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A BALADA DE ADAM HENRY

Posted by Clenio on 17:33 in
De um lado, Fiona Maye, juíza do Tribunal Superior especializada em casos de família e passando por uma grave crise matrimonial às vésperas de completar sessenta anos de idade. De outro, Adam Henry, um adolescente de dezessete anos, diagnosticado com leucemia e impedido pelos pais - testemunhas de Jeová - de receber uma transfusão de sangue que poderá salvar sua vida. Entre eles, dogmas religiosos rígidos, leis nem sempre flexíveis aos novos tempos e a sensação de que não há verdades absolutas na vida - e que cada decisão, por mais dolorosa que pareça, pode deflagrar consequências imprevisíveis. Dotados de extrema sensibilidade e verossimilhança, Fiona e Adam são os protagonistas de "A balada de Adam Henry" (Ed. Companhia das Letras), mais uma emocionante obra do inglês Ian McEwan, já acostumado a brindar os fãs de sua prosa com tramas simples aliadas a personagens complexos e fascinantes. Em menos de 200 páginas, o homem por trás de "Reparação" e "Na praia" e "Amor sem fim" - entre outros romances marcantes e inteligentes - consegue um feito e tanto: tira seus personagens das páginas e os coloca diante do leitor, transcendendo suas limitações como obra de ficção para se que tornem pessoas reais, passíveis de todos os defeitos e qualidades que fazem da raça humana matéria-prima ideal para escritores de talento.

Quando o livro começa, Fiona está sendo abandonada pelo marido, que parte em busca de realização sexual e romântica com uma mulher mais jovem e menos comprometida a mudar o mundo como ela faz em sua profissão. Amargurada com o fim do relacionamento mas dotada de uma mea-culpa que a impede de afundar em depressão, ela dá continuidade à sua rotina, que consiste em dar o veredicto em casos que envolvem frequentemente disputas de guarda de menores, pensões e divórcios complicados. Um caso mais complicado, porém, surge em sua frente quando um hospital londrino entra na justiça para garantir o tratamento de um jovem cuja crença religiosa pode levá-lo à morte. A decisão é difícil: não apenas os pais de Adam Henry apelam para a Bíblia para justificar sua recusa em aceitar a transfusão de sangue que poderá salvar sua vida, mas o próprio paciente insiste em seguir à risca a palavra de Deus que aprendeu desde os primeiros anos de vida. Para tomar uma decisão tão importante, Fiona resolve visitar o rapaz no hospital e surge entre eles uma empatia que ultrapassa os limites do tribunal. E a partir desse primeiro encontro, ambas as vidas passarão por transformações quase radicais.

Ian McEwan não é um escritor que se utiliza de grandes acontecimentos ou grandes viradas em seus romances. Sua inspiração são os sentimentos mais profundos, os pequenos detalhes transformados em turbilhões emocionais, a força que tem origem no medo e no desespero. "A balada de Adam Henry" é norteado por tais características, entremeadas pela música que acompanha Fiona em sua jornada e pela descrição de casos importantes julgados por ela em sua carreira - assim como de outros colegas que dividem com ela a responsabilidade de julgar com imparcialidade os destinos de pessoas desconhecidas e em estado de tensão absoluta. Intercalando longos momentos de introspecção da protagonista com alguns diálogos brilhantes acerca de assuntos tão díspares quanto poesia, vida, religião e direito, McEwan parece não ter dificuldade em seduzir o leitor mesmo quando não faz nada a não ser descrever poeticamente as ruas e edifícios por onde transitam seus personagens. O que em alguns escritores soa como prolixidade, em suas mãos se revela como parte essencial da narrativa, o reflexo da alma dos personagens em sutis metáforas de só mesmo um autor do seu porte é capaz.

"A balada de Adam Henry" pode parecer pequeno a um leitor desavisado e acostumado com calhamaços que muito papel usam e pouco dizem ao intelecto. Mas sua aparência engana muito. É (mais um) grande livro de Ian McEwan, para ler e reler sempre.

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NÓS

Posted by Clenio on 17:08 in
Conhecido dos leitores principalmente graças ao lírico "Um dia", que virou filme estrelado por Anne Hathaway e Jim Sturgess em 2011, o inglês David Nicholls tem uma formação em teatro, televisão e cinema, o que explica a maneira fluida e ágil de sua narrativa, que seduz o leitor pela construção bem-humorada e sensível de seus personagens - invariavelmente pessoas normais, com problemas e alegrias banais que se tornam maiores que a vida graças ao verniz de carinho e compaixão com que ele as reveste. Seguindo a trilha aberta pelo conterrâneo Nick Hornby nos anos 90 - uma mistura acertada entre cultura pop contemporânea, histórias leves mas nunca rasas e um olhar atento às grandezas e mesquinharias do ser humano - Nicholls chega agora à sua quarta obra publicada no Brasil, novamente pela editora Intrínseca. "Nós" apresenta mais uma vez todas as qualidades de suas obras anteriores, e ainda convida o leitor a embarcar em uma jornada cultural por uma Europa que, mais que mero cenário, é um reflexo dos altos e baixos de uma história de amor e perda capaz de ressoar a qualquer um que já tenha se apaixonado na vida.

Em uma escrita que praticamente obriga o leitor a imaginar um filme em sua mente, David Nicholls apresenta logo em seu curto e preciso primeiro capítulo o dilema que irá atravessar toda a trama de seu novo livro: o bioquímico Douglas Petersen é acordado no meio da madrugada por sua esposa Connie, com quem vive há mais de vinte e cinco anos, para receber a notícia de ela "acha que quer se separar" - uma notícia melhor do que assaltantes invadindo sua casa, certamente, mas chocante o bastante para que ele passe a considerar a viagem à Europa programada pela família - completada pelo irascível adolescente Albie, em vias de começar a faculdade - como sua grande chance de mudar o jogo. Enquanto Connie vê as férias como a possibilidade de apresentar ao filho fotógrafo as grandes obras de arte expostas no museu do Velho Mundo (apesar do desinteresse explícito do rapaz), Douglas se agarra a elas como a uma tábua de salvação. Longe de sua rotina e das prováveis causas da frustração de sua esposa - por quem é ainda loucamente apaixonado - ele acredita cegamente que tudo poderá mudar e, para isso, inicia uma incansável jornada pessoal para reconquistá-la e ao amor de seu filho, com quem mantém um relacionamento mais distante do que gostaria.

De Paris à Barcelona - passando por Amsterdã, Munique, Veneza, Florença e Madri - Douglas Petersen se mostra dono de um inesgotável e quase patético otimismo, enquanto relembra todo o caminho que percorreu até chegar ao presente e triste momento. Enquanto tenta reconstruir a base de seu casamento (uma relação forjada a momentos de intensa felicidade e dolorosas provas de amor), ele divide com o leitor todos os seus sentimentos de desespero, angústia e medo, sem jamais, porém, perder um senso de humor mordaz e quase melancólico. Deslocado do universo do filho rebelde e ameaçado seriamente de perder para sempre a mulher que ama, ele acaba por se munir de uma força gigantesca para unir os pedaços da família, que parece tão destruída quanto as ruínas do velho continente. E como se não bastasse, até mesmo as obras de arte - cujo significado ele conhece apenas pelos guias impressos que carrega como talismãs - parecem comentar sua via-crúcis, como bizarras e irônicas ilustrações de seus pensamentos mais íntimos.

Divertido e emocionante, terno e sarcástico, profundo e ligeiro, "Nós" confirma, sem sombra de dúvida, o talento de Nicholls em transformar o banal em épico. Sem apelar para clichês piegas e conseguindo até mesmo criar um final surpresa coerente e caloroso, ele mais uma vez conquista pela simplicidade e pela leveza dos sentimentos humanos mais primevos. David Nicholls fala de pessoas, portanto fala de todos nós. Nós, os leitores, agradecemos sorridentes e felizes.

