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CINE HOLLIÚDY

Posted by Clenio on 23:41 in
Chega a ser desanimador o panorama da comédia feita no Brasil. Uma vez que a Globo Filmes assumiu o monopólio do gênero com produtos de gosto duvidoso - pra não dizer de extremo mau-gosto - ficou difícil ao espectador com um mínimo de inteligência conseguir dar risadas no escurinho do cinema com produções brazucas. Felizmente focos de resistência sempre existem e as produções regionais acabam surgindo como luzes no fim do túnel. Um exemplo vivo dessa afirmação e dessa tendência é "Cine Holliúdy", de Halder Gomes. Distante anos-luz da pasteurizada produção oriunda da Globo, a comédia do diretor cearense brinca com os clichês cinematográficos para contar a emocionante saga de Francisgleydsson (Edmilson Filho), proprietário do cinema do título, em busca de manter seu negócio no interior do Ceará dos anos 70, apesar da ameaçadora presença da TV, iniciando sua dominação popular.

A temática que contrapõe a invasão da televisão contra as salas de cinema lembra o mote do setentista "Bye bye, Brasil", de Cacá Diegues, onde um grupo de artistas de circo precisavam lidar com o esvaziamento de seus espetáculos diante da máquina de fazer doidos. Mas as semelhanças param por aí: enquanto o filme de Diegues utilizava-se de rostos conhecidos do público para contar sua história - e tinha música-tema composta especialmente por Chico Buarque - "Cine Holliúdy" tem como principais atrativos seu elenco de atores locais, de rostos marcantes como personagens de Fellini e a trilha sonora deliciosa que resgata clássicos do cancioneiro brega, de Odair José a Márcio Greyck, que brinda o público com uma participação afetiva que dá o tom exato entre despretensão e carinho que define o filme.

Buscando em sua infância a inspiração para a gama de personagens engraçadíssimos que desfila pela tela, Halder expande, em seu filme, a ideia de seu próprio curta "Cine Holiúdy, o astista contra o caba do mal", premiadíssimo em festivais de cinema de 20 países. Utilizando-se de legendas para facilitar o entendimento do dialeto cearense utilizado nos diálogos hilariantes criados por seu roteiro, o diretor não hesita em abraçar firmemente suas origens, sem medo de soar bairrista ou ininteligível. Cantando sua aldeia para tornar-se universal, conforme aconselhado por Tolstói, Gomes conquista pela simplicidade de seus protagonistas e pelo amor que eles tem pela sétima arte, maior até do que seus problemas financeiros. Assim como Selton Mello fez em seu ótimo "O palhaço", Halder descreve a paixão pela arte, pelo riso e pela fantasia como válvula de escape de um mundo sofrido e opressor. É no escurinho do cinema que um menino pobre que toma caldo de feijão imaginando um copo de Toddy sente-se feliz. É assistindo às lutas de artes marciais capengas projetadas no telão que os rapazes da cidade dão vazão a seus sonhos de transformarem-se em super-herois. É naquele espaço abafado que todos são iguais, o prefeito e os desocupados, os gays e os heteros, as mulheres e os homens, os jovens e os velhos. A coleção de figuras que ocupa a pequena Pacatuba se encontra no Cine Holliúdy e ali, todos sonham e viajam juntos.

Não é à toa que "Cine Hollyúdi" tem esse título, que remete diretamente ao inesquecível "Cinema Paradiso", que ganhou o Oscar de filme estrangeiro em 1990. Assim como no filme de Giuseppe Tornatore, a comédia de Gomes também tem a sétima arte como personagem e mola-mestra. Semelhante ao já clássico italiano, o conto de superação de Francisgleydsson (vivido com extraordinária graça por Edmilson Filho, que tem uma cena genial onde dramatiza um filme inteiro diante dos espectadores) é uma ode ao espírito humano e à paixão pela arte. É simples, é direto e é uma das melhores comédias que o cinema nacional já criou.

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JOBS

Posted by Clenio on 20:31 in
Falta mais do que simplesmente um diretor experiente, um roteiro inteligente e um ator central competente para que "Jobs" seja um bom filme: falta-lhe alma. Dirigida pelo desconhecido Joshua Michael Stern - cujo trabalho mais conhecido é a semidesconhecida comédia "Promessas de um cara-de-pau", estrelado por Kevin Costner e ignorado em larga escala - a cinebiografia do criador da Apple esbarra em um roteiro didático e sem emoção, em uma direção acadêmica e sem inspiração e um Ashton Kutcher que, se não chega a constranger, também não atrapalha (além de estar fisicamente bastante parecido com o empresário). Apesar disso, não é tão ruim como parece: se não chega aos pés de "A rede social", de David Fincher - que conta a criação do Facebook com uma energia que Stern apenas sonha - ao menos serve para ilustrar a vida de uma das mais influentes personalidades do século XX.

