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OSCAR 2016 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Posted by Clenio on 22:26 in
E então, como não poderia deixar de ser, a 88ª cerimônia de entrega do Oscar não primou pela imprevisibilidade. Como qualquer um poderia imaginar, o alucinante "Mad Max: estrada da fúria" saiu da festa abarrotado de estatuetas (seis ao todo, fazendo um arrastão na área técnica), Leonardo DiCaprio finalmente quebrou sua maldição pessoal e foi eleito o melhor ator, Brie Larson e Alicia Vikander também confirmaram as expectativas e Alejandro G. Iñárritu tornou-se apenas o terceiro cineasta a levar 2 Oscar consecutivos na história da Academia - para informação, os anteriores foram John Ford (por "As vinhas da ira" e "Como era verde meu vale", em 40/41) e Joseph L. Mankiewicz (por "Quem é o infiel?" e "A malvada", em 49/50). Além disso, vale lembrar que é a terceira vez na sequência que um mexicano leva o prêmio da categoria, já que Alfonso Cuarón garantiu o seu na festa de 2014, com "Gravidade" - e por falar em tricampeonato é admirável o feito do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki, o primeiro da história a conquistar tal distinção (Donald Trump deve ter arrancado a peruca...).

Em uma cerimônia marcada pela polêmica da exclusão de atores negros entre os candidatos - tema que foi explorado em diversos trechos do discurso do apresentador Chris Rock e em alguns segmentos com níveis variados de erros e acertos (mostrar através de entrevistas com espectadores negros que a distância entre o discurso e a realidade sobre a igualdade racial nas telas e nas bilheterias ainda é imensa foi muito inteligente) - não houve grandes momentos, o que torna ainda mais intensa a apresentação de Lady Gaga (que cantou sua "Till it happens to you" e levou ao palco várias vítimas de estupro, tema do documentário "The hitting ground"). Aliás, é o segundo ano em que Gaga se destaca na festa, e o fato de ter perdido o Oscar para o chatíssimo tema de "007 contra Spectre" ainda deu vazão a um discurso equivocado do vencedor Sam Smith - que, coitado, se achava o primeiro gay a ganhar um Oscar e se viu soterrado de manifestações contrárias às suas pretensões, inclusive do roteirista Dustin Lance Black (de "Milk, a voz da igualdade").

O documentário "Amy", sobre a cantora Amy Winehouse, foi outro vencedor bastante popular, assim como a animação "Divertida Mente" - que ganhou do brasileiro "O menino e o mundo" - e o mais do que merecido prêmio para o veterano Ennio Morricone, finalmente ganhando, aos 87 anos, sua primeira estatueta, pelo violentíssimo "Os oito odiados", de Quentin Tarantino, um dos filmes subestimados do ano, assim como o belo "Carol" - que não converteu nenhuma de suas seis indicações, ainda que a atuação de Cate Blanchett ponha a da vitoriosa Brie Larson no bolso sem fazer muito esforço. É de se pensar se Larson vai conseguir escapar da maldição do Oscar que já vitimou Hale Berry e Hilary Swank - a julgar por seu próximo trabalho, "Kong: Skull Island", é pouco provável.

Já Leonardo DiCaprio não precisa provar nada pra ninguém há muito tempo, e seu Oscar apenas confirma um talento que ele demonstra desde a adolescência e uma coragem em encarar projetos desafiadores. Seu desempenho em "O regresso" é digno da estatueta, sim, ao contrário dos que dizem o contrário, e foi um dos acertos dos eleitores em um ano cujas injustiças já começaram na hora da divulgação dos indicados - cadê Idris Elba por "Beasts of no nation"? Cadê Todd Haynes como diretor e "Carol" como melhor filme? Cadê Charlize Theron por "Mad Max"? Por que Jennifer Lawrence de novo, e por um filme terrível como "Joy"?. Outro acerto em cheio foi a escolha de Mark Rylance como ator coadjuvante: todos esperavam que Sylvester Stallone sairia com um Oscar nas mãos (mais por sua história do que por seu talento como intérprete, sejamos honestos), mas na última hora prevaleceu o bom senso e o grande Rylance, um dos maiores destaques do excelente "Ponte dos espiões", de Steven Spielberg, lhe passou a perna e fez a alegria dos fãs de cinema de qualidade.

Quanto à vitória (quase) inesperada de "Spotlight, segredos revelados" na categoria principal, vale lembrar que "Crash, no limite" fez quase o mesmo na festa de 2006, roubando de "O segredo de Brokeback Mountain" a estatueta principal mesmo o filme de Ang Lee sendo o favorito (e superior) e tendo já levado os prêmios de roteiro adaptado e diretor. A obra de Tom McCarthy já havia sido premiada por várias associações de críticos e era considerada uma das maiores ameaças a "O regresso", assim como "Mad Max" e "A grande aposta", portanto não chegou a ser uma zebra total e absoluta - ganhou também a láurea de roteiro original e, mesmo sendo apenas o segundo filme da história a ser o grande vencedor mesmo com apenas dois carecas dourados no currículo (o outro é "O maior espetáculo da Terra", de 1956, que ficou com os mesmos dois prêmios), foi um gol de placa da Academia: é um filme forte, elegante, adulto e relevante, além de bem escrito, bem dirigido e com um elenco impecável.

Ainda é cedo para sabermos o que virá para o próximo Oscar - será que a Academia vai tentar reverter a polêmica desse ano? Será que vai abrir a festa para mais blockbusters? Será que John Williams vai arrebatar uma 51ª indicação? Será que Meryl Streep voltará à lista dos candidatos? - mas é certo que daqui a um ano os fãs de cinema estarão de novo discutindo, elocubrando, resmungando e comemorando as vitórias de seus preferidos. É um ritual tão querido quanto desprezado, mas que jamais passa despercebido.

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OSCAR 2016: MELHOR ATOR

Posted by Clenio on 18:21 in
A não ser que aconteça uma hecatombe, Leonardo DiCaprio vai mesmo sair da cerimônia do Oscar 2016, no próximo domingo, com sua batalhada estatueta de melhor ator. Desde que concorreu pela primeira vez, em 1994 - ainda adolescente, como coadjuvante por seu trabalho em "Gilbert Grape, aprendiz de sonhador", ao lado de Johnny Depp - o ídolo juvenil cresceu, encarou desafios constantes como ator, atuou sob os auspícios de cineastas consagrados (Clint Eastwood, Steven Spielberg, Sam Mendes, James Cameron, Christopher Nolan e principalmente Martin Scorsese, com quem travou uma parceria bastante frutífera) e construiu uma carreira sólida e admirável. Foi indicado outras vezes ao Oscar - desta vez como protagonista - por "O aviador" (04), "Diamante de sangue" (06) e "O lobo de Wall Street" (13), mas nunca foi tão favorito como este ano, quando já ganhou o Golden Globe, o prêmio do Sindicato dos Atores (SAG), o Critics Choice Awards e o BAFTA (o Oscar britânico). Seu desempenho em "O regresso", de Alejandro G. Iñárritu (que também é um dos favoritos ao prêmio máximo do ano) é visceral física e psicologicamente, e DiCaprio tem tudo para acabar com sua maldição particular e finalmente sair-se vitorioso na disputa - mesmo porque, a despeito de suas ótimas atuações, os demais candidatos não tem um endosso tão grande por parte das cerimônias de premiação até agora.

O mais interessante dos rivais de DiCaprio é Michael Fassbender - que concorreu há dois anos, como coadjuvante, por "12 anos de escravidão". Indicado por seu desempenho irretocável no papel-título de "Steve Jobs", o ator preferido do cineasta Steve McQueen (que nessa temporada também entregou uma admirável atuação em "Macbeth", ao lado de Marion Cottilard) foi premiado pelos críticos de Los Angeles, mas tem contra si o fato de o filme ter fracassado nas bilheterias e ter dividido opiniões. Mesmo assim, é uma interpretação fascinante, minimalista e dotada de grande força dramática, que merecia melhor sorte - sem falar que Fassbender merecia um Oscar no mínimo desde sua avassaladora aparição em "Fome" (08), que foi ignorada pela Academia. Fato é que Fassbender mais cedo ou mais tarde irá abocanhar uma estatueta - seu talento é grande demais para passar despercebido.

Outro que também já tem prêmios em casa graças a seu trabalho nessa temporada é Matt Damon. Carismático, talentoso e querido por público e crítica, Damon já tem um Oscar em casa - de roteiro, por "Gênio indomável", que ele dividiu com o amigo Ben Affleck - e outras duas indicações anteriores - ator pelo mesmo "Gênio indomável" (97) e coadjuvante por "Invictus" (09). Em "Perdido em Marte" ele se vê abandonado por engano no Planeta Vermelho e é obrigado a manter-se vivo e saudável até que o erro seja percebido pelos colegas da Terra e eles se decidam a socorrê-lo. Damon carrega o filme nas costas, equilibrando sua atuação entre o desespero e o bom-humor - o que justificou sua vitória no Golden Globe como melhor ator em comédia/musical.  O National Board of Review também se encantou com seu desempenho e o elegeu como o melhor do ano. Com essas duas vitórias no currículo, Damon enfrenta DiCaprio sem muitas chances, mas a indicação é mais do que merecida.