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ELIS REGINA - NADA SERÁ COMO ANTES

Posted by Clenio on 17:55 in ,
Insegura e autoconfiante. Diminuta em tamanho e gigante na voz. Agressiva e dócil ao sabor do vento. Estrábica, mas capaz de enxergar a dimensão do talento de nomes desconhecidos. Amiga leal e opositora feroz. Calorosa, mas perfeitamente apta a riscar de sua vida os desafetos. Generosa quando menos se esperava e defensora violenta de seu lugar ao sol. Uma mulher de extremos, que ia do amor ao ódio, do cancioneiro mais popular às mais sofisticadas armadilhas do jazz, que defendia ferrenhamente os direitos dos músicos e bateu de frente, em ocasiões distintas, tanto com a ditadura militar que via nela uma inimiga a combater quanto com os militantes de esquerda que a consideravam aliada da repressão. Muitas contradições em uma única e liliputiana figura, Elis Regina Carvalho Costa, gaúcha de Porto Alegre e brasileira por adoração, não tornou-se a maior cantora da história do país à toa. Mais de três décadas depois de sua morte - inesperada, estúpida, ainda não completamente digerida por gerações de fãs - a mulher de temperamento forte e apelido "Pimentinha" ainda arrebata os ouvintes com sua voz límpida e rascante e serve de influência e referência a qualquer cantora que tenha surgido após sua assombrosa interpretação de "Arrastão" no Festival de Música da Excelsior de 1965, um divisor de águas na história da MPB - hoje em melancólica e corajosa sobrevida graças aos esforços de alguns poucos grandes nomes que tentam respirar debaixo de uma tsunami de pagode, funk e sertanejo dos mais variados tipos. Dona de uma história que ilustra como poucas o desenvolvimento da cultura musical brasileira dos anos pós-Bossa Nova - uma história que se cruza com a truculência da ditadura, a batalha contra a americanização do som puramente nacional e o surgimento e consagração de nomes como Milton Nascimento, Ivan Lins e João Bosco (dentre tantos outros) - Elis merecia uma biografia à sua altura. Publicada em 1984, dois anos depois de sua morte (e por consequência ainda sem o distanciamento imprescindível a uma obra mais neutra e menos passional) "Furacão Elis", de Regina Echeverria, supriu a necessidade urgente de uma homenagem, mas é "Elis Regina - Nada será como antes", do jornalista Julio Maria (Editora Master Books) que deverá permanecer como a obra definitiva sobre a mulher cuja voz só não conquistou o mundo inteiro por mero acaso (e talvez falta de tempo).

Sem medo de ferir suscetibilidades ou mostrar um lado pouco admirável de uma artista que colecionou tanto fãs ardorosos quanto detratores radicais graças a seu gênio forte - muitas vezes incompreendido mas frequentemente reiterado por ações pouco louváveis - Julio Maria construiu uma biografia detalhista mas nunca aborrecida, que equilibra com raro senso literário a vida pessoal e sentimental de sua protagonista (repleta de paixões avassaladoras e brigas homéricas), sua trajetória profissional (constantemente atrelada a seus anseios de ser a melhor em seu metier) e o inevitável confronto de tais frentes, muitas vezes em uma plácida harmonia mas normalmente carregadas de uma tensão que ela devolvia a seu público em forma de versões definitivas de canções antológicas - quem não se arrepia com sua voz embargada de emoção em "Atrás da porta" deve procurar com urgência um tratamento psicológico - ou álbuns dignos de figurar na lista dos melhores do mundo - caso de "Elis & Tom", gravado em 1974 sob uma pressão psicológica por parte do maestro e com um resultado tão sensacional que por si só já bastaria para elevar Elis ao Olimpo da música internacional. Esclarecendo de vez alguns boatos maldosos que acompanharam a cantora por toda a sua vida - como o pretenso descaso que tinha por suas raízes gaúchas e a ridículo e a inconcebível teoria de que andava de mãos dadas com o governo ditatorial da década de 70 - o jornalista acerta em cheio a não dourar a pílula em outros casos menos favoráveis à sua imagem, sintomaticamente datados do início de sua carreira, quando a insegurança ainda era maior que a experiência e a tornou figura pouco querida nos bastidores de seu "O Fino da Bossa", que apresentava ao lado do amigo Jair Rodrigues (e acreditem, nem mesmo ele escapou das garras de uma ambiciosa e até então pouco diplomática jovem cantora).

Sem esconder a admiração por sua biografada, Julio Maria descreve com saborosos detalhes suas conquistas internacionais, quando botou no bolso, sem muito esforço, plateias de países tão familiarizados com a música nacional quanto com um tamborim: as de Paris - que conquistou aos 23 anos de idade cantando a brasileiríssima "Upa neguinho", de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri, e que deveria soar como grego a ouvidos acostumados a Edith Piaf e Ella Fitzgerald - tornaram-se frequentes para seu brilho atrevido, e até mesmo as do bem-comportado Festival de Montreaux, na Suíca, que rendeu-se atônita a suas estripulias vocais, em especial em um encontro inusitado com Hermeto Pascoal que deixou boquiabertos até mesmo seus músicos, acostumados à sua impressionante capacidade de transformar o impossível em algo tão natural quanto beber um copo d'água. Sempre reconhecendo o mérito artístico daqueles que ajudavam Elis a transcender o efeito de cantar, Maria não mede esforços a creditar a César Camargo Mariano (parceiro profissional e conjugal da cantora em seus anos mais férteis e criativos, além de pai de seus dois filhos caçulas, Pedro e Maria Rita) uma importância fundamental no desenvolvimento da Elis artista e a Ronaldo Bôscoli (desafeto tornado marido e pai de seu primogênito, João Marcello) a coragem de transformar um diamante bruto em joia rara, lapidando sua imagem diante do público e da mídia. Não faltam testemunhos do quanto esses dois homens - assim como outros cuja importância se limitava aos bastidores musicais - foram as pedras-de-toque para uma carreira quase irretocável - nem mesmo ela considerava seu "Viva a Brotolândia", de 1961 (uma tentativa malograda de fazer dela uma nova Celly Campello) algo digno de nota, por privá-la de ser o que ela realmente era: uma cantora de música puramente brasileira.

