas merecidas, outras exageradas. Portanto, quando foi anunciado que uma nova cinebiografia do empresário Steve Jobs seria produzia, todo mundo ficou se perguntando a necessidade de tal insanidade. Aos poucos, porém, as notícias foram ficando boas. O roteiro seria de Aaron Sorkin - vencedor do Oscar por "A rede social". A direção poderia ser de David Fincher - que também comandou a história da criação do Facebook. E Jobs seria interpretado por Christian Bale, um ator com muito, mas muito mais recursos do que o ex-marido de Demi Moore. O tempo foi passando e as coisas foram mudando. Fincher pulou fora do barco por exigir um salário maior do que o oferecido e o controle total sobre a montagem, deixando o projeto nas mãos de Danny Bolye (vencedor do Oscar por "Quem quer ser um milionário?"). Bale foi substituído por Leonardo DiCaprio - até que este também voltasse atrás e fosse filmar "O regresso", com Alejandro G. Iñarrítu - e finalmente o papel central chegou às mãos de Michael Fassbender. Como diz o ditado, há males que vem pro bem. Na pele de Fassbender - um dos maiores atores em atividade no cinema mundial - Steve Jobs ganhou consistência dramática, humanidade e uma das mais fascinantes atuações do ano. Não estivesse disputando o Oscar com o próprio DiCaprio (que tem a seu favor uma espécie de campanha mundial), o ator alemão preferido do cineasta Steve McQueen com certeza já poderia ensaiar seu discurso de vitória.


Usando e abusando de seu talento como dramaturgo premiado, Sorkin não hesita em ignorar solenemente o tradicional esquema das cinebiografias, preferindo contar sua história como se fosse uma peça de teatro dividida em três atos, com estruturas similares, conflitos em constante evolução e um final que coroa sem sombra de dúvida o talento dos atores envolvidos no projeto. Não apenas Michael Fassbender dá um show particular - emulando mais do que o visual de Jobs, mas dando a ele principalmente uma alma, por mais tortuosa que possa parecer - mas tem a seu lado uma sempre impecável Kate Winslet (irreconhecível nas primeiras cenas), o cada vez melhor Jeff Daniels e um surpreendente Seth Rogen que deixa de lado seu timing cômico para viver Steve Wozniak, um dos primeiros sócios do protagonista - e dono de alguns dos melhores diálogos do filme, em especial quando ambos discutem na frente de dezenas de testemunhas e deixam claro o status de sua relação de amizade. Danny Boyle é um diretor talentoso e criativo - seus primeiros filmes, como "Cova rasa" e "Trainspotting, sem limites", deixam isso bem claro a qualquer um que quiser tirar a dúvida - e acerta em não tentar imprimir ao filme sua personalidade muitas vezes mais forte que a história. Dessa vez, ele apenas deixa que sua câmera passeie pelos bastidores dos eventos de lançamento dos produtos de Jobs, testemunhando em silêncio suas brigas internas e externas (em diálogos ágeis e inteligentes que podem até aborrecer aos mais inquietos mas que soam como bálsamo aos fã de palavras e bons intérpretes).

O filme começa em 1984, quando Jobs está em vias de lançar seu Macintosh, primeiro produto da Apple a chegar ao mercado depois do lançamento da Apple II, sete anos antes. Enquanto aguarda o momento de entrar no palco, ele precisa lidar com a visita de uma antiga namorada, Chrissan (Katherine Waterston) - que o pressiona a assumir a paternidade de sua filha de cinco anos de idade - e do antigo sócio Steve Wozniak (Seth Rogen), que pede a ele que agradeça seus antigos colegas no discurso de lançamento. Quatro anos mais tarde, depois do fracasso do Macintosh (que o obrigou a abandonar a Apple), ele retorna à mídia com o lançamento de outra marca, a NeXT, e mais uma vez se vê às voltas com os problemas da paternidade (que finalmente reconheceu) e com o antigo sócio - mas dessa vez também vem à tona os conflitos com John Sculley (Jeff Daniels), que o demitiu da Apple no que ele considera um ato de traição. Em 1998, quando está em vias de lançar o hoje clássico iMac, os problemas ainda existem: sua filha, adolescente, se rebela contra a figura paterna, seus amigos e sócios não aceitam sua personalidade forte e o histórico de inconstâncias em sua trajetória o faz questionar sua vida e relacionamentos.

A aparente simplicidade da trama de "Steve Jobs" não deve ser vista como demérito: a opção de Aaron Sorkin em concentrar sua atenção em momentos decisivos da vida do protagonista e a partir daí construir a ação é arriscada, mas é impossível negar que, com a ajuda da edição e da ideia de Danny Boyle em filmar cada ato em formatos diferentes como forma de ilustrar a evolução da tecnologia da Apple nos dezesseis anos que separam o primeiro do último (16mm, 35mm e digital) sua estrutura acaba por revelar-se genial. O interesse de Sorkin e Boyle não é pelo empresário Steve Jobs e seus triunfos e derrotas, e sim pelo homem por trás de tanta polêmica. Ao filtrar todos os excessos e concentrar seu foco nas dubiedades de seu protagonista, eles não apenas oferecem a Michael Fassbender um personagem arrebatador (e do qual ele se desincumbe com louvor) como entregam à plateia um trabalho diferenciado, que foge dos clichês narrativos. Os jornalistas que lhe deram o Golden Globe de melhor roteiro talvez tenham entendido melhor suas intenções do que os eleitores da Academia, que lhe negaram até mesmo uma indicação na categoria.

Não é todo mundo que vai gostar de "Steve Jobs". Sua narrativa não-convencional, sua recusa em abraçar o previsível e até sua opção em dar mais importância aos diálogos do que a movimentos criativos de câmera fazem com que ele nade contra a corrente do que se espera de um filme comercial. Mas são justamente essas características que o elevam acima da média no gênero. Um filme inteligente e ousado, estrelado por um dos maiores atores de nosso tempo. Precisa mais?

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