Já Eddie Redmayne tem suas chances de vitória diminuídas pelo fato de já ter sido oscarizado ano passado por seu Stephen Hawking em "A teoria de tudo". Em "A garota dinamarquesa" ele está ainda melhor, mais sutil e menos óbvio, mas é pouquíssimo provável que a Academia vá transformá-lo em um novo Tom Hanks, lhe dando duas estatuetas consecutivas. Sua lembrança entre os candidatos é justíssima, mas, além de enfrentar o franco-favoritismo de DiCaprio, ele precisa também lidar com a situação de não ter sido lembrado por nenhum grupo de críticos na temporada pré-Oscar (o que é um forte indicativo de que sua indicação deve ser o máximo a que ele irá chegar este ano).

E, completando a lista dos indicados deste ano, Bryan Cranston arrebata sua primeira indicação em seu primeiro grande papel no cinema, depois do sucesso incontestável na série "Breaking bad". Em "Trumbo: lista negra", ele interpreta o roteirista Dalton Trumbo, que entre as décadas de 40 e 60, se viu impedido de trabalhar em Hollywood graças à sua simpatia pelo comunismo - visto, na época, como alta traição aos EUA. O filme também não chegou a ser um sucesso de bilheteria, e a lembrança de Cranston entre os candidatos é uma merecida homenagem ao personagem (premiado duas vezes com o Oscar mesmo sem poder assinar suas obras) e à interpretação inspirada do ator, normalmente relegado a papéis coadjuvantes e agora, ao que parece, promovido à primeira divisão de Hollywood.

FAVORITO - Leonardo DiCaprio ("O regresso")
TORCIDA - Michael Fassbender ("Steve Jobs")

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TRUMBO: LISTA NEGRA

Posted by Clenio on 20:55 in
Na noite de 24 de março de 1954, a deliciosa comédia romântica "A princesa e o plebeu", estrelada por Audrey Hepburn e Gregory Peck saiu da cerimônia de entrega do Oscar com três estatuetas: figurino em preto-e-branco para a experiente Edith Head, atriz para a novata Hepburn e roteiro original para Ian McLellan Hunter. Nada de excepcional, em um ano em que o drama de guerra "A um passo da eternidade", de Fred Zinnemann foi o grande vencedor em oito categorias. O que ninguém desconfiava - nem o público que assistia ao show pela televisão, nem os profissionais de cinema e nem muito menos o comitê do FBI encarregado de investigar casos de comunismo dentro da indústria do entretenimento americano - era que, na verdade, Hunter não era o verdadeiro autor do roteiro de "A princesa e o plebeu". O real criador daqueles encantadores personagens se chamava Dalton Trumbo, e naquele momento, ele estava proibido de exercer sua profissão por ser considerado uma ameaça ao país - uma proibição que se estendia a outros nove profissionais do cinema e que o fez cumprir também uma pena de dez meses de prisão. Pois é esse personagem - fundamental para entender um dos períodos mais negros de Hollywood - o protagonista de "Trumbo: lista negra", que chegou à lista dos indicados ao Oscar 2016 em uma categoria nada desprezível: melhor ator.

Interpretado por Bryan Cranston - elevado à categoria de astro depois do sucesso inegável da série "Breaking Bad" - Dalton Trumbo chega às telas sob a direção de Jay Roach, um cineasta que equilibra sua carreira entre bobagens divertidas - "Austin Powers" e "Entrando numa fria" - e produções sérias para a televisão americana - "Recontagem" (08)  e "Virada no jogo" (12), que mostram um surpreendente viés político em sua obra. Correto mas pouco criativo, Roach comanda "Trumbo" com discrição quase excessiva, deixando que a história e os personagens falem por si. Não seria uma opção equivocada se o roteiro também não seguisse a mesma linha, quase didática e um tanto fria em relação a seus heróis. Com uma atuação contida e mais cerebral que emocional, Cranston reflete o tom da narrativa, que prende o espectador mas não chega a encantar. É inegável, no entanto, o extremo cuidado com a requintada produção e a escolha certeira de elenco - que inclui Diane Lane, John Goodman e a sempre excelente Helen Mirren, injustamente esnobada pela Academia mesmo depois de ter sido indicada ao Golden Globe de atriz coadjuvante por seu brilhante desempenho como a colunista de fofocas Hedda Hopper - figura conhecidíssima e influente no meio cinematográfico da época e uma das principais responsáveis pela queda do protagonista rumo a seu inferno pessoal.

Mergulhando nos bastidores da Hollywood das décadas de 40 e 50, "Trumbo" aproveita para mostrar também como alguns dos maiores ídolos da época reagiram ao surgimento do Comitê criado pelo Senador Joseph McCarthy com a desculpa de proteger os EUA da ameaça comunista. Diante dos olhos do espectador, John Wayne (David James Elliott) se mostra pouco admirável, Edward G. Robinson (Michael Stuhlbarg) um homem mais afeito aos interesses pessoais do que aos amigos, Louis B. Mayer (Richard Portnow) um covarde suscetível a chantagens e Hedda Hopper uma mulher venenosa e cruel, mais destrutiva com suas colunas nos jornais e nas telas de cinema do que muitos agentes do FBI. Por outro lado, o filme mostra também a coragem de gente como Kirk Douglas (Dean O'Gorman) e Otto Preminger (Christian Berkel) em desafiar as arbitrariedades de uma lei fascista que impedia os grandes talentos de trabalharem e serem reconhecidos por isso - uma situação já mostrada também em "Culpado por suspeita", de Irwin Winkler (estrelado por Robert DeNiro em 1991) e "Boa noite, e boa sorte" (dirigido por George Clooney em 2005) - com quem divide um discurso final de grande inteligência e importância em tempos tão conservadores.

Mesmo que seja um típico caso de história maior do que o filme, "Trumbo: lista negra" é um trabalho extremamente eficiente em retratar sua época e revelar ao grande público a trajetória de um dos grandes autores do cinema hollywoodiano clássico. É um filme elegante, discreto e politicamente importante, que perde pontos apenas por ser excessivamente quadrado em sua narrativa. Um defeito pequeno se comparado às suas várias qualidades.

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OSCAR 2016: MELHOR ATRIZ

Posted by Clenio on 19:08 in ,
A ausência mais sentida entre as candidatas ao Oscar 2016 de melhor atriz foi a de Charlize Theron, que tirou de letra o desafio de comandar um dos filmes mais esperados da temporada e que realizou a proeza de arrecadar horrores pelo mundo inteiro, conquistar a unanimidade da crítica especializada e chegar à seleta lista dos indicados ao prêmio máximo da Academia. "Mad Max: estrada da fúria" deve se contentar com prêmios técnicos, já que nem Theron nem Tom Hardy foram indicados - ok, Hardy está no páreo, mas como coadjuvante, e por outro filme, "O regresso". E os fãs de Theron tiveram que engolir a inclusão de Jennifer Lawrence entre as cinco melhores atrizes do ano segundo a visão dos cada vez mais esquizofrênicos votantes. Conquistando sua quarta indicação em seis anos -  tendo vencido por "O lado bom da vida", em 2013 - Lawrence é uma atriz competente, mas é inegável até mesmo para os fãs mais fiéis que sua atuação em "Joy: o nome do sucesso" não merecia nem o Golden Globe que ela tirou de gente mais competente (Lily Tomlin, Maggie Smith) nem a indicação que ela tirou não só de Theron, mas também de outras atrizes com interpretações bem melhores, como Carey Mulligan ("As sufragistas") e Rooney Mara (que concorre como coadjuvante por "Carol" mas é tão protagonista quanto Cate Blanchett). Mesmo a teoria de que este ano não foi muito favorável a atuações femininas de peso não é suficiente para justificar Lawrence entre as candidatas. É o azarão absoluto da categoria, que, ao que tudo indica, parece mesmo à Brie Larson.

Pouco conhecida do público - fez apenas papéis pequenos em filmes como "Descompensada" (onde vive a irmã da protagonista vivida por Amy Schumer), "Anjos da lei" e "Como não perder essa mulher" (dirigido por Joseph Gordon-Levitt) - Larson já ganhou os prêmios mais significativos da temporada, o que faz de seu caminho ao palco do Oscar muito mais fácil. Eleita a melhor atriz pelos críticos do National Board of Review e vencedora do Golden Globe, do Critics Choice Awards, do BAFTA (o Oscar britânico), e do Screen Actors Guild (o sindicato de atores), ela tem, aos 26 anos, todas as evidências ao seu lado. Seu desempenho como uma jovem sequestrada que tenta criar da melhor maneira possível o filho nascido em seu cativeiro e depois se vê obrigada a reconectar-se com o mundo quando consegue fugir, é emocional e discreto. Competente, sem dúvida, mas o excesso de elogios e prêmios soa como uma espécie de alucinação coletiva que volta e meia toma conta do mundo do cinema. É a favorita absoluta, mas a perenidade de sua atuação só o tempo poderá mostrar.