Suas lutas pela valorização do cancioneiro nacional - fato que a contrapôs aos então nascentes movimentos considerados traidores da pureza sonora do país, como a Jovem Guarda e o Tropicalismo, com suas guitarras elétricas e excentricidades visuais - são outro ponto crucial do livro de Julio Maria. Politicamente ativa e de consciência social eternamente a mil, Elis passava como um trator por cima de quem fosse preciso para buscar o reconhecimento devido a compositores, músicos e quaisquer artistas -  e nem mesmo esse histórico louvável a impediu de entrar como ré em um processo movido por colaboradores de "Falso brilhante", um de seus mais memoráveis shows, que borrava de forma até então inédita a linha entre teatro e música e que se transformou em uma espécie de guia para todos os espetáculos da cantora dali em diante, inclusive o ousadamente político "Transversal do tempo", que cutucava com vara curta a decadência social de um país às portas de uma anistia que traria de volta "o irmão do Henfil" que ela citava na até hoje comovente "O bêbado e a equilibrista" - que, sintomaticamente e à sua revelia, seria lembrada informalmente como o hino de um Brasil que aparentava querer riscar de sua história duas décadas de arbitrariedades e violência. Foi uma Elis política quem fez shows beneficentes para levantar fundos para os sindicatos liderados por Lula - muito antes que ele fosse seriamente considerado ao Palácio do Planalto. Foi uma Elis carregada de indignação que desafiou a polícia militar do Recife cobrando a soltura de um seminarista preso e torturado. Foi uma Elis chocada com um preconceito hipócrita que fez escândalo em um hotel que se recusava a hospedar dois de seus músicos, negros como Toni Tornado, com quem dividiu orgulhosamente um palco mesmo sabendo dos riscos de tal atitude diante daquele Brasil que não conhecia - ou fingia não conhecer - o Brasil. E foi uma Elis inesperadamente compassiva que estendeu a mão à Rita Lee quando ela foi presa acusada de porte de drogas em plena gravidez - uma mão estendida que alongou-se à encomenda de uma canção que tirou Rita de um aperto financeiro e deu a Elis um de seus maiores sucessos, "Alô, alô, Marciano". Todas essas facetas de Elis são iluminadas pelas palavras de Julio Maria - assim como aquelas mais prosaicas, domésticas e delicadas que montam o complicado quebra-cabeças que era a idiossincrática personalidade de alguém que passou a vida inteira passando ao largo das mais nocivas tentações de experimentar drogas - inclusive se indispondo com membros da banda que porventura as usassem - e que acabou vitimada por uma overdose acidental de cocaína.

Capaz de despertar desvairadas ou silenciosas paixões - Milton Nascimento, Edu Lobo, Nelson Motta e até, pasmem, Fábio Jr. - Elis Regina viveu como cantava: com entrega, com emoção à flor da pele, com dedicação quase religiosa e com uma convicção que refletia o tamanho não de seu corpo, mas de sua alma. "Nada será como antes" é um título apropriado para uma biografia sua. De 19 janeiro de 1982 pra cá, a música popular brasileira sofre de um vácuo que, a despeito da riqueza que ainda apresenta aos que se dispõem a ouví-la, nunca mais será preenchido. O livro de Julio Maria surge como um consolo paliativo, um afago carinhoso nos fãs da mulher e da artista que, felizmente, deixou um legado ainda hoje capaz de emocionar e fazer vibrar quem gosta de boa música. Por causa dela, realmente nossos ídolos ainda são os mesmos de nossos pais.

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NOCAUTE

Posted by Clenio on 19:58 in
Hollywood adora um ringue de boxe. Volta e meia cineastas de calibres diversos (Martin Scorsese, Clint Eastwood,  Sylvester Stallone, David O. Russell) voltam seu olhar para dentro do universo do esporte, utilizando histórias de superação e violência como metáforas para lutas internas ou simplesmente como forma de agradar a um público sempre sedento por sangue, suor e lágrimas (o clichê é perdoável, uma vez que a receita dos filmes do gênero, via de regra, conta sempre com tais elementos). E se Robert De Niro, Hillary Swank e Christian Bale já levaram até um Oscar por retratarem lutadores, a lista de atores premiados tem chances de aumentar na próxima cerimônia da Academia, se o nome de Jake Gyllenhaal estiver na lista dos indicados. Seu desempenho como Billy Hope, protagonista de "Nocaute" - dirigido por Antoine Fuqua, que já levou Denzel Washington à estatueta, por "Dia de treinamento" - é a melhor coisa do filme, surgido como veículo para o rapper Eminem e alterado substancialmente para dar ao eterno Donnie Darko mais uma oportunidade de provar-se um dos melhores atores de sua geração. Irreconhecível e intenso, Gyllenhaal engole cada cena, mas esbarra na inconsistência do roteiro recheado de clichês e em um final anticlimático que trai a mediocridade do cineasta em explorar todas as possibilidades da história.

Billy Hope é um boxeador bem-sucedido, que vive cercado de luxo em sua mansão, ao lado da bela e dedicada esposa, Maureen (Rachel McAdams) e da filhinha pequena, Leila (a revelação Oona Laurence). Porém, sua rivalidade com outro atleta, Miguel 'Magic' Escobar (Miguel Gomez) acaba provocando uma inesperada tragédia que afeta violentamente sua vida. Em severa depressão e desprovido de todos os seus bens - assim como da guarda da filha - Hope resolve recomeçar sua vida trabalhando na academia de boxe do veterano Tick Wills (Forest Whitaker). É lá, novamente em seu habitat natural, que ele tentará dar a volta por cima, ao aceitar o desafio de seu maior desafeto para retornar aos ringues.

Sim, a trama é a mesma de nove entre dez filmes do gênero, e nem a direção de Fuqua nem o roteiro de Kurt Sutter tentam disfarçá-la com novos elementos. O que importa, mesmo, é o segundo trabalho consecutivo impecável de Jake Gyllenhaal - ano passado ele brindou a todos com seu inacreditável "O abutre" - e, como não poderia deixar de ser, a extrema competência da edição, da fotografia e do som, que mergulham o espectador na dor do protagonista mesmo que o excesso de lugares-comuns transforme a sessão em um perigoso exercício de dèja-vu. Para quem é fã incondicional do esporte (ou dos filmes que o utilizam como pano de fundo) é imperdível. Para o resto do público, é aplaudir a atuação de Gyllenhaal e esquecer que essa história já foi contada diversas outras vezes de forma mais interessante.

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QUE HORAS ELA VOLTA?

Posted by Clenio on 22:10 in
Quem conhece Regina Casé apenas como apresentadora de TV - de um programa de gosto duvidoso, aliás - deve ter tomado um susto e tanto quando soube de seu prêmio de melhor atriz no Festival de Sundance, criado por Robert Redford nos anos 80 para incentivar a produção de filmes independentes e de baixo orçamento. O fato é que Regina - cria do anarquista grupo teatral "Asdrúbal trouxe o trombone", que também revelou Luiz Fernando Guimarães e Evandro Mesquita, entre outros - é uma atriz superlativa que poucas vezes teve a oportunidade de mostrar seu grande talento dramático. O cinema deu uma mostra disso no bem-humorado "Eu, tu, eles", de Andrucha Waddington, mas é com "Que horas ela volta?", de Anna Muylaert - que lhe deu o reconhecimento internacional recente - que ela realmente faz as pazes com a tela grande, com um trabalho precioso e delicado que a apresenta à nova geração como uma grande atriz, capaz de emocionar e fazer rir com a mesma facilidade - e sem precisar apelar para os cacoetes intragáveis do novo cinema comercial brasileiro. Além disso, o filme de Muylaert - acertadamente escolhido para representar o Brasil na busca por uma indicação ao Oscar - tem a seu favor a inteligência de retratar nas telas uma realidade social das mais urgentes e negligenciadas por nossos cineastas: as relações entre patrões e empregadas domésticas.

Tudo bem que em "Domésticas, o filme", Fernando Meirelles e Nando Olival, já haviam elegido integrantes da classe como protagonistas, mas, baseados em uma peça teatral de Renata Melo, eles investiram na comédia de situações, sem aprofundar as questões sociais inerentes ao tema - coisa que o documentário "Doméstica", de Gabriel Mascaro fez com um pouco mais de propriedade ao acompanhar a rotina de um grupo de empregadas sob o ponto de vista dos filhos dos patrões. No filme de Muylaert, porém, a discussão que contrapõe o profissional e o afetivo nas interrelações entre uns e outros é o ponto nevrálgico: contando a história da encantadora Val, que abdica da convivência com a própria filha para dedicar-se a ajudar na criação do filho dos patrões, o roteiro da diretora toca de forma contundente em um nervo sensível da sociedade brasileira – mas o faz com tanto carinho e delicadeza que é impossível não se deixar envolver pelo filme logo nos primeiros minutos.