O roteiro de "Jobs" é linear, começando em 1971 - quando o protagonista ainda era um estudante quase relapso - e vai até 2000, quando ele reassume o poder na Apple, que ele cria no meio do caminho. Assim como no filme de Fincher, o genial Steve tem sérios problemas de socialização e não hesita em trair os melhores amigos em prol do sucesso, mas a forma com que tudo é contado não permite ao espectador mais do que o papel de testemunha passiva. Porem, enquanto Aaron Sorkin brincava de ir e vir no tempo para montar o quebra-cabeças das relações de Mark Zuckerberg com seus associados, contando com a ajuda da excepcional montagem, Matt Whiteley, em seu primeiro roteiro, não ousa, preferindo seguir um caminho mais direto e talvez por isso, menos interessante. A impressão que fica, na verdade, é que o filme é uma série de cenas quase independentes, contando anedotas a respeito das criações mais famosas do protagonista sem preocupar-se em dar a ele uma personalidade. Como está no filme, Steve Jobs é quase unidimensional e desinteressante, não permitindo ao público que realmente se importe com seus problemas nem mesmo quando ele prova o próprio veneno e se vê afastado do que criou. E talvez boa parcela dessa apatia venha do que poderia ser seu maior trunfo: Ashton Kutcher.

O ex-marido de Demi Moore já provou que, quando quer, sabe sair da persona meio debilóide que lhe fez a glória na série "The 70's show" e em filmes como "Cara, cadê o meu carro?". Sua performance no suspense "O efeito borboleta" mostrou que por trás do corpo de galã há um ator com potencial. Mas o que poderia ser o seu pulo do gato rumo à respeitabilidade artística acabou sendo um tiro n'água: apesar da semelhança física com Steve Jobs e de seu perceptível empenho em fazer o melhor trabalho possível, Kutcher tropeça no roteiro quadrado e na direção sem inspiração. São essas falhas cruciais que impedem que o filme decole e seja mais do que apenas correto. Podia ser pior, mas também podia ser bem melhor.


 

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OS SUSPEITOS

Posted by Clenio on 21:10 in
Realizar um filme de gênero é sempre um desafio para um grande diretor: é preciso jogar com os elementos clássicos de forma inteligente, de maneira a prender a atenção de um público mal-acostumado com os clichês e ainda assim imprimir uma marca que o distingua de dezenas de outros lançamentos. Para sorte dos cinéfilos, vários mestres conseguiram esse feito: Pedro Almodovar fez isso magistralmente em "Má educação". David Fincher também, em "Zodíaco". Scorsese idem, em "A época da inocência" e Woody Allen em "Match point". A lista, agora, tem um novo nome: Dennis Villeneuve, o canadense do sublime "Incêndios" (2010). Seu "Os suspeitos" foge da simples definição de filme policial para transformar-se, em suas mãos, em um sério e claustrofóbico estudo sobre a culpa, a justiça pelas próprias mãos e o sentimento de perda.

O título original - "Prisioners" - pra variar tem muito mais camadas do que a tradução preguiçosa escolhida pela distribuidora, que já havia batizado outro grande filme, dirigido por Bryan Singer em 1995 e que deu o primeiro Oscar a Kevin Spacey. No filme de Villeneuve, os protagonistas são realmente prisioneiros, cada um a seu modo, das consequências do desaparecimento de duas meninas no feriado de Ação de Graças em Boston. O pai de uma delas, Keller Dover (Hugh Jackman) parte em uma busca obsessiva por seu paradeiro, que ele julga ser de conhecimento de Alex Jones (Paul Dano), um rapaz com problemas mentais visto nas redondezas do rapto. O policial Locki (Jake Gyllenhaal), encarregado do caso, sente-se em dívida de honra com o desesperado pai, especialmente quando o principal suspeito é liberado apesar de sua promessa de mantê-lo sob vigilância. E, logicamente, as duas famílias também estão aprisionadas à dúvida sobre a vida ou morte de suas crianças.

Os desdobramentos da trama, criada pelo roteirista Aaron Guzikowski, não valem a pena ser mencionados, sob pena de estragar a diversão - se é que "diversão" é o adjetivo adequado a um filme que mantém a tensão da plateia à flor da pele. No pleno domínio de seu trabalho como cineasta, Villeneuve constroi um suspense crescente, espalhando pistas sobre a resolução do caso (quase simplista, mas coerente) pelas cenas, dirigidas com economia de movimentos de câmera e atenção redobrada aos detalhes. A fotografia úmida e noir do mestre Roger Deakins colabora para o tom sombrio da narrativa, que não dá espaço para momentos desnecessários (e o faz com tanta competência que as duas horas e meia passam sem que se perceba). O roteiro segue o padrão que todos conhecem - o crime, a investigação, as pistas falsas, o clímax, o desenlace - mas o faz com uma propriedade ímpar, que faz com que tudo soe como novidade aos olhos da plateia, principalmente por dar uma importância rara às consequências dramáticas dos atos de seus personagens.