E se Larson ainda é uma atriz que precisa mostrar se não é apenas a atriz certa na hora certa, o mesmo não pode ser dito de Cate Blanchett. Indicada pela sétima vez - e já vencedora de duas estatuetas, uma como coadjuvante por "O aviador" (04) e outra como protagonista, por "Blue Jasmine" (13) - a australiana de 45 anos desfila charme, beleza e talento pela tela na pele da socialite envolvida em um escandaloso romance lésbico em "Carol", sua segunda colaboração com o cineasta Todd Haynes (a primeira, como Bob Dylan em "Não estou lá", também lhe rendeu uma indicação, como coadjuvante, no mesmo ano em que concorria na categoria principal por "Elizabeth, a era de ouro"). Blanchett é sempre uma atriz riquíssima em nuances e não é diferente na adaptação do romance de Patricia Higshmith, um trabalho nunca aquém de precioso. Infelizmente sua vitória recente por "Blue Jasmine" tira muito suas chances de ganhar de novo - e nem mesmo relegar sua colega de cena Rooney Mara para a categoria de coadjuvante ajuda a mudar o quadro.

A quarta candidata à estatueta de melhor atriz é a veterana Charlotte Rampling, que engrossa a lista das atuações minimalistas que dominaram a categoria este ano. Como uma professora aposentada que passa a questionar seu casamento às vésperas de completar quatro décadas e meia de relação - graças à descoberta de que seu marido ainda não esqueceu seu primeiro amor, cujo corpo desaparecido ressurge como um fantasma - Rampling conquista sua primeira indicação ao Oscar aos 70 anos, e chega respaldada pelos prêmios dos críticos de Los Angeles, Boston, Londres e pela National Society of Film Critics. Não fosse sua declaração de que o boicote ao Oscar devido à ausência de atores negros entre os indicados seria um "racismo aos brancos", a veterana atriz provavelmente teria mais chances de vitória. Depois desse infeliz discurso - já debitado na conta dos tradicionais "fora de contexto" - suas possibilidades de subir ao palco para agradecer o homenzinho dourado estão ainda menores. Uma pena, já que seu desempenho (e sua carreira) são brilhantes.

E finalizando a seleta lista, está uma bela e merecida surpresa: por sua atuação delicada e honesta em "Brooklyn" - onde interpreta uma jovem irlandesa que chega à Nova York depois da II Guerra em busca de uma nova e mais promissora vida - Saoirse Ronan conquistou sua segunda indicação ao Oscar. Em 2008, ela concorreu como coadjuvante pela maldosa Briony Tallis no estupendo "Desejo e reparação" (com apenas 13 anos de idade) e agora mostra que seu talento não era fogo de palha. Com olhos expressivos e a sutileza de uma veterana, Ronan foi eleita a melhor atriz do ano pelos críticos de Nova York e sua vitória seria um alento àqueles que acreditam que o cinema não vive apenas de blockbusters e filmes adotados por grandes estratégias de marketing. Se "Brooklyn" conseguiu uma vaga até mesmo entre os indicados à categoria principal, muito se deve à sua atriz principal, que não precisa de ataques histéricos em cena para mostrar o quão talentosa é.

FAVORITA: Brie Larson, por "O quarto de Jack"
TORCIDA: Cate Blanchett, por "Carol" e Saoirse Ronan, por "Brooklyn"
QUEM NÃO DEVERIA ESTAR AÍ: Jennifer Lawrence, por "Joy: o nome do sucesso"

Quem quiser ler mais sobre os filmes indicados na categoria, é só chegar:

CAROL: http://lennysmind.blogspot.com.br/2016/01/carol.html
O QUARTO DE JACK: http://lennysmind.blogspot.com.br/2016/02/o-quarto-de-jack.html
JOY: http://lennysmind.blogspot.com.br/2016/02/joy-o-nome-do-sucesso.html
45 ANOS:  http://lennysmind.blogspot.com.br/2016/02/o-quarto-de-jack.html
BROOKLYN:  http://lennysmind.blogspot.com.br/2016/02/brooklyn.html

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PONTE DOS ESPIÕES

Posted by Clenio on 18:13 in
A última vez em que Steven Spielberg esteve sentado na cadeira de diretor foi quando contou a história de um dos mais admirados presidentes norte-americanos, em "Lincoln" (12), que agradou à crítica, deu o terceiro Oscar de melhor ator à Daniel Day-Lewis mas escorregava implacavelmente em uma narrativa arrastada que nem mesmo sua produção caprichada e a importância histórica conseguiam disfarçar. Por isso, não deixa de ser um alívio perceber, em "Ponte dos espiões", que o cineasta responsável por obras seminais da indústria do entretenimento - "Tubarão", "Contatos imediatos de terceiro grau", "E.T., o extra-terrestre", "Jurassic Park, parque dos dinossauros" e a tetralogia Indiana Jones - e filmes de rigor artístico impecáveis - "A cor púrpura", "Império do sol", "A lista de Schindler", "O resgate do soldado Ryan" - ainda existe e tem pleno domínio de seu ofício. Baseada em fatos reais ocorridos no auge da Guerra Fria, a quarta colaboração entre Spielberg e o ator Tom Hanks está concorrendo a seis estatuetas do Oscar (incluindo melhor filme, roteiro original e ator coadjuvante), mas, diante do favoritismo de "O regresso" e "Mad Max: estrada da fúria" tem poucas chances de sagrar-se vencedor. Uma pena, já que é o melhor trabalho do diretor desde o impecável "Munique", lançado em 2005.

A trama começa em 1957, quando a CIA prende, sob suspeita de espionagem pró-Rússia, o misterioso e calado Rudolf Abel (o magnífico ator inglês Mark Rylance, candidato ao Oscar de coadjuvante). Os EUA não tem a menor dúvida a respeito de sua culpa, mas, para não soarem inclementes, resolvem dar-lhe um "julgamento justo" - leia-se um teatro com veredicto já definido antes mesmo do início dos trabalhos. O advogado escolhido para defendê-lo é James Donovan (Tom Hanks), que foi promotor durante os julgamentos em Nuremberg mas nunca mais praticou Direito Penal. Mesmo contra a vontade da família - e sendo alvo da ira de quem considera Abel um traidor repulsivo - Donovan aceita o caso e, ciente de seus deveres como defensor, se empenha ao máximo para conseguir que seu cliente escape da pena de morte (já que sabe que, independente de seus esforços, jamais conseguirá um veredicto de inocência). As coisas se complicam quando um piloto americano, em missão secreta, tem seu avião abatido e é preso na União Soviética. Donovan, então, é escalado para propor aos inimigos a troca entre os dois homens - negociação que sofre uma nova reviravolta quando outro americano, em intercâmbio na Alemanha recém-dividida, também é preso e vê sua liberdade depender da boa-vontade de seus captores em aceitar Abel como moeda de troca.

O roteiro, digno de um romance de John LeCarré - e co-escrito pelos irmãos Coen e Matt Charman - é um achado. Sério e inteligente, vai envolvendo o espectador aos poucos, oferecendo ao público diálogos ricos e personagens de uma complexidade dramática que permitem a seus atores que brilhem mesmo sem que para isso seja necessário mais do que silêncios significativos, olhares expressivos e duelos constantes de interpretações - em especial entre Hanks (mais uma vez mostrando o excelente ator que sempre foi apesar de seu rosto de bom-moço) e Mark Rylance (ator pouco conhecido que tem aqui a chance de ser descoberto pelo público da mesma forma que o foi Ralph Fiennes depois de sua colaboração com Spielberg em "A lista de Schindler"). Dividindo sua narrativa em dois atos distintos - o segundo começando com a captura do soldado americano logo após a condenação de Abel pelos tribunais - o diretor imprime ritmos opostos a cada um deles, substituindo a urgência da primeira hora pelo suspense inerente à burocracia e à tensão dos salões russos e alemães de sua segunda metade. Amparado pela trilha sonora discreta de Thomas Newman (no primeiro filme do diretor sem John Williams desde "A cor púrpura", de 1985) e por uma reconstituição de época impecável, "Ponte dos espiões" se sustenta como um thriller de espionagem à moda antiga, sem as pirotecnias pós-modernas de Jason Bourne ou James Bond. As armas utilizadas aqui são o cérebro e a emoção - dois ingredientes que Spielberg sempre soube dosar com maestria em sua vitoriosa carreira.

Com uma fotografia espetacular (mais uma vez) de Janusz Kaminski, injustamente esquecida pela Academia, "Ponte dos espiões" consegue até mesmo escapar da tradicional pitada de patriotismo que Spielberg sempre acrescenta a seus filmes. Mesmo que vez por outra ele não resista a mostrar uma certa superioridade da democracia norte-americana em relação aos problemas políticos da Alemanha pós-II Guerra (em especial nos momentos finais), é impossível deixar de notar uma crítica bem contundente à maneira com que o julgamento de Abel foi realizado e ao jogo de interesses nos bastidores do poder - uma dualidade que Tom Hanks tira de letra com sua imensa capacidade de conquistar a simpatia do espectador sem fazer muito esforço. Basta que ele entre em cena para que a plateia saiba, sem sombra de dúvidas, para que lado torcer: um trunfo a mais em um filme de enormes qualidades e que merecia não só estar entre os favoritos ao Oscar (Spielberg ter sido deixado de lado para a inclusão de Lenny Abrahmson, de "O quarto de Jack", chega a ser um insulto) como ter tido mais sorte nas bilheterias (rendeu pouco mais de 70 milhões de dólares no mercado doméstico, o que não chega a ser um fracasso, já que custou apenas 40 milhões, mas também não faz dele um sucesso). É, indiscutivelmente, um dos melhores filmes da temporada, ao menos para quem procura cinema de qualidade e não apenas produções superestimadas e ocas.