Sim, apesar de tocar em feridas que muita gente prefere esconder debaixo de uma hipocrisia velada  e disfarçadas pelo velho conhecido termo "quase da família", "Que horas ela volta?" é, acima de tudo, um filme. Engraçado em alguns momentos, comovente em outros, mas sempre relevante e artisticamente competente. Regina Casé, como dito antes, brilha com uma personagem que é a cara de um Brasil que se viu, nos últimos anos, diante de possibilidades inéditas (ou bastante raras) de melhorar de vida - ou de ter uma para chamar de sua. Casé vive a protagonista com uma sinceridade à flor da pele e encontra na jovem Camila Márdilla (com quem dividiu o prêmio de Sundance) uma parceira de cena à altura: na pele de Jessica, a filha que Val deixou no Nordeste há dez anos e que chega à São Paulo para prestar vestibular, ela surge como o agente catalisador de mudanças até então impensadas por sua mãe, cega por anos de uma submissão quase cega à família com a qual trabalha.  É lógico que os questionamentos de Jessica a respeito de tal status quo passam a incomodar aqueles que estão confortáveis e é aí que o filme se engrandece: dura, mas sem perder a ternura jamais, a cineasta imprime em detalhes sutis o rompimento gradual da tênue falácia que sempre manteve Val amarrada à sua "segunda família": graças ao comportamento de Jessica, distante dos preceitos e regras com quem conviveu por mais tempo do que gostaria, a doméstica passa a enxergar com os olhos da realidade sua verdadeira relação com os patrões, cujo conceito de família difere muito da forma como eles a tratam. 

Com uma direção precisa de Anna Muylaert - que compõe cenas onde o abismo entre os personagens se mostra explícito através de enquadramentos suaves - e um roteiro que se equilibra entre o riso e a lágrima suave, "Que horas ela volta?" é uma produção capaz de entreter sem deixar de lado a intenção de fazer um retrato fiel de uma parcela da sociedade normalmente relegada a papéis coadjuvantes e/ou puramente cômicos. Ainda é cedo para penar em Oscar, mas seja qual for seu futuro, é um filme de dar orgulho ao cinema nacional.


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A NOVA REPÚBLICA

Posted by Clenio on 20:48 in
Em "Precisamos falar sobre o Kevin", foi a desconstrução da sacralidade da relação entre mãe e filho, além de um estudo sobre a violência juvenil. Em "O mundo pós-aniversário", a dicotomia amor tranquilo com sabor de fruta mordida e a paixão avassaladora e irracional. Em "Dupla falta", a competitividade que ameaçava a felicidade conjugal. Em "Tempo é dinheiro", a crítica ao sistema médico norte-americano e ao conceito de felicidade individual. Em "O grande irmão", um estudo sobre a obesidade mórbida e o preconceito inerente à condição. Os livros da escritora Lionel Shriver nunca ficam na superfície quando tratam de assuntos polêmicos, mergulhando sem reserva em histórias repletas de personagens bem construídos e dotados de uma humanidade quase palpável. Não é diferente em "A nova república", escrito em 1998 e somente agora publicado no Brasil, pela Intrínseca: à primeira vista uma sátira política, o livro é uma deliciosa história sobre os perigos do culto à personalidade e das consequências nefastas da irresponsabilidade da mídia, equilibrando o senso apurado da autora em relação às fraquezas da humanidade com um humor sofisticado e crítico de uma autora que, a julgar pelo conjunto da obra, beira a misantropia

O protagonista físico de "A nova república" é Edgar Kellog, um adolescente obeso que, a custa de muito esforço e determinação, conseguiu perder peso (mas não o sentimento de autocrítica), entrar na elite de sua escola (a saber, a turma do rapaz mais popular) e, depois, tornar-se um advogado bem-sucedido e incapaz de lidar com o tédio. Disposto a uma vida menos aborrecida, ele decide largar o emprego e investir na carreira de jornalista - mesmo sabendo não ter um talento excepcional que o possa destacar da multidão de concorrentes. Sua grande chance de provar-se competente vem quando um pequeno jornal de Nova York o escala para cobrir os atos terroristas que vem sendo cometidos em uma península anexada à Portugal que deseja sua independência e luta ferozmente contra a imigração clandestina. Chegando à Barba - localidade fictícia mas cruelmente verossímil diante dos noticiários que constantemente destacam a violência dos extremistas - Kellog descobre que, mais do que repassar as notícias que estão cada vez mais escassas no território (os atentados misteriosamente estão interrompidos há algum tempo), seu maior desafio será substituir Barrington Saddler, o carismático repórter que fazia esse mesmo trabalho antes de sumir, sem deixar rastros, de uma hora para outra. Herói de toda a comunidade jornalística estrangeira reunida no país - até mesmo para aqueles que nutrem por ele um certo asco e uma grande inveja - Saddler deixou, atrás de si, uma série de anedotas particulares que fazem dele uma espécie de lenda local, e Kellogg volta a sofrer de sua síndrome de inferioridade, principalmente quando se apaixona pela bela Nicola (que mesmo casada aparentemente caiu nos braços do carismático repórter desaparecido).

Na tentativa de conquistar o mesmo prestígio e admiração de Saddler - e até mesmo o desprezo que ele desperta em alguns colegas - logo Kellogg está envolvido até o pescoço não apenas com o luxo no qual o jornalista vivia mas também com todas as complicadas negociações de paz entre o governo português e Tomás Verdade, o líder de um partido político que, apesar de negar, aparenta ter ligações bem estreitas com o terrorismo que vem causando tumulto em várias partes do mundo como forma de chamar a atenção para os problemas do país. Desesperado por uma chance com Nicola e pela possibilidade de sobressair-se profissionalmente - mais por vaidade do que por qualquer outro motivo mais nobre - o inseguro e constantemente inadequado novo jornalista acaba por descobrir, sem querer, uma forma de chamar a atenção de todo mundo, mesmo que isso tenha consequências imprevisíveis para todos que o rodeiam. Em pouco tempo, ele é o novo dono do pedaço - com tudo que isso tem de bom e de ruim.

Com uma narrativa ágil e inteligente - que não abre mão das frases longas e complexas que são uma espécie de marca registrada de sua literatura - Lionel Shriver consegue, além de criar uma trama fascinante e politicamente relevante (ainda hoje, mesmo 17 anos depois de sua escrita), surpreender o leitor com duas reviravoltas que, ao contrário de parecerem meros artifícios inócuos, mudam o rumo da história de forma esperta e plausível. Não convém contar, é lógico, quais são essas reviravoltas, mas pode-se dizer, sem prejuízo, que elas conseguem ter força suficiente para prender o leitor definitivamente até as páginas finais, de uma ironia monstruosa e bem-humorada, que reflete com contundência, o estado das coisas - tanto na imaginária Barba quanto no resto do mundo. Um livro magnífico (mais um!) de uma escritora que, aos poucos, vem se tornando essencial para os amantes da boa literatura.




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OBJETOS CORTANTES

Posted by Clenio on 23:35 in
Antes de tornar-se uma escritora reconhecida mundialmente pelo sucesso de "Garota exemplar" - e de ter sido indicada ao Oscar por sua bem-sucedida adaptação para as telas - a americana Gillian Flynn trabalhou como crítica de cinema e televisão, formou-se em Jornalismo e Inglês e escreveu para uma revista de negócios. Nada que apontasse para uma carreira como escritora de romances policiais. Porém, desde seu livro de estreia, "Objetos cortantes", publicado no Brasil pela editora Intrínseca no rastro do sucesso de sua história mais famosa (e que chegou aos cinemas sob o comando do genial David Fincher), esse caminho parecia inevitável: mergulhando fundo nos distúrbios da alma dos subúrbios ianques, Flynn vem surgindo como uma espécie de cronista das mazelas humanas, recheando suas tramas com sangue, violência e, felizmente, inteligência. Mesmo sem a força de "Garota exemplar" - que reúne todas as qualidades de sua prosa de forma coesa e mais ambiciosa - "Objetos cortantes" não tem como decepcionar os fãs da literatura policial. Mérito da trama instigante, dos personagens bem delineados e da constante sensação de perigo que perpassa suas pouco mais de 250 páginas.

