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NOCAUTE

Posted by Clenio on 19:58 in
Hollywood adora um ringue de boxe. Volta e meia cineastas de calibres diversos (Martin Scorsese, Clint Eastwood,  Sylvester Stallone, David O. Russell) voltam seu olhar para dentro do universo do esporte, utilizando histórias de superação e violência como metáforas para lutas internas ou simplesmente como forma de agradar a um público sempre sedento por sangue, suor e lágrimas (o clichê é perdoável, uma vez que a receita dos filmes do gênero, via de regra, conta sempre com tais elementos). E se Robert De Niro, Hillary Swank e Christian Bale já levaram até um Oscar por retratarem lutadores, a lista de atores premiados tem chances de aumentar na próxima cerimônia da Academia, se o nome de Jake Gyllenhaal estiver na lista dos indicados. Seu desempenho como Billy Hope, protagonista de "Nocaute" - dirigido por Antoine Fuqua, que já levou Denzel Washington à estatueta, por "Dia de treinamento" - é a melhor coisa do filme, surgido como veículo para o rapper Eminem e alterado substancialmente para dar ao eterno Donnie Darko mais uma oportunidade de provar-se um dos melhores atores de sua geração. Irreconhecível e intenso, Gyllenhaal engole cada cena, mas esbarra na inconsistência do roteiro recheado de clichês e em um final anticlimático que trai a mediocridade do cineasta em explorar todas as possibilidades da história.

Billy Hope é um boxeador bem-sucedido, que vive cercado de luxo em sua mansão, ao lado da bela e dedicada esposa, Maureen (Rachel McAdams) e da filhinha pequena, Leila (a revelação Oona Laurence). Porém, sua rivalidade com outro atleta, Miguel 'Magic' Escobar (Miguel Gomez) acaba provocando uma inesperada tragédia que afeta violentamente sua vida. Em severa depressão e desprovido de todos os seus bens - assim como da guarda da filha - Hope resolve recomeçar sua vida trabalhando na academia de boxe do veterano Tick Wills (Forest Whitaker). É lá, novamente em seu habitat natural, que ele tentará dar a volta por cima, ao aceitar o desafio de seu maior desafeto para retornar aos ringues.

Sim, a trama é a mesma de nove entre dez filmes do gênero, e nem a direção de Fuqua nem o roteiro de Kurt Sutter tentam disfarçá-la com novos elementos. O que importa, mesmo, é o segundo trabalho consecutivo impecável de Jake Gyllenhaal - ano passado ele brindou a todos com seu inacreditável "O abutre" - e, como não poderia deixar de ser, a extrema competência da edição, da fotografia e do som, que mergulham o espectador na dor do protagonista mesmo que o excesso de lugares-comuns transforme a sessão em um perigoso exercício de dèja-vu. Para quem é fã incondicional do esporte (ou dos filmes que o utilizam como pano de fundo) é imperdível. Para o resto do público, é aplaudir a atuação de Gyllenhaal e esquecer que essa história já foi contada diversas outras vezes de forma mais interessante.

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QUE HORAS ELA VOLTA?

Posted by Clenio on 22:10 in
Quem conhece Regina Casé apenas como apresentadora de TV - de um programa de gosto duvidoso, aliás - deve ter tomado um susto e tanto quando soube de seu prêmio de melhor atriz no Festival de Sundance, criado por Robert Redford nos anos 80 para incentivar a produção de filmes independentes e de baixo orçamento. O fato é que Regina - cria do anarquista grupo teatral "Asdrúbal trouxe o trombone", que também revelou Luiz Fernando Guimarães e Evandro Mesquita, entre outros - é uma atriz superlativa que poucas vezes teve a oportunidade de mostrar seu grande talento dramático. O cinema deu uma mostra disso no bem-humorado "Eu, tu, eles", de Andrucha Waddington, mas é com "Que horas ela volta?", de Anna Muylaert - que lhe deu o reconhecimento internacional recente - que ela realmente faz as pazes com a tela grande, com um trabalho precioso e delicado que a apresenta à nova geração como uma grande atriz, capaz de emocionar e fazer rir com a mesma facilidade - e sem precisar apelar para os cacoetes intragáveis do novo cinema comercial brasileiro. Além disso, o filme de Muylaert - acertadamente escolhido para representar o Brasil na busca por uma indicação ao Oscar - tem a seu favor a inteligência de retratar nas telas uma realidade social das mais urgentes e negligenciadas por nossos cineastas: as relações entre patrões e empregadas domésticas.

Tudo bem que em "Domésticas, o filme", Fernando Meirelles e Nando Olival, já haviam elegido integrantes da classe como protagonistas, mas, baseados em uma peça teatral de Renata Melo, eles investiram na comédia de situações, sem aprofundar as questões sociais inerentes ao tema - coisa que o documentário "Doméstica", de Gabriel Mascaro fez com um pouco mais de propriedade ao acompanhar a rotina de um grupo de empregadas sob o ponto de vista dos filhos dos patrões. No filme de Muylaert, porém, a discussão que contrapõe o profissional e o afetivo nas interrelações entre uns e outros é o ponto nevrálgico: contando a história da encantadora Val, que abdica da convivência com a própria filha para dedicar-se a ajudar na criação do filho dos patrões, o roteiro da diretora toca de forma contundente em um nervo sensível da sociedade brasileira – mas o faz com tanto carinho e delicadeza que é impossível não se deixar envolver pelo filme logo nos primeiros minutos.

Sim, apesar de tocar em feridas que muita gente prefere esconder debaixo de uma hipocrisia velada  e disfarçadas pelo velho conhecido termo "quase da família", "Que horas ela volta?" é, acima de tudo, um filme. Engraçado em alguns momentos, comovente em outros, mas sempre relevante e artisticamente competente. Regina Casé, como dito antes, brilha com uma personagem que é a cara de um Brasil que se viu, nos últimos anos, diante de possibilidades inéditas (ou bastante raras) de melhorar de vida - ou de ter uma para chamar de sua. Casé vive a protagonista com uma sinceridade à flor da pele e encontra na jovem Camila Márdilla (com quem dividiu o prêmio de Sundance) uma parceira de cena à altura: na pele de Jessica, a filha que Val deixou no Nordeste há dez anos e que chega à São Paulo para prestar vestibular, ela surge como o agente catalisador de mudanças até então impensadas por sua mãe, cega por anos de uma submissão quase cega à família com a qual trabalha.  É lógico que os questionamentos de Jessica a respeito de tal status quo passam a incomodar aqueles que estão confortáveis e é aí que o filme se engrandece: dura, mas sem perder a ternura jamais, a cineasta imprime em detalhes sutis o rompimento gradual da tênue falácia que sempre manteve Val amarrada à sua "segunda família": graças ao comportamento de Jessica, distante dos preceitos e regras com quem conviveu por mais tempo do que gostaria, a doméstica passa a enxergar com os olhos da realidade sua verdadeira relação com os patrões, cujo conceito de família difere muito da forma como eles a tratam. 

Com uma direção precisa de Anna Muylaert - que compõe cenas onde o abismo entre os personagens se mostra explícito através de enquadramentos suaves - e um roteiro que se equilibra entre o riso e a lágrima suave, "Que horas ela volta?" é uma produção capaz de entreter sem deixar de lado a intenção de fazer um retrato fiel de uma parcela da sociedade normalmente relegada a papéis coadjuvantes e/ou puramente cômicos. Ainda é cedo para penar em Oscar, mas seja qual for seu futuro, é um filme de dar orgulho ao cinema nacional.


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