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CREED: NASCIDO PARA LUTAR

Posted by Clenio on 22:40 in
Em 2016 faz quarenta anos que um desconhecido pegou Hollywood de surpresa com a história de um boxeador gente como a gente que acabou ganhando os Oscar de melhor filme e direção, batendo obras-primas como "Taxi driver", de Martin Scorsese, "Rede de intrigas", de Sidney Lumet e "Todos os homens do presidente", de Alan J. Pakula. Esse desconhecido - chamado Sylvester Stallone - e seu filme, "Rocky, um lutador" acabaram entrando para o inconsciente coletivo, a despeito da qualidade apenas média do filme dirigido por John G. Avildsen, e o personagem voltou às telas em outras quatro ocasiões, sempre dando novo fôlego à carreira de seu intérprete, também criador de outro ícone do cinema comercial americano, o moralmente questionável John Rambo. E, por incrível que pareça, o teimoso e admirado (mais por sua perseverança do que exatamente por seus talentos dramáticos) Stallone é o favorito para o Oscar deste ano na categoria de ator coadjuvante justamente por interpretar... Rocky Balboa. Em "Creed", nascido para lutar", dirigido e co-escrito por Ryan Coogler - revelado no ótimo "Fruitvale Station, a última parada", o veterano ator nem sobe aos ringues, mas demonstra mais uma vez sua capacidade em reconquistar os fãs com seu mais carismático e longevo personagem: a bilheteria acima dos 100 milhões de dólares não permite negar seu sucesso.

Porém, apesar do nome de Stallone ser o maior chamariz de público para "Creed", ele não é o protagonista da história, em uma decisão esperta de Coogler e seu corroteirista Aaron Covington. A trama é centrada no jovem Adonis Johnson (Michael B. Jordan), filho de um antigo rival e depois amigo de Balboa, o famoso Apollo Creed (interpretado por Carl Weathers nos quatro primeiros capítulos da saga): determinado a tornar-se um campeão tão idolatrado quanto o pai que morreu antes de seu nascimento, Adonis resolve abandonar um emprego estável e a vida confortável que leva ao lado da mãe adotiva para dedicar-se ao boxe. Para isso, procura Rocky e lhe pede para treiná-lo. Sentindo-se em dívida com o falecido amigo, o outrora ídolo do esporte deixa a aposentadoria de lado e parte para ajudar o rapaz - justamente quando outro problema, bem mais grave e urgente, precisa de sua atenção.

E é isso. A trama não apresenta maiores surpresas, e, convenhamos, não é isso que procura a plateia que passou quatro décadas acompanhando as aventuras de Rocky Balboa. Felizmente, a direção de Coogler é honesta e direta, sem floreios e artifícios, sem vontade de inventar a roda ou fugir dos clichês que inevitavelmente dominam esse tipo de filme. Seu trabalho é extremamente correto - ainda que não demonstre a ousadia narrativa mostrada em seu filme de estreia - e oferece ao público exatamente o que ele quer ver: boas sequências de luta, algumas cenas dramáticas para deixar o clímax mais emocionante e personagens carismáticos. E nesse ponto é que o filme se torna ainda mais empolgante. Não bastasse Stallone repetir seu mais amado personagem, o protagonista é interpretado por um dos atores jovens mais interessantes do momento, o ótimo Michael B. Jordan - que também estrelou "Fruitvale Station". Dotando de força e intensidade seu personagem, Jordan engole tudo à sua volta, em um trabalho extraordinário que lhe rendeu o prêmio de melhor ator do ano segundo o National Society of Film Critics - e foi um dos motivos que causaram a polêmica em torno da ausência de atores negros entre os indicados ao Oscar 2016.

E falando em Oscar, Stallone é, sim, o favorito para abocanhar a estatueta de coadjuvante - já está com o Golden Globe e o Critic's Choice Awards em casa. Não faz nada que já não tenha feito antes, mas a mania da Academia em premiar o conjunto da obra ao invés de preferir homenagear um bom trabalho dramático - e o ator tem concorrentes bem fortes esse ano - lhe dá boas chances de vitória. Se ganhar, não será uma surpresa, mas se perder não se poderá dizer que foi injusto.

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45 ANOS

Posted by Clenio on 21:52 in
Todo ano é a mesma coisa: assim que a lista de indicados ao Oscar é divulgada, fãs de cinema partem em defesa de seus preferidos, acusam injustiças e questionam tanto omissões quanto lembranças indevidas (este ano a questão maior é a ausência de atores negros entre os candidatos, polêmica que a farta premiação para atores afro-americanos no Screen Actors Guild ajudou a fomentar). Mas é inegável que a Academia, mesmo com mancadas fenomenais (Jennifer Lawrence de novo? E por aquela coisa sem graça chamada "Joy: o nome do sucesso"?), de vez em quando acerta em cheio ao pelo menos indicar atores e atrizes realmente talentosos - ainda que eles surjam como coadjuvantes de uma festa ainda predominantemente norte-americana, cujos critérios de premiação são no mínimo questionáveis e centrados em parâmetros mais mercadológicos do que artísticos. Foi assim que a grande Emmanuelle Riva chegou ao páreo pelo devastador "Amor", na cerimônia de 2013 e o excelente Bruce Dern concorreu a melhor ator por "Nebraska", em 2014. Este ano, quem preenche a cota de grandes nomes a buscar uma chance de concorrer com atuações mais hypadas que geniais - a favorita Brie Larson, de "O quarto de Jack" não é tão fantástica quanto os tapetes vermelhos fazem crer - é a veterana Charlotte Rampling. Na pele de Kate Mercer, uma professora aposentada que passa a questionar as verdades do seu casamento às vésperas de comemorar os quatro décadas e meia de relação, a inglesa de 70 anos recém completos surge como a matriarca entre as candidatas do ano - e, se dependesse dos críticos de Los Angeles, Nova York, Boston e Londres (que a escolheram como a melhor atriz do ano), sairia vencedora do embate do próximo dia 28 de fevereiro.

Em "45 anos", que o cineasta e roteirista Andrew Haigh adaptou do conto "In another country", de David Constantine, Rampling divide a cena e os méritos com outro veterano velho de guerra, o sensacional Tom Courtenay (também homenageado pelos críticos londrinos). Eles vivem um casal de aposentados que estão se preparando para comemorar, com uma grande festa, seus 45 anos de casamento - uma comemoração unusual, mas explicada pelo fato de que ele, Geoff, estava doente cinco anos antes, quando uma recepção faria mais sentido. Morando em uma propriedade sossegada no interior da Inglaterra e levando uma vida sem maiores sobressaltos, eles compensam a falta de filhos com uma dedicação completa um ao outro e ao cachorro, Max. Sua paz e tranquilidade, porém, é alterada na segunda-feira imediatamente anterior à festa, quando Geoff recebe uma carta que o obriga a trazer seu passado para dentro de casa e de seu relacionamento: o corpo de seu primeiro amor, morta no desmoronamento de uma geleira nos Alpes Suíços há mais de cinquenta anos, foi finalmente localizado. Tocado pela notícia, ele não consegue esconder da esposa sentimentos há muito represados, e Kate, incomodada com tal reação, começa a questionar se tudo que viveu até então não é parte de um imenso engano emocional.

Construído em cima de sutilezas e emoções contidas, "45 anos" busca em seus atores o apoio necessário para contar uma história que pouco diz e muito questiona. A bomba detonada na relação - uma carta que traz um fantasma há muito enterrado e esquecido, ao menos aparentemente - não apenas desperta ciúmes em Kate: ela deflagra um processo impiedoso de dúvidas e frustrações que fazem com que todos os detalhes de sua vida sejam postos em xeque. Será que teria havido casamento se a outra não tivesse morrido? Será que Geoff a ama como amava a morta? Será que a relação não foi um erro que a fez perder a juventude com alguém que não a valoriza como ela merece? E que outros segredos ele mantém, além do fato de ter uma mala escondida com lembranças de seu antigo caso de amor? Todas essas perguntas são feitas apenas na mente de Kate - que as fustiga sem deixar de preparar a festa e manter sua rotina inalterada - e nos olhos penetrantes e reveladores de Charlotte Rampling, em uma atuação que mais do que justifica sua indicação ao Oscar.

Com um ritmo europeu - leia-se sem a pressa quase caleidoscópica do cinema hollywoodiano - "45 anos" atravessa a tela de forma contemplativa, valorizando o cenário bucólico e o drama de seus protagonistas sem apelar para cenas de leitura fácil e imediata. Até mesmo a escolha de sua música-tema, a bela "Smoke gets in your eyes", não é gratuita, emprestando à canção dos Platters uma nova camada de significados que combina à perfeição com a trama proposta e o clima nostálgico e melancólico do filme. A direção de Andrew Haigh também é extremamente correta, ao deixar nas mãos de seus atores o mais importante de tudo: a compreensão absoluta dos personagens e de seus dramas. E como esses atores são Rampling e Tom Courtenay, não tem erro: é impossível não se deixar envolver e emocionar com a bela e simples história de Kate e Geoff - e ficar impressionado com a cena final, de uma delicadeza e uma dor raras no cinema da atualidade. Um grande filme, com grandes atores. Pena que não é para qualquer um!