A protagonista do livro é Camille Preaker - que Natalie Portman interpretaria com propriedade em uma eventual transposição para o cinema. Repórter de um jornal pouco prestigiado de Chicago, ela acaba de sair de um hospital psiquiátrico, onde ficou internada por um tempo devido à sua tendência à automutilação. Com sérios problemas com o álcool, também, ela se vê diante de um dilema profissional quando seu patrão - com quem vive uma relação paternal - pede que ela retorne à sua cidade natal, no interior do Missouri, para uma série de reportagens a respeito do desaparecimento de uma menina de oito anos (que pode ser a segunda vítima de um assassino cruel que arranca os dentes de suas presas). Voltar ao lar não é exatamente um presente para Camille, que não tem o melhor dos relacionamentos com a mãe, uma socialite aparentemente incapaz de maiores manifestações de afeto desde a morte de sua filha caçula, anos antes. Casada novamente e mãe de uma adolescente, Adora (agora Crellin) não vê com bons olhos o retorno da filha mais velha, que chega disposta a exorcizar um passado repleto de excessos e traumas enquanto investiga por conta própria um caso que desafia inclusive o departamento de polícia local - que conta com a ajuda de um agente do FBI, mais acostumado com a crueldade do ser humano.

Sem deixar de lado o tom de romance policial - com direito a reviravoltas, personagens suspeitos e um aprofundamento psicológico raro - Gillian Flynn consegue o feito de criar uma história com diversas camadas, onde descobrir o nome do culpado pelas atrocidades descritas pela trama é apenas um detalhe (importantíssimo, claro, mas tão crucial quanto o desfecho dos dramas pessoais da protagonista). Descrevendo com detalhes os pensamentos mais íntimos de Camille, a autora propõe ao leitor uma viagem para uma alma torturada e angustiada que combina com perfeição com o viés sombrio do argumento. Para quem gosta do gênero, é imperdível.

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EM PROL DA FAMÍLIA TRADICIONAL BRASILEIRA

Posted by Clenio on 19:41 in
- Crise urgente, senhor diretor!
- Nâo temos tempo para crises urgentes, Zé! O máximo com que podemos lidar até sexta-feira são mini-crises. Essa é uma mini-crise?
- Eu diria uma maxi-crise, senhor! Felícia diz que não irá estrear a menos que o final da peça seja reescrito!
- A Felícia quer reescrever o final de uma peça de Shakespeare? Zé, você tinha me jurado que ela tinha abandonado as drogas.
- Juro pela minha mãe, senhor diretor. Mas ela acaba de me dizer, com essas mesmas palavras, que não irá subir ao palco na sexta-feira a menos que o final seja reescrito.
- Essa louca quer alterar o desfecho de "Otelo"? De que forma, se é que eu posso perguntar sem parecer um esquizofrênico.
- Ela disse que a morte de Desdêmona é um incentivo à violência contra a mulher, e que não pode compactuar com uma afronta dessa dimensão aos seus próprios ideais.
- Essa anta não sabia da história antes de assinar o contrato? Ela nunca havia lido Shakespeare na vida?
- Segundo ela, Shakespeare foi o segundo autor mais misógino da história do teatro mundial, ficando atrás apenas de Eurípides.
- Eurípides?
- Ela continuamente se questiona se o fato de Medeia ter assassinado os filhos não é apenas uma representação arcaica da culpa que os homens sempre depositam nas mulheres quando um relacionamento acaba. Segundo ela, Eurípides deveria ter feito Medeia deixar as crianças com o pai e iniciado uma bem-sucedida carreira profissional.
- Essa Felicia é meio louca, não é?
- Se me permite um aparte, senhor... não é completamente sã da cabeça, não. E está em vias de iniciar a produção de uma versão lésbica de "Quem tem medo de Virginia Woolf?".
- E como seria uma versão lésbica de "Quem tem medo de Virginia Woolf?"? Quatro sapatões jogando uisquinho na parede enquanto ouvem Angela Roro?
- Não me pergunte, senhor. Mas o fato é que ela se recusa a interpretar Desdêmona com o final original.
- E o contrato dessa infeliz permite essa insubordinação?
- Não há contrato. Teatro cooperativo tem desses problemas.
- Por que eu não ouvi a minha mãe quando ela me mandou fazer concurso pro Banco do Brasil? Por que essa minha mania de ser artista no Brasil??
- E além da Felícia, temos outro problema.
- Mesmo? Qual? O ator que faz o Iago acha que o papel vai atrapalhar os planos dele de ir pra Globo porque vai manchar a imagem?
- Antes fosse... O Agenor....
- Não me diga que o Agenor também está em crise ética?
- Ele faz parte de uma Associação de Afrodescendentes Conta a Discriminação Nas Artes Cênicas Internacionais e eles também não estão satisfeitos com o texto da peça.
- Então manda ele entrar numa máquina do tempo e ir falar diretamente com um tal de William Shakespeare. Billy, pros íntimos.
- Ele não tem problemas, mas a Associação está ameaçando o coitado de expulsão se ele estrear na sexta. Motivo: eles dizem que o fato do Otelo assassinar Desdêmona no final do espetáculo apenas - e aqui leio exatamente as palavras escritas no manifesto enviado aos jornais de hoje - "reitera o estereótipo odioso e preconceituoso contra os negros que vem envenenando a sociedade como um todo desde tempos imemoriais."
- Eles estão falando sério?
- Eles entraram com uma ação na justiça querendo mudar o nome da lenda do Negrinho do Pastoreio para "O afrodescescendentezinho do Pastoreio". Acho que não estão para brincadeira.
- E o que eles propõem? Que o Iago acabe matando Otelo e Desdêmona se transforme em uma feminista?
- Na verdade ela não gosta do termo "feminista" porque julga que isso é limitatório e pejorativo. Inclusive considera qualquer menção à palavra "mulher" na arte uma forma de agressão silenciosa.
- O que eu vou fazer, Zé? Como é que vou estrear uma peça em dois dias com tanto problema em cima de mim?
- E já que o senhor mencionou o ator que interpreta Iago...
- O que foi? Também está tendo ataques de estrelismo? Não quer mais que o Iago seja invejoso?
- Ele está com o firme propósito de interpretar Iago como um homossexual rejeitado. Segundo ele, fez pesquisas exaustivas para atingir o tom ideal assistindo à TV Senado. E quer substituir seu último monólogo com uma versão acústica de "Vingativa", das Frenéticas. Ele diz que isso daria ao espetáculo um tom pós-moderno.
- Ótimo! Perfeito! Então tenho em mãos uma Desdêmona feminista que não quer morrer, um Otelo ativista pelos direitos negros que não quer matar e um Iago bichona que quer acabar a peça cantando Frenéticas. Minha carreira está decididamente arruinada! Sabe o que eu faço nesse momento? Eu me demito! Vou dar aulas de teatro para crianças. Nunca mais quero saber de dirigir atores metidos a estrelinhas panfletárias!!!!

ALGUM TEMPO DEPOIS...

- Que bom te rever, Zé! Depois de tanto tempo e tantas mudanças...
- Pois é, agora não sou mais assistente de diretor. Assumi a direção daquela montagem de "Otelo" que parecia desastrosa e agora sou o mais novo queridinho dos palcos. Até matéria na "Zero Hora" consegui. Capa da "Donna", veja só...
- "O diretor que mudou a forma de fazer teatro no Brasil". Meus parabéns! Você conseguiu mudar até Nelson Rodrigues...
- Sabe como é, tinha muita violência e permissividade na obra do anjo pornográfico. Não era apropriado pra família brasileira.
- Você tirou qualquer menção a estupro em "Barrela", do Plínio Marcos...
- Estupro não é uma coisa agradável, meu amigo. Pra que ficar falando dessas coisas pesadas no teatro??
- Tem razão. Por isso estou fazendo teatro infantil. Nada para desagradar à família brasileira.
- Mais ou menos, meu amigo. Estou aqui a pedido de uma amiga que não está nada feliz com a sua montagem de "Pluft, o fantasminha"...
- Como assim? Estou seguindo à risca o texto. Não está feliz com o que?
- Essa minha amiga é presidente da Associação Espírita do estado e eles acham que a maneira com que a doutrina espírita está sendo representada na peça é propensa a distorções e achincalhe por parte do público-alvo.
- O público-alvo são crianças!
- Exatamente. Mentes facilmente manipuláveis! Vai que, ao assistir à sua peça, resolvam achar que espíritos ficam por aí com medo das pessoas e passem a fazer sessões espírias com o único objetivo de assustar as almas desencarnadas?? Crianças não são confiáveis, senhor diretor.
- Minha peça, Zé? MINHA? Minha Santa Maria Clara Machado, me ajude.
- Santos não irão lhe ajudar, agora, meu amigo. A Associação pede alterações imediatas no texto ou a estreia será cancelada...
- Você quer acabar com a minha carreira, não é isso?
- Não sou eu quem pede isso, meu caro amigo. É a sociedade que não suporta mais compactuar com tanta sujeira. A família tradicional brasileira não aguenta mais ser bombardeada com tanta iniquidade!
- Você mudou o roteiro da "`Paixão de Cristo" em Nova Jerusalém!
- Muita violência, muita violência... O futuro do teatro, da música, do cinema, das artes em geral... está em retratar as coisas belas da vida. O amor, a paz, a fraternidade...
- Você quer dizer que vamos acabar fazendo versões para o palco de "Chapeuzinho vermelho"?
- Depende! Só se no final o lobo mau sair vivo. Pega mal matar animais. Dá mau exemplo. As associações de defesa dos animais irão intervir...
- Mas, Zé...
- Tudo em nome da família tradicional brasileira, meu amigo. Ela merece essa consideração!!

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O GAROTO DA CASA AO LADO

Posted by Clenio on 17:19 in




Jennifer Lopez é linda, sexy e tem uma legião de fãs, tanto por sua carreira como cantora quanto por sua trajetória como atriz - que teve início na segunda metade dos anos 90, quando chegou a ser dirigida por nomes consagrados como Francis Ford Coppola, Oliver Stone e Steven Soderbergh. Não dá pra entender, portanto, porque é que ela se envolve em projetos tão terríveis quanto este "O garoto da porta ao lado", um suspense genérico e diluído em clichês, que só minimamente assistível graças a seu carisma e sua beleza. Realizado com o mísero orçamento de 4 milhões de dólares - que não deve pagar nem o segurança da atriz - o filme já rendeu quase dez vezes isso nos cinemas americanos, uma prova de seu poder de fogo, capaz de lotar cinemas independentemente da (má) qualidade dos projetos em que vem se envolvendo.


Assim como dezenas de Supercines da vida, "O garoto da casa ao lado" usa e abusa dos lugares-comuns, espalhando-os por uma hora e meia de poucos sustos e cercando-os de personagens que a) são extremamente ingênuos (para não dizer burros) ou b) se transformam em monstros sanguinários de uma hora pra outra, sem razão plausível. JLo - justiça seja feita, linda e desejável como sempre - vive Claire Petersen, uma professora de Literatura Clássica que, ainda se recuperando de uma traição traumática, tenta seguir a vida ao lado do filho adolescente, Kevin (Ian Nelson). Sua tranquilidade é alterada quando, conforme avisa o título do filme, ela conhece Noah Sandborn (Ryan Guzman), um jovem de 19 anos de idade que acaba de mudar-se para a casa ao lado com o objetivo de cuidar do seu velho tio-avô. Educado, gentil, atencioso e muito atraente, Noah aos poucos se insere no dia-a-dia de Claire e seu filho, defendendo-os dos valentões da escola e (insidiosamente) o colocando contra o próprio pai (John Corbett, de "Sex and the city"). Uma noite, carente e vulnerável, Claire acaba não resistindo à tentação e cai nos braços de Noah, que se apaixona perdidamente por ela. Arrependida da fraqueza, Claire tenta fazê-lo compreender que tudo não passou de um erro e resolve tentar uma reconciliação com o marido. Rejeitado, Noah torna-se obsessivo e, através de chantagens, ameaças e um assédio cada vez mais violento, ameaça destruir a vida da professora.

Seguindo a receita de filmes como "Atração fatal" - que deu uma indicação ao Oscar à Glenn Close - e "Paixão sem limites" - que revelou Alicia Silverstone nos anos 90 - além de vários similares, "O garoto da casa ao lado" é, na verdade, um filme para fãs de Jennifer Lopez, que não irão se importar em vê-la em (poucas) cenas sensuais com o jovem Ryan Guzman. Os demais espectadores, porém, terão que ter muita paciência para não se sentirem ultrajados em sua inteligência com um roteiro cheio de furos, uma direção preguiçosa (de Rob Cohen, de "Velozes e furiosos") e um final que parte sem nenhum pudor para o exagero grotesco. Essa coragem, aliás, de assumir um lado trash que até então estava escondido em tentativas frustradas de parecer uma produção adulta, é que dá ao filme um mínimo de respeito. Se desde o início o roteiro embarcasse no pastiche e não se levasse tão a sério ao menos a sessão seria divertida. Como está, é simplesmente medíocre, que prejudica bastante as intenções de Lopez em ser uma atriz de prestígio.

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CINQUENTA TONS DE CINZA

Posted by Clenio on 19:43 in
Tudo bem que uma pessoa que começa a ler "50 tons de cinza" não está disposta a mergulhar nos prazeres da boa literatura - mesmo porque um livro que surgiu como uma fan fiction de uma das piores coisas jamais escritas no mundo ocidental (a série "Crepúsculo", de Stephanie Meyer) não poderia ser coisa que prestasse. Mesmo assim, apesar de sua mediocridade, a trilogia de E. L. James vendeu milhares e milhares de exemplares mundo afora, comprovando o poder de uma boa estratégia de marketing e confirmando o velho axioma de que "sexo vende" - ainda que embrulhado mal e porcamente em uma historinha de amor vagabunda e psicologicamente rasa. E como em Hollywood tudo que reluz É ouro, não demorou muito para que os direitos da obra de James passassem a ser disputadas a tapas - nenhum estúdio queria abrir mãos das filas que se formariam diante das salas que exibissem o "romance" entre Anastasia Steele e Christian Grey (e dos dólares que elas renderiam, é claro). O inevitável resultado dessa equação - livro ruim + ganância dos produtores - não poderia ser diferente do que é mostrado no filme assinado pela artista plástica Sam Taylor-Johnson, que anteriormente havia dirigido o sensível "O garoto de Liverpool", sobre a juventude de John Lennon: "50 tons de cinza", o filme, é nada menos que constrangedor, a despeito dos nomes ilustres que desfilam pelos créditos de abertura.