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A NOITE DO MEU BEM: A HISTÓRIA E AS HISTÓRIAS DO SAMBA-CANÇÃO

Posted by Clenio on 21:21 in
Em "Chega de saudade" e "A onda que se ergueu do mar", ele narrou o surgimento, o auge e a influência da Bossa Nova na música brasileira. Em "Ela é carioca", criou uma mini-enciclopédia sobre as pessoas, lugares e sentimentos que fizeram de Ipanema um cartão-postal imortal do Rio de Janeiro. Em "Um filme é para sempre" falou (obviamente) de cinema, e em "O leitor apaixonado" (claro), sobre literatura. "Saudades do século XX" era um apanho de pequenas biografias de gente que fez do mundo um lugar menos sofrido entre 1901 e 2000 (entre eles, Billy Wilder, Hitchcock, Billie Holliday, Raymond Chandler e Humphrey Bogart). Em "O anjo pornográfico", "Estrela solitária" e "Carmen" deu a palavra final sobre as vidas de Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda, respectivamente. Agora, Ruy Castro - um dos autores mais confiáveis do país - apresenta ao leitor um apanhado geral (e por vezes bem detalhado) do universo do samba-canção. Em "A noite do meu bem: a história e as histórias do samba-canção" (Ed. Companhia das Letras) o jornalista carioca mais uma vez oferece ao público um trabalho digno de figurar em qualquer biblioteca de bom-gosto. Mantendo seu consagrado estilo - uma prosa leve e bem-humorada e uma série de informações ricas em pormenores - Castro brinda os fãs do gênero musical (e até aqueles que não ligam o nome à pessoa) com uma obra já destinada à antológica.

Começando sua história com a decisão do Presidente Dutra de fechar os cassinos, em 1946 - fato decisivo para que uma nova e longeva febre se instaurasse na noite carioca, as boates - e estendendo-a até os anos 60, quando a ditadura militar legou sua única benesse (a formação de músicos dispostos a pregar em sua arte gana contra a repressão) e outros ambientes musicais permitiram o nascimento de outros estilos musicais (entre eles a Bossa Nova, que, ao contrário do se que pode imaginar, muito bebeu na fonte dos sambas-canção, já que Vinícius, Tom Jobim e Baden Powell também assinaram vários títulos do gênero), Ruy Castro caminha lentamente pelo ambiente de luxo e glamour das casas noturnas frequentadas pela melhor sociedade do Brasil, ciceroneando o leitor por entre a fumaça de cigarros importados, o ruído das pedras de gelo nos copos de uísque e perfumes importados - e não deixando de ouvir as últimas novidades sobre o governo ainda sediado na Cidade Maravilhosa e deliciar-se com um menu de causar inveja a casas de Nova York e Paris, mérito de funcionários que, sob a ótica do autor, são personagens de ficção que realmente existiram (e muitas vezes comandaram a diversão do beautiful people, na época singelamente chamada de café-society).

Enquanto descreve os detalhes de boates que entraram para o imaginário popular do Rio de Janeiro e do Brasil (a Vogue, destruída em um trágico incêndio em agosto de 1955, o Sacha's, o Night and Day, o Drink, o Cangaceiro e vários outros), Ruy Castro não se furta a povoá-las com nomes que, das duas, uma: o leitor já ouviu falar mas não sabe exatamente quem são (Dolores e Jorginho Guinle, Ibrahim Sued, Jacinto de Thormes, Tereza Souza Campos) ou conhece a obra mas desconhece detalhes sobre suas vidas pessoais (e aí a lista vai de Dalva de Oliveira e Herivelto Martins a Dolores Duran, passando por Nelson Gonçalves, Maysa, Angela Maria, Cauby Peixoto, Dóris Monteiro, Nora Ney, Elizabeth Cardoso e um vasto etc). Mostrando como os dramas pessoais da maioria desses artistas foram combustível mais do que suficiente para que eles se tornassem os maiorais em seu metier, o autor consegue mais uma vez fundir uma gama imensa de informações preciosas com uma crônica brilhante de um tempo e um estado de espírito únicos. Em quase 500 páginas - que parecem pouco quando chegam ao fim - ele esmiúça parcerias (musicais ou sentimentais), aventuras e desventuras (sociais ou políticas) e picuinhas (profissionais ou pessoais) com a visão de um antropólogo que nutre um carinho claramente perceptível pelo objeto de seu estudo. Deslumbrado pelo que descreve - e mesmo assim crítico quando necessário - Castro não hesita em trazer à tona nomes que o tempo não presenteou com a imortalidade (Mary Gonçalves, Dora Lopes, Agostinho dos Santos) para que sejam devidamente reconhecidos como pedras fundamentais de um gênero que ainda hoje influencia a música popular brasileira (Chico Buarque, Angela Roro, Ivan Lins e Aldir Blanc tem algumas obras relativamente recentes que são puramente samba-canções) e que revelou alguns dos mais intensos artistas que o país já teve (além dos já citados, vale destacar a importância de Silvio Caldas, Dorival Caymmi, Dick Farney, Lupicínio Rodrigues e Lucio Alves).

Viajando também pelos bastidores do poder - Getúlio Vargas, JK, Jango, Jânio Quadros passeiam pelas páginas do livro sem pedir licença - e da mídia - Assis Chateaubriand, Samuel Wainer, Carlos Lacerda e os programas de rádio de suma importância para o desenvolvimento musical da época - "A noite do meu bem" não é apenas uma obra sobre música. É um brilhante retrato de uma época e de um Brasil que - dividido entre os elegantes frequentadores das boates e os menos afortunados ouvintes de rádio - tinha em comum a paixão pela música e pela poesia, diferente do que acontece nos dias de hoje, com pagodes, funks e outras atrocidades sendo despejadas sem piedade no ouvido do consumidor. O romantismo com que Ruy Castro banha seu livro é o romantismo das salas esfumaçadas que cheiravam a bebida, dor de cotovelo, sedução explícita e manifestações nada sutis de poder e luxo. Mergulhar em sua narrativa é inevitável, apaixonar-se por ela idem. É uma pena, porém, que, assim como esse tempo passou - ainda que deixando um belo legado - o livro também acaba. Resta ouvir as músicas-personagens (segundo o livro, 90% delas encontram-se disponíveis na Internet) e viajar ao tempo em que ouvir Dalva de Oliveira cantando coisas como "O peixe é pro fundo das redes, segredo é pra quatro paredes. Primeiro é preciso julgar pra depois condenar..." não era cafona: era o máximo da sofisticação musical. Bons tempos!

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BROOKLYN

Posted by Clenio on 18:28 in
Filmes que retratam a imigração de estrangeiros que buscam uma vida melhor nos EUA seguem normalmente a mesma receita: muito sofrimento, preconceito dos nativos e, dependendo do sadismo do roteirista, um final mais ou menos trágico. Felizmente para cada regra há exceções, e "Brooklyn", baseado no romance de Colm Tóibín e adaptado pelo escritor Nick Hornby, é uma delas. Dirigida por John Crawley e indicada a três Oscar - filme, roteiro e atriz (Saoirse Ronan) - a história de uma jovem irlandesa que deixa seu país natal atrás de maiores oportunidades de sucesso na terra das oportunidades pós-Segunda Guerra é uma das melhores surpresas entre os candidatos escolhidos pela Academia este ano. Simples, delicado e de um otimismo contagiante que vai conquistando o público aos poucos, o trabalho de Crawley nada contra a corrente de violência e desilusão do cinema contemporâneo ao optar por um viés romântico e poético de um tema ainda hoje motivo de discussão na América (vale lembrar que certo candidato republicano é francamente contra a imigração).

A trama de "Brooklyn" é de uma simplicidade franciscana, o que não deixa de ser uma deliciosa pausa aos roteiros intrincados e repletos de reviravoltas que dominam o mercado: no começo da década de 50, a jovem Eilis (Saoirse Ronan) deixa sua Irlanda natal e embarca em um navio rumo à Nova York, onde, com a ajuda do Padre Flood (Jim Broadbent), irá morar na pensão da rígida porém amável Sra. Keogh (Julie Walters) e trabalhar em uma loja de departamentos, além de iniciar um curso de contabilidade. Enquanto tenta se adaptar à nova realidade, Eilis sofre com a saudade de casa, mas passa a ver tudo com novos olhos quando se apaixona por Tony (Emory Cohen), um descendente de italianos que a pede em casamento. Sua felicidade e suas convicções são postas em cheque, porém, quando ela viaja à Irlanda por um tempo e passa a ser cortejada por Jim Farrell (Dohmnall Gleeson), que representa para ela o retorno às origens e à família.