Sim, nomes consagrados fazem parte da equipe do filme, como o compositor Danny Elfman - colaborador constante de Tim Burton -, o diretor de fotografia Seamus McGarvey - indicado ao Oscar por "Desejo e reparação" - e o desenhista de produção David Wasco - que assinou trabalhos com Quentin Tarantino. Nem eles, no entanto, conseguem elevar a obra de Taylor-Johnson a um capítulo menos inocente de "Malhação". Os diálogos - como no livro - são sofríveis. As atuações - em especial da dupla central, cuja química inexiste - são de fazer corar de vergonha alheia. A trama, então - que tanto encantou uma multidão de mulheres divididas entre os contos de fadas que sempre foram obrigadas a admirar e os romances pornográficos a que jamais tiveram acesso por machismo e preconceito - é nunca menos que inverossímil, mostrando a relação "amorosa" entre um milionário com gostos sexuais peculiares (aka sadomasoquismo) e uma patinho feio desajeitada e até então virgem que o conquista sabe-se lá por qual motivo - ecos da origem da obra, talvez, já que em "Crepúsculo" a pamonha vivida (modo de expressão) por Kirsten Stewart também conquistava o cobiçado (é ficção, lembrem-se) Robert Pattinson.

O fato é que nada funciona em "50 tons de cinza". A fidelidade ao romance pode agradar às fãs, mas de certa forma acaba com toda e qualquer possibilidade de melhorar ou aprofundar o que quer que seja na história. O erotismo é morno - afinal a censura não poderia ser muito alta, sob pena de muito dinheiro ser perdido nas bilheterias - e não excita. O romance não convence e os atores centrais são escolhas totalmente equivocadas. Jamie Dornan não tem o magnetismo sexual necessário para interpretar um papel que depende exclusivamente disso e Dakota Johnson sofre com um papel a que nem mesmo Natalie Portman conseguiria imprimir verdade - como ainda por cima ela é má atriz, as coisas só pioram. Some-se a isso o fato de que o filme ultrapassa as duas de projeção e tem-se um legítimo pesadelo para os fãs de bom cinema.

No final das contas, a versão para as telas de "50 tons de cinza" só pode mesmo agradar a quem leu os livros e gostou. A história de James não era literatura quando foi impressa e não é cinema agora que foi filmada. É um embuste puro e simples. Se quiserem insistir mesmo assim não digam que não avisei.

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OSCAR 2015 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Posted by Clenio on 19:25 in
E então, como sempre acontece há mais de oito décadas, o Oscar passou e deixou atrás de si um rastro de polêmicas, injustiças, acertos inesperados e correção de erros históricos - e, para não perder o hábito, cometendo outros que em edições seguintes deverão ser o assunto preferido dos fãs e especialistas. Entre mortos e feridos salvaram-se todos - os oito indicados a Melhor Filme saíram com pelo menos uma estatueta - mas ainda é difícil aceitar a implosão tão radical de "Boyhood, da infância à juventude", um dos favoritos ao prêmio máximo e que acabou ficando apenas com uma melancólica (e merecida) vitória na categoria de atriz coadjuvante, para Patricia Arquette - que, ao contrário das especulações do comentarista Arthur Xexéo, da Globo, não ganhou APENAS porque ficou à disposição do diretor Richard Linklater por doze anos: alguém talvez devesse explicar a ele a dificuldade de manter uma personagem coesa e coerente durante todo esse período de tempo e ainda assim soar natural e emocional. Aliás, seria bom também que a emissora decidisse de uma vez por todas se é do seu interesse ou não manter os direitos de transmissão da cerimônia, já que deixá-la pela metade enquanto não se dá ao trabalho de organizar sua programação para encaixá-la não é justo para o público que não tem acesso à TV a cabo. O mesmo pode ser dito a respeito de seus comentaristas: livres de José Wilker e suas opiniões equivocadas - "O roteiro de "Meia-noite em Paris" me parece feito às pressas!", soltou o ator e diretor de "Giovanni Improta", em 2012 - os espectadores tiveram que aguentar Maria Beltrão narrando a lista dos homenageados falecidos ano passado (e "traduzindo" suas funções na indústria), se atrapalhando na hora de explicar as brincadeiras do apresentador Neil Patrick Harris e passando informações erradas - segundo ela, o personagem de Michael Keaton em "Birdman" tenta reacender a carreira de ator estreando um MUSICAL na Broadway, como se Raymond Carver escrevesse partituras (e isso que ela mesma confessou ter assistido ao filme duas vezes "para entender". Imagina essa mulher em uma sessão de "Império dos sonhos", de David Lynch).

Afora essas aberrações da transmissão brasileira, a festa da Academia não foi tão previsível como prometia. Ok, todas as estatuetas de atuação foram confirmadas muito antes da noite de domingo (com a possível exceção de Eddie Redmayne, cuja premiação estava sofrendo a forte concorrência de Keaton), mas as quatro estatuetas (justíssimas) para "O Grande Hotel Budapeste" e o strike quase completo de "Birdman" em relação à "Boyhood" pegaram muita gente de surpresa. O prêmio de melhor direção, por exemplo, ficou pelo segundo ano consecutivo com um cineasta mexicano - ano passado o vencedor foi Alfonso Cuarón pelo superestimado "Gravidade", este ano quem venceu foi Alejandro González-Iñarrítu - enquanto quase todo mundo dava como certa a vitória de Richard Linklater e sua extraordinária trajetória familiar. Não deixou de ser previsível também a tentativa desesperada da Academia em apagar a imagem racista que deixou na ocasião da divulgação de sua lista de indicados deste ano, massacrada pela ausência de um número representativo de negros: os organizadores do show deram um jeito de colocar no palco, sempre que possível, casais mistos, como forma de apaziguar a consciência (e os comentários negativos que inevitavelmente pipocariam na cobertura do evento, tanto em tempo real graças às redes sociais, quanto nas semanas, meses e talvez anos posteriores, já que não é o tipo de deslize que costuma ser esquecido rapidamente nesses tempos politicamente corretos).

E, mais uma vez, as redes sociais se tornaram ferramenta essencial para que a festa estendesse suas horas de fama e glamour. Discursos marcantes como os de Patricia Arquette - que defendeu direitos iguais para homens e mulheres, foi aplaudidíssima por gente como Meryl Streep e Jennifer Lopez, ganhou manchetes e por fim desagradou algumas sempre insatisfeitas feministas - e do roteirista Graham Moore (de "O jogo da imitação") - que assumiu ter tentado o suicídio aos 16 anos por sentir-se diferente e incentivou os jovens a não desistirem de ter sua marca pessoal mesmo que pareça difícil no presente - deram à cerimônia momentos de emoção genuína e entraram para a história do Oscar, assim como a apresentação de Lady Gaga, homenageando os 50 anos de "A noviça rebelde" com um talento que muitos detratores desconheciam e emocionando a própria Julie Andrews. Assim como aconteceu com Pink no ano passado - cantando "Over the rainbow" para aplaudir "O mágico de Oz" - os produtores do show tentaram, com relativo sucesso, aproximar a nova geração da tradicional Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que por mais que tente, ainda não atingiu a modernidade que tanto necessita.