Contrariando todas as expectativas em relação ao desenvolvimento da história - é bom não contar muito para não estragar a experiência - o roteiro de "Brooklyn" valoriza os diálogos deliciosos, de ritmo certeiro e o desenho dos personagens, que soam muito mais reais do que normalmente acontece no cinema. Tanto Eilis quanto aqueles que a rodeiam parecem gente de verdade, sendo capazes de gestos grandiosos e pequenas mesquinharias - além da inteligência do roteiro em fugir de estereótipos raciais óbvios e tratar a todos com o mesmo carinho e simpatia. Com essa visão humanista e singela das coisas, a direção de Crowley encontra em Saoirse Ronan a encarnação perfeita de seus objetivos: mais conhecida como a pérfida Briony Tallis de "Desejo e reparação" (que lhe deu uma indicação ao Oscar de coadjuvante ainda na adolescência), Ronan é uma atriz de recursos aparentemente ilimitados, capaz de provocar na plateia todos os tipos de sentimento sem nunca precisar alterar a voz ou apelar para o exagero. Seus expressivos olhos azuis conquistam já na primeira cena e é difícil não torcer por sua felicidade, mesmo que por vezes suas atitudes não correspondam ao que se espera dela.

Pontuado por uma trilha sonora que espelha a delicadeza do tratamento dado à história e com uma reconstituição de época eficiente mas que jamais chama a atenção para si em detrimento dos personagens, "Brooklyn" é um dos melhores filmes do ano e não apenas merece as três indicações ao Oscar que conquistou como deveria ter sido lembrado em outras. É um filme para deixar o espectador com um sorriso nos lábios ao final da sessão, pensando na beleza das palavras finais de seu roteiro e no brilhantismo discreto de seu resultado final. Um filme imperdível!

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O QUARTO DE JACK

Posted by Clenio on 21:55 in
Já é tradição que, dentre os indicados ao Oscar de Melhor Filme, sempre sobre espaço para um filme pequeno, de preferência de fora do circuito hollywoodiano e que conquista primeiro os críticos até que finalmente seja descoberto pela Academia - mesmo que nem sempre encontre uma resposta positiva nas bilheterias. Foi assim com "Inverno da alma" (na cerimônia de 2011), "Indomável sonhadora" (em 2013), "Clube de compras Dallas" (em 2014) e "Whiplash, em busca da perfeição" (ano passado). A bola da vez é uma produção canadense que viu sua cotação subir como um rojão desde que sua atriz central arrebatou o prêmio do respeitado National Board of Review, no final do ano passado. Baseado em um romance de Emma Donoghue "O quarto de Jack" chegou às categorias principais do Oscar (filme, direção e roteiro adaptado) carregado basicamente pela interpretação da jovem Brie Larson, que, depois de vencer o Golden Globe, o Screen Actors Guild e o Critic's Choice Awards, é a aposta mais certeira para a estatueta de melhor atriz.

Sem grandes créditos no currículo - esteve no elenco de filmes como "Anjos da lei" e "Como não perder essa mulher" sem chamar muita atenção - a norte-americana de 26 anos conquistou a liderança na corrida pelo Oscar por seu desempenho correto e maduro como Joy, uma jovem que, raptada aos 17 anos e mantida em cárcere privado por seu sequestrador, tem um filho com ele e passa sete anos em um minúsculo quarto sem ventilação, tendo contato com o mundo somente através de um aparelho de televisão e de uma claraboia que os impede de permanecer totalmente à parte do mundo. Forte e determinada, ela consegue fugir do cativeiro e, junto com o pequeno Jack (o surpreendente Jacob Tremblay, roubando a cena), se vê obrigada a reaprender a conviver com um mundo a que não mais reconhece. Sua força, porém, se vê diminuída quando percebe que a readaptação não é tão fácil quanto ela poderia esperar - mas seu pequeno e arredio filho é quem irá lhe obrigar, mais uma vez, a sobreviver.

Apesar dos elogios unânimes da crítica, "O quarto de Jack" está longe de ser um filme perfeito. Sua mudança de foco na segunda metade - quando Joy e Jack conseguem finalmente escapar de seu captor - enfraquece o ritmo, até então sufocante e claustrofóbico. Os conflitos enfrentados pela protagonista - com o pai (William H. Macy), com a mãe (Joan Allen) e até mesmo com a imprensa, que questiona sua decisão de ter mantido o filho ao seu lado mesmo no sofrimento de um quartinho apertado - não são satisfatoriamente resolvidas pelo roteiro (adaptado pela própria autora do romance que lhe deu origem) e o suspense do terço inicial (bem como o drama da convivência forçada entre mãe e filho) desaparece assim que a câmera do cineasta irlandês Lenny Abrahamson muda seu olhar para um drama familiar interessante mas tratado como um telefilme. Nem mesmo a atuação quase milagrosa do pequeno Jacob Tremblay é o suficiente para tirar a sensação de que algo falta no resultado final.

A química entre Tremblay e Brie Larson é excepcional, não há como negar, e são os momentos que os dois compartilham que dão alma e emoção a "O quarto de Jack". Porém, a atuação de Larson não é tão impactante e genial como todos os seus prêmios dão a entender: apesar de transmitir a angústia e o sofrimento de sua Joy, ela não chega a surpreender ou fascinar a plateia - coisa que Cate Blanchett faz em "Carol" e Saoirse Ronan em "Brooklyn", apenas para citar duas de suas rivais. Seu Oscar é quase certo e até não será tão absurdo quanto aquele entregue à Sandra Bullock em 2010. Mas seu trabalho não é o melhor do ano, definitivamente. E, em uma temporada onde inúmeros filmes muito melhores - "Os oito odiados", "Carol", "Steve Jobs" - não encontraram uma vaga entre os finalistas da Academia, não deixa de ser frustrante ver um trabalho apenas ok sendo tão louvado e aplaudido.

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O REGRESSO

Posted by Clenio on 22:29 in
Já é quase uma questão de honra para Leonardo DiCaprio ganhar um Oscar: no mínimo desde que foi esnobado por seu trabalho em "Titanic" (97), o ator vem tentando desesperadamente ser eleito pela Academia, sendo apoiado incondicionalmente pela crítica e pelo público. Porém, nem mesmo sua parceria com o mestre Martin Scorsese em cinco filmes - que lhe renderam duas indicações infrutíferas à estatueta - foi o suficiente para que ele saísse da lista dos perdedores. Esse ano, no entanto, tudo indica que a maldição será encerrada: com o Golden Globe, o SAG Awards e o Critic's Choice Awards debaixo do braço, DiCaprio é o favorito absoluto da cerimônia do próximo dia 28 de fevereiro. E motivos não faltam: seu desempenho em "O regresso", de Alejandro González Iñárritu, é o melhor de sua carreira repleta de grandes atuações, e a despeito da perfeição de Michael Fassbender em "Steve Jobs" e da delicadeza de Eddie Redmayne em "A garota dinamarquesa", a força de seu trabalho não parece ter rivais na temporada.

Tentando uma segunda vitória consecutiva depois do sucesso de "Birdman" ano passado, o mexicano Iñárritu sai de sua zona de conforto (temas intimistas, personagens contemporâneos em dramas urbanos) para conduzir a plateia por um inferno pessoal esplendidamente iluminado por Emmanuel Lubezki (na batalha pela terceira e merecidíssima terceira estatueta) e repleto de uma violência por vezes chocante e paradoxalmente dotada de uma poesia visual de cair o queixo. Filmado com a iluminação natural das paisagens do Canadá e da Patagônia, "O regresso" é um esforço artístico de primeira ordem, tecnicamente impecável e capaz de deslumbrar o mais cético dos cinéfilos. Nem mesmo sua longa duração (mais de duas horas e meia com poucos diálogos e um ritmo que equilibra momentos contemplativos com cenas de ação de prender a respiração) atrapalha o prazer de assistir à brutal e emocionante história de Hugh Glass, um comerciante de peles que, na década de 1820, luta pela sobrevivência e pelo desejo de vingar a morte do filho mestiço - uma vingança que tem alvo certo: seu próprio colega John Fitzgerald (Tom Hardy, estupendo e também na disputa pelo Oscar, na categoria de ator coadjuvante).

Bem dirigido, interpretado com garra e tecnicamente perfeito - não há nada fora do lugar no resultado final - "O regresso", porém, não é um filme perfeito. Há problemas no roteiro - principalmente no início, quando cabe ao público entender sozinho quem são os personagens e o que está acontecendo com eles - e muitas vezes fica difícil acreditar em todas as provações pelas quais passa o protagonista. Mas a garra com que DiCaprio se entrega ao desafio - físico e emocional - de dar vida à Glass e a sensibilidade com que o cineasta reveste até a mais sanguinolenta das sequências (e elas são muitas) são motivos mais do que suficientes para justificar as 12 indicações ao Oscar, inclusive na categoria principal. Se vai convencer os eleitores da Academia é outra história - talvez seja excessivamente violento - mas é inegável que é uma extraordinária tour de force que vai marcar a carreira de todos os envolvidos. Vai que é tua, DiCaprio!

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A GRANDE APOSTA

Posted by Clenio on 19:07 in
É difícil julgar um filme como "A grande aposta" - indicado a 5 Oscar 2016 e com boas chances de vitória na categoria principal, já que foi eleito o melhor do ano pelo Sindicato dos Produtores, sempre um importante termômetro das tendências da Academia - sem que se tenha um amplo conhecimento de conceitos e teorias econômicas. Mesmo que o criativo roteiro tente simplificar as coisas e deixá-las razoavelmente aplicáveis ao dia-a-dia do espectador médio, tal providência não é o bastante para fazer com que o público desacostumado a termos técnicos como "tranches", "subprimes" e "obrigações hipotecárias" seja capaz de acompanhar todos os detalhes do novo trabalho de Adam McKay - que saiu direto do despretensioso "Tudo por um furo" para conquistar uma vaga entre os cinco diretores indicados à estatueta mais cobiçada do cinema. Tratar de um assunto relevante mas pouco acessível, porém, não impediu que o filme rendesse mais de 60 milhões de dólares nas bilheterias americanas - responsabilidade também do elenco estelar, liderado por Steve Carrell, Ryan Gosling, Brad Pitt e Christian Bale (que também encontrou uma vaga entre os indicados da categoria de ator coadjuvante) - e recebesse elogios unânimes de todos os lados. Mas será que todo esse auê é merecido ou é apenas mais uma alucinação coletiva que volta e meia acomete os críticos?

É possível que as duas respostas sejam certas. Como narrativa, "A grande aposta" é um triunfo. O roteiro é mordaz, com senso de ritmo e belas sacadas (como o fato do personagem de Ryan Gosling quebrar a quarta parede e falar diretamente com o espectador, como forma de aproximá-lo do que está acontecendo na tela) e a edição é excepcional, ao utilizar imagens de arquivo para localizar a trama em termos cronológicos e enfatizar a série de ironias que desfilam diante dos olhos da plateia. Os personagens são complexos e escapam com maestria do politicamente correto e do maniqueísmo e seus intérpretes são acima de qualquer suspeita - a lembrança de Christian Bale entre os candidatos ao Oscar é justa e Steve Carrell também merecia uma indicação. No entanto, é extremamente difícil a conexão emocional da audiência com uma história tão cheia de pormenores: em determinado ponto, é preciso decidir entre tentar entender os desdobramentos da trama ou acompanhar a trajetória dos personagens envolvidos nela (e como uma coisa depende da outra, dá pra ver o tamanho do problema).

Resumindo em poucas linhas, "A grande aposta" conta como o excêntrico milionário Michael Burry (Christian Bale), ao analisar o mercado imobiliário de 2001, conseguiu prever a imensa crise que irrompeu nos EUA sete anos depois e fez uso de tal informação para lucrar em cima de hipotecas consideradas seguras pelos bancos americanos. Além dele, o roteiro também acompanha outros ambiciosos homens que entraram na jogada - por motivos os mais variados - como Mark Baum (Steve Carrell), traumatizado pelo suicídio do irmão, Jared Vennett (Ryan Gosling), que narra a história, e a dupla de jovens empresários de fundo de quintal Charlie Geller (John Magaro) e Jamie Shipley (Finn Wittrock) que veem na oportunidade única a chance de tornarem-se os bilionários que desejam ser. Todos são desprovidos de consciência e tem como principal objetivo a fortuna fácil. As consequências de sua ganância são o que menos lhes importa. E é aí que reside outro ponto positivo do filme.

Ao abdicar da regra de ouro dos roteiristas - ter ao menos um herói com quem o público possa se identificar - "A grande aposta" corria um risco tremendo, mas por incrível que pareça essa ousadia não atrapalha seu desenvolvimento. É bom ver um filme comercial que despreza as convenções do mercado. Porém, ao contrário do que acontecia em "O lobo de Wall Street", por exemplo - que coincidentemente versava sobre o mesmo universo das finanças - a conexão entre público e personagens inexiste, não devido à falta de caráter de todos eles, mas porque o roteiro complexo em demasia impede que ela aconteça. Dá pra rir em alguns momentos e até se emocionar em outros - cortesia de Steve Carrell - mas no geral falta à "A grande aposta" um elo de ligação entre audiência e personagens. Um pecado considerável, mas que não consegue apagar suas qualidades. Se vale o Oscar, porém, é uma questão polêmica que talvez nunca seja totalmente esclarecida.

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JOY: O NOME DO SUCESSO

Posted by Clenio on 20:59 in
Se existe algum mistério no mundo do cinema é como o cineasta David O. Russell conseguiu se transformar, em pouco mais de cinco anos, em um dos diretores mais queridos da Academia, tendo três filmes seus ("O vencedor", "O lado bom da vida" e "Trapaça") indicados ao Oscar máximo, além de somar onze indicações para seus atores - três deles chegaram a levar estatuetas pra casa, inclusive. Deixando de lado a máquina promocional dos famigerados irmãos Weinstein - ex-donos da Miramax e ainda com grande poder de marketing dentro da indústria - não há explicação para que os filmes de Russell, nunca além de razoáveis, fizessem tanto sucesso. Se sua intenção esse ano era voltar a ficar entre os finalistas, porém, ele deve ter caído das nuvens com a esnobada gigantesca sofrida por seu "Joy: o nome do sucesso". Com apenas uma solitária (e pouco merecida) indicação ao Oscar de melhor atriz para sua parceira habitual Jennifer Lawrence, a história verdadeira da mulher que inventou a Magic Mop (uma espécie de esfregão mais incrementando e que a deixou milionária) acabou com a sequencia de êxitos do diretor - e finalmente mostrou ao público que sua fórmula aparentemente infalível (elenco de amigos + histórias simplistas + direção sem foco) não consegue sustentar-se sem o mínimo de qualidade narrativa.

Aparentemente, a história contada em "Joy" é a da hoje empresária Joy Mangano, que superou inúmeros percalços em seu caminho para patentear sua invenção, nascida da necessidade financeira de manter sua família e quase roubada por empresários mal-intencionados. Porém, sua trajetória, que já daria um filme por si só, não pareceu o suficiente para Russell, que, ao assumir o projeto, resolveu adicionar à trama personagens secundários inexistentes e misturar à vida da protagonista situações ocorridas em vidas alheias - também de mulheres batalhadoras e empreendedoras - como forma de fazer uma homenagem à classe. A ideia até seria louvável se tal decisão não acarretasse um grave problema de ritmo e foco: em inúmeros momentos é impossível saber com certeza se o que se passa na tela é uma comédia sem graça e forçada na maior parte do tempo, um drama superficial e previsível ou uma cinebiografia que exagera na dramaticidade de seus eventos para atingir seus objetivos de inspirar o público. De qualquer forma, é um filme longo demais que falha no mais básico quesito: provocar a empatia de sua personagem central com a plateia.

A culpa nem é de Jennifer Lawrence, que faz o que pode para dar consistência a uma personagem que exigiria uma atriz mais velha, nem do elenco de atores talentosos como Robert De Niro, Isabella Rossellini, Diane Ladd e, vá lá, Bradley Cooper. O problema é realmente do roteiro esquizofrênico - sempre uma questão preocupante nos filmes de Russell - e da direção hesitante, que parece deixar os atores à vontade para improvisações que nem sempre dão certo e volta e meia músicas aleatórias em cenas que soam avulsas à narrativa. Tentando se equilibrar entre um tom naturalista e uma veia surrealista (a mãe da protagonista, vivida por Virginia Madsen passa os dias assistindo a telenovelas que ocasionalmente comentam a ação), o cineasta perde a mão em ambos os terrenos, conseguindo até mesmo neutralizar seus trunfos (a atuação competente mas nunca brilhante de Lawrence e sua química com Édgard Ramírez, por exemplo) e irritar o espectador menos paciente, que não vê a hora dos créditos finais surgirem na tela.

É um alívio saber que "Joy: o nome do sucesso" não conseguiu enganar nem aos frequentemente ingênuos membros da Academia (capazes de engolir tranqueiras como "Sniper americano" e "O discurso do rei"). Talvez seja o prenúncio de que o tempo de David O. Russell e suas mediocridades cinematográficas está finalmente chegando ao fim.



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A GAROTA DINAMARQUESA

Posted by Clenio on 18:56 in
Na Dinamarca da década de 1920, um jovem casal de pintores - ele já reconhecido, ela engatinhando no mercado - tem sua vida modificada drasticamente quando o rapaz começa a deixar crescer dentro de si uma personalidade feminina, que o leva inclusive a ser um dos primeiros pacientes do mundo a submeter-se a uma cirurgia de mudança de sexo. Apesar das dificuldades, porém, a amizade entre eles permanece inabalada e até fortalecida pelos percalços que enfrentam na difícil trajetória para a aceitação da sociedade. Lindo, não? A história real do artista plástico Einar Wegener - contada em forma de romance pelo escritor David Ebershoff - tem todos os elementos necessários para um filme inesquecível, e a atriz Nicole Kidman percebeu isso, comprando os direitos do livro e reservando para si o papel central (masculino!). Porém, como em Hollywood nem tudo anda tão depressa quanto se pode pensar, Kidman acabou passando o projeto adiante - depois que atrizes de gabarito, como Charlize Theron, Gwyneth Paltrow, Marion Cottilard, Uma Thurman e Rachel Weisz, que interpretariam sua mulher, também abandonaram o barco - e "A garota dinamarquesa" caiu no colo de Tom Hooper, vencedor do Oscar por "O discurso do rei" e comandante da soporífera versão cinematográfica de "Os miseráveis". A boa notícia é que o filme finalmente saiu - baseado no livro de Ebershoff e não na história real de Wegener, bem menos asséptica e romântica. A má é que Hooper continua sendo um cineasta medíocre e limitado, incapaz de atingir todas as possibilidades da grande trama que tinha em mãos. Felizmente nem tudo está perdido, uma vez que nem mesmo a burocracia de sua direção consegue impedir que seus dois atores centrais, Eddie Redmayne e Alicia Vikander, entreguem irretocáveis atuações - merecidamente indicadas ao Oscar.