Por mais que sua escolha para melhor filme tenha sido uma obra pouco convencional em termos narrativos - pelo menos em comparação com dinossauros soporíferos como "O discurso do rei" - fica cada vez mais evidente aos fãs de cinema a encruzilhada a que os mais de 4000 membros da Academia estão chegando. É complicado aceitar que, juntamente com obras brilhantes como "O Grande Hotel Budapeste" e "Birdman" - que sacodem a maneira empoeirada de contar histórias - coisas como "Sniper americano" e "A teoria de tudo" sejam tão aplaudidas: o primeiro por seu discurso moralmente discutível (por mais que saibamos que o Oscar é uma festa DE e PARA americanos, fica difícil engolir a ideologia de mr. Eastwood e a opção dos votantes em selecioná-lo como um dos melhores filmes do ano) e o segundo por sua narrativa quadrada, sem brilho e que, não fosse a atuação de Eddie Redmayne, seria esquecida em menos de seis meses. Inclusive, já é mais do que hora de reavaliar a mania dos eleitores da Academia em privilegiar atores que interpretam deficientes físicos (ou papéis que exigem transformações visuais mais radicais) em detrimento de outras atuações menos óbvias. Este ano, por exemplo, a atuação minimalista de Arquette contrastava radicalmente com o trabalho de Redmayne - muito bom, sim, claro, mas que às vezes parece milimetricamente calculado para ganhar um Oscar. Essa incoerência é inevitável em um grupo tão vasto e idiossincrático como a Academia, mas seria um sonho ver, um dia, atuações simples e despretensiosas terem tanto valor quanto as mais ambiciosas - por melhores que elas sejam.


Agora, para finalizar, minhas opiniões a respeito dos vitoriosos:

FILME - "Birdman" mereceu. É um filme inteligente tanto na concepção quanto na realização e é também um sopro de ar fresco no embolorado sistema da Academia de premiar obras para o gosto médio. Não é um filme que agrada a todos, e a coragem de premiá-lo já é louvável. Mas, no fundo, é um filme que fala sobre Hollywood e sobre a arte da atuação, ou seja, é a Academia premiando ela mesma.

DIRETOR - Alejandro Gonzalez-Iñarrítu tirou o Oscar que todos achavam que ficaria com Richard Linklater. É coerente com a escolha de melhor filme - nos dois últimos anos as duas categorias foram separadas na hora H - mas seria uma bela homenagem à ousadia de Linklater em fazer um filme tão especial quanto "Boyhood", mesmo porque ele já merecia um prêmio desde "Antes do amanhecer". No entanto, se levarmos em conta que Iñarrítu tem no currículo filmes com "Amores brutos" e "21 gramas", constataremos que o Oscar está em ótimas mãos.

ATOR - Como dito antes, a atuação de Eddie Redmayne é precisa e impecável, mas parece preguiçoso por parte da Academia premiar sempre aquele ator que mais se transformou fisicamente para seu trabalho. Nessa linha de raciocínio, o desempenho de Michael Keaton ao criar um personagem perigosamente perto de sua própria realidade sem deixar que as linhas sejam ultrapassadas me soa muito mais interessante. Além do mais, encher "Birdman" de estatuetas e deixar de lado quem é seu corpo e sua alma é bastante incoerente.

ATRIZ - Julianne Moore merecia o Oscar desde sua primeira indicação, por "Boogie nights", em 1998. De lá pra cá brindou o público com uma série de atuações brilhantes e até hoje ninguém podia acreditar que até Sandra Bullock tinha uma estatueta na prateleira e ela não. Este ano, com dois trabalhos irretocáveis - em "Mapas para as estrelas", que lhe premiou em Cannes, e "Para sempre Alice" - chegou finalmente a sua vez. Ganhou pela excelência da atuação, claro, mas também como reparação de um erro que nunca deveria ter sido cometido.

COADJUVANTES - Patricia Arquette e JK Simmons sempre foram favoritos às estatuetas de coadjuvantes, e, como tal, foram as apostas mais certas em suas categorias. Ela deu humanidade e unidade ao filme de Linklater e ele deixou de ser o chefe do Homem-aranha para tornar-se uma ator respeitado. Uma pena, porém, que Edward Norton, mais uma vez, ficou a ver navios.

ROTEIROS - "Birdman" sagrou-se vencedor em uma categoria de nomes fortes, mas é impossível negar que a escolha da Academia foi certeira. Quanto a "O jogo da imitação", houve divergências entre crítica, público e votantes. Porém, o roteiro de Graham Moore é bem escrito, forte e emocionante - e rendeu um dos melhores discursos de agradecimento do ano. Só isso - e o fato de ter chutado "Sniper americano" para seu devido lugar de coadjuvante - já é digno de nota.

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SELMA - UMA LUTA PELA IGUALDADE

Posted by Clenio on 20:43 in
Em um ano marcado por omissões escandalosas, indicações discutíveis e surpresas um tanto desagradáveis na lista de indicados ao Oscar - pensando bem, em qual ano isso não acontece? - talvez a questão mais debatida dentre os fãs de cinema e os ditos "especialistas de plantão" diz respeito à esnobada quase geral dada ao filme "Selma", que muitos julgavam merecedor de figurar entre os destaques da cerimônia do próximo dia 22. Mesmo indicada na categoria principal, a produção dirigida por Ava DuVernay não conseguiu conquistar os votos dos eleitores da Academia em outros páreos importantes, como direção (Ava seria a primeira mulher afro-americana a concorrer ao Oscar) e ator (David Oyelowo), o que acarretou uma interminável discussão sobre a falta de miscigenação racial na festa mais importante do cinema. Enquanto alguns creditavam a omissão à Paramount por não ter enviado cópias do filme aos eleitores a tempo da votação, outros não hesitavam em dizer que tudo não passava de racismo puro e simples por parte da Academia e de Hollywood em si. O que ninguém cogitou pensar é na possibilidade de o filme - apesar de suas inúmeras qualidades e importância histórica e social - não ser tão forte quanto os acontecimentos que retrata.

É lógico que "Selma" é infinitamente superior a aberrações demagógicas como "Sniper americano" e ao filme-fórmula "A teoria de tudo" - ambos sintomaticamente indicados na principal categoria mas também deixados de fora na briga por diretor - mas é muito provável que os fãs mais radicais do filme não percebam que, por trás de todas as emocionantes e chocantes cenas que mostram os confrontos raciais que sacudiram os EUA nos anos 60, por trás da performance discreta e convincente de David Oyelowo como Martin Luther King e por trás da força emocional da história contada, não existe um roteiro consistente a ponto de esconder o ritmo claudicante, os tempos mortos e, pior ainda, a edição pouco criativa. A cada sequência empolgante, que leva o espectador para dentro da história, como se fosse participante ativo do movimento social que está transformando um país - e por consequência, o mundo todo - existem várias outras sonolentas, que o afastam emocionalmente. Toda vez que Martin Luther King vai ao encontro do Presidente Lyndon Johnson (Tom Wilkinson) ou este debate a situação com o governador do Alabama, George Wallace (Tim Roth), o filme perde o pique. São momentos importantes para a ação, claro, mas que contrastam radicalmente com outros de grande intensidade dramática e que comprometem o ritmo do filme como um todo.

Quando DuVernay mostra ao espectador a violência a que os negros - e até mesmo os brancos que compravam sua briga - eram submetidos simplesmente porque lutavam pelo direito básico ao voto, seu filme cresce, se agiganta, emociona às lágrimas. Quando se dedica a mostrar a forma idealista de Luther King lutar contra o preconceito, sua obra se ilumina e inspira. Quando dá espaço a seus atores - em especial Oyelowo, Tim Roth e sua produtora Oprah Winfrey em pequena participação - brilharem, seu trabalho conquista. Mas ao final da sessão, quando a sensação de injustiça e revolta passam, não sobra muito mais. Falta a "Selma" aquele algo mais que faz de um bom filme um filme inesquecível. É forte, é intenso e é imprescindível historicamente. Mas não faz jus a toda a polêmica que criou em torno de suas duas indicações ao Oscar. Ser lembrado como um dos indicados a melhor filme do ano já é bom o bastante.

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