Premiado pela Academia ano passado, por seu desempenho em "A teoria de tudo", Redmayne fisgou o papel principal durante as filmagens de "Os miseráveis" e se mostra à altura do novo desafio. Calcando seu trabalho na sutileza e nos pequenos detalhes, ele percorre o caminho inverso de sua premiada atuação como Stephen Hawking, ao buscar seu personagem não apenas no visual, mas principalmente em seus conflitos internos. Seus gestos discretos e seus olhares divididos entre o desejo e a angústia são provas incontestáveis de seu talento, que transcende até mesmo um roteiro pouco inspirado, que trata uma história potente e corajosa com um respeito excessivo, quase com medo de ultrapassar os limites do que o público-médio pode considerar bom-gosto. A direção de Hooper parece ter medo de ofender a plateia conservadora e acaba por ficar em um incômodo meio-termo, que torna superficial a discussão sobre transgênero para contar uma história de amor - que, apesar de bela, está muito distante da verdadeira. Mesmo que o filme seja baseado em uma versão romanceada da trajetória de Wegener/Lili Elbe, não deixa de ser incômodo perceber o tom fantasioso e excessivamente açucarado da narrativa, fatores que nem mesmo a excepcional reconstituição de época e a sublime trilha sonora de Alexandre Desplat conseguem disfarçar.

Mas, apesar dos pesares, "A garota dinamarquesa" tem seus méritos - mais até do que os dois trabalhos anteriores de Hooper. Se Eddie Redmayne brilha com uma atuação sublime e muito maior do que o filme em si, sua colega de cena, Alicia Vikander, merece todo o auê que vem causando. Além de ter chamado a atenção como a androide de "Ex-machina" (indicado aos Oscar de roteiro original e efeitos visuais), ela transpira verdade em cada cena como Gerda Wegener, injetando emoção e sentimento em uma personagem de grande complexidade. É ela, acompanhada de Redmayne - e do ótimo Matthias Schonaerts (de "Ferrugem e osso") na pele de um amigo de infância de Einar/Lili - que faz com que o filme ultrapasse as limitações de sua direção opaca para atingir a plateia. Redmayne provavelmente irá perder o Oscar para Leonardo DiCaprio, mas Vikander tem boas chances de levar a estatueta de coadjuvante (ainda que seja tão protagonista quanto seu colega de cena). Em mãos de um cineasta realmente talentoso, eles poderiam ter realizado um épico inesquecível. Sob o comando de Tom Hooper eles fizeram mais do que se poderia esperar.

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STEVE JOBS

Posted by Clenio on 19:49 in
Em 2013, o filme "Jobs", estrelado por Ashton Kutcher chegou às telas e não fez nenhum barulho - ao menos positivo, já que naufragou nas bilheterias e foi vítima de críticas inclementes, muitas delas merecidas, outras exageradas. Portanto, quando foi anunciado que uma nova cinebiografia do empresário Steve Jobs seria produzia, todo mundo ficou se perguntando a necessidade de tal insanidade. Aos poucos, porém, as notícias foram ficando boas. O roteiro seria de Aaron Sorkin - vencedor do Oscar por "A rede social". A direção poderia ser de David Fincher - que também comandou a história da criação do Facebook. E Jobs seria interpretado por Christian Bale, um ator com muito, mas muito mais recursos do que o ex-marido de Demi Moore. O tempo foi passando e as coisas foram mudando. Fincher pulou fora do barco por exigir um salário maior do que o oferecido e o controle total sobre a montagem, deixando o projeto nas mãos de Danny Bolye (vencedor do Oscar por "Quem quer ser um milionário?"). Bale foi substituído por Leonardo DiCaprio - até que este também voltasse atrás e fosse filmar "O regresso", com Alejandro G. Iñarrítu - e finalmente o papel central chegou às mãos de Michael Fassbender. Como diz o ditado, há males que vem pro bem. Na pele de Fassbender - um dos maiores atores em atividade no cinema mundial - Steve Jobs ganhou consistência dramática, humanidade e uma das mais fascinantes atuações do ano. Não estivesse disputando o Oscar com o próprio DiCaprio (que tem a seu favor uma espécie de campanha mundial), o ator alemão preferido do cineasta Steve McQueen com certeza já poderia ensaiar seu discurso de vitória.


Usando e abusando de seu talento como dramaturgo premiado, Sorkin não hesita em ignorar solenemente o tradicional esquema das cinebiografias, preferindo contar sua história como se fosse uma peça de teatro dividida em três atos, com estruturas similares, conflitos em constante evolução e um final que coroa sem sombra de dúvida o talento dos atores envolvidos no projeto. Não apenas Michael Fassbender dá um show particular - emulando mais do que o visual de Jobs, mas dando a ele principalmente uma alma, por mais tortuosa que possa parecer - mas tem a seu lado uma sempre impecável Kate Winslet (irreconhecível nas primeiras cenas), o cada vez melhor Jeff Daniels e um surpreendente Seth Rogen que deixa de lado seu timing cômico para viver Steve Wozniak, um dos primeiros sócios do protagonista - e dono de alguns dos melhores diálogos do filme, em especial quando ambos discutem na frente de dezenas de testemunhas e deixam claro o status de sua relação de amizade. Danny Boyle é um diretor talentoso e criativo - seus primeiros filmes, como "Cova rasa" e "Trainspotting, sem limites", deixam isso bem claro a qualquer um que quiser tirar a dúvida - e acerta em não tentar imprimir ao filme sua personalidade muitas vezes mais forte que a história. Dessa vez, ele apenas deixa que sua câmera passeie pelos bastidores dos eventos de lançamento dos produtos de Jobs, testemunhando em silêncio suas brigas internas e externas (em diálogos ágeis e inteligentes que podem até aborrecer aos mais inquietos mas que soam como bálsamo aos fã de palavras e bons intérpretes).

O filme começa em 1984, quando Jobs está em vias de lançar seu Macintosh, primeiro produto da Apple a chegar ao mercado depois do lançamento da Apple II, sete anos antes. Enquanto aguarda o momento de entrar no palco, ele precisa lidar com a visita de uma antiga namorada, Chrissan (Katherine Waterston) - que o pressiona a assumir a paternidade de sua filha de cinco anos de idade - e do antigo sócio Steve Wozniak (Seth Rogen), que pede a ele que agradeça seus antigos colegas no discurso de lançamento. Quatro anos mais tarde, depois do fracasso do Macintosh (que o obrigou a abandonar a Apple), ele retorna à mídia com o lançamento de outra marca, a NeXT, e mais uma vez se vê às voltas com os problemas da paternidade (que finalmente reconheceu) e com o antigo sócio - mas dessa vez também vem à tona os conflitos com John Sculley (Jeff Daniels), que o demitiu da Apple no que ele considera um ato de traição. Em 1998, quando está em vias de lançar o hoje clássico iMac, os problemas ainda existem: sua filha, adolescente, se rebela contra a figura paterna, seus amigos e sócios não aceitam sua personalidade forte e o histórico de inconstâncias em sua trajetória o faz questionar sua vida e relacionamentos.

A aparente simplicidade da trama de "Steve Jobs" não deve ser vista como demérito: a opção de Aaron Sorkin em concentrar sua atenção em momentos decisivos da vida do protagonista e a partir daí construir a ação é arriscada, mas é impossível negar que, com a ajuda da edição e da ideia de Danny Boyle em filmar cada ato em formatos diferentes como forma de ilustrar a evolução da tecnologia da Apple nos dezesseis anos que separam o primeiro do último (16mm, 35mm e digital) sua estrutura acaba por revelar-se genial. O interesse de Sorkin e Boyle não é pelo empresário Steve Jobs e seus triunfos e derrotas, e sim pelo homem por trás de tanta polêmica. Ao filtrar todos os excessos e concentrar seu foco nas dubiedades de seu protagonista, eles não apenas oferecem a Michael Fassbender um personagem arrebatador (e do qual ele se desincumbe com louvor) como entregam à plateia um trabalho diferenciado, que foge dos clichês narrativos. Os jornalistas que lhe deram o Golden Globe de melhor roteiro talvez tenham entendido melhor suas intenções do que os eleitores da Academia, que lhe negaram até mesmo uma indicação na categoria.

Não é todo mundo que vai gostar de "Steve Jobs". Sua narrativa não-convencional, sua recusa em abraçar o previsível e até sua opção em dar mais importância aos diálogos do que a movimentos criativos de câmera fazem com que ele nade contra a corrente do que se espera de um filme comercial. Mas são justamente essas características que o elevam acima da média no gênero. Um filme inteligente e ousado, estrelado por um dos maiores atores de nosso tempo. Precisa mais?

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