Ao contrário da maioria dos filmes policiais, onde os personagens existem somente para empurrar a história, em "Os suspeitos" é a história que empurra os personagens. Interessa a Villeneuve, cineasta com um olho cuidadoso para as mazelas do ser humano, mais a violência psicológica que se passa no subterrâneo da mente de Dover, Jones e Locki do que a violência física que porventura possa estar ocorrendo no cativeiro das meninas sequestradas. É a forma com que o pai angustiado e o policial dedicado lidam com o caso que eleva o filme a um patamar acima de seus congêneres, e para tal conta com um elenco brilhante, liderado por Hugh Jackman na melhor atuação de sua carreira - muito superior à sua interpretação indicada ao Oscar pelo modorrento "Os miseráveis" - e Jake Gyllenhaal, que constrói seu Locki com uma expressão corporal sutil e eficaz. O cada vez melhor Paul Dano e a oscarizada Melissa Leo também tem interpretações de destaque, em papéis que exploram a contento suas melhores qualidades.

Forte, intenso e digno de figurar entre os indicados ao próximo Oscar - o que infelizmente não deve ocorrer, haja visto sua ausência nas listas divulgadas até o momento - "Os suspeitos" é uma estreia alvissareira do diretor Dennis Villeneuve em Hollywood. Que se mantenha assim.

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ALÉM DA FRONTEIRA

Posted by Clenio on 18:33 in
Em um mundo perigosamente à beira de um retrocesso gigantesco em termos de direitos humanos - que o digam os Felicianos e Bolsonaros da vida - o filme "Além da fronteira" não deixa de ser um contundente e oportuno grito de alerta. Ao contar uma história de amor gay entre um judeu e um palestino, o diretor Michael Mayer costura dois temas polêmicos - a homossexualidade e a guerra religiosa - tendo como linha o preconceito, que, utilizando-se de várias faces, ainda é a principal arma dos hipócritas e limitados. Mesmo que peque por não aprofundar as discussões a que se propõe - e de ter semelhanças temáticas com o ótimo "Bubble", de 2006 - o filme de Mayer tem a seu favor uma dupla central carismática e a capacidade de indignar e questionar.

Nimr Mashrawi (Nicholas Jacob) é um brilhante estudante de Psicologia palestino que tem ambições de chegar à uma universidade americana, onde poderá ter seus talentos reconhecidos. Premiado com um passe livre que lhe permite estudar em Israel, ele conhece e se apaixona por Roy Schaefer (Michael Aloni), um jovem advogado que trabalha com o pai e tem uma relação liberal com a família, que aceita e lida com naturalidade com sua sexualidade. Esse liberalismo mostra reservas, no entanto, quando Roy apresenta o novo namorado, que eles consideram uma espécie de afronta a suas crenças. O preconceito da família de Roy, porém, se torna o menor dos problemas do casal quando Nimr descobre que seu irmão mais velho, Nabil (Jamil Khoury), esconde em sua casa armas do exército palestino. Separados pela geografia - quando Nimr tem seu passe cancelado graças ao envolvimento do irmão no conflito - e pelo crime que a homossexualidade representa na Palestina (e cuja penalidade é a morte), Nimr e Roy precisam, então, encontrar uma maneira de manter-se juntos e salvar seu relacionamento.

Econômico nas cenas mais quentes de homoerotismo por preferir dar ênfase ao teor mais romântico e trágico da relação entre seus protagonistas, Michael Mayer opta por fazer, de seu filme, um libelo à liberdade e ao amor, independente de sexo, religião, nacionalidade ou ideologias. Para ganhar uma audiência maior do que o nicho do cinema de temática gay, ele acerta ao acrescentar elementos de suspense em seu terço final, onde todos se veem torcendo por um final feliz entre os protagonistas, sem importar-se se eles são dois homens. É o pulo do gato do roteiro, que até então poderia ser apenas mais uma história de amor proibido direcionada a uma parcela restrita de espectadores. Pode soar um tanto frio para a plateia homossexual, mas é uma forma de atingir um espectro maior de público e fazer com que sua mensagem anti-intolerância seja ouvida com mais atenção.

No final das contas, "Além da fronteira" é uma simples história de amor, valorizada por uma interessante discussão político-religiosa que, nunca é demais relembrar, tem como meta impedir a força do amor e da felicidade pessoal. Vale experimentar e pensar sobre sua mensagem.

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A FAMÍLIA

Posted by Clenio on 17:16 in
Cineastas como o francês Luc Besson sofrem de um mal que acomete a todos aqueles que tem a sorte de chamar a atenção do público e da crítica já em seus primeiros trabalhos: a obrigação de ser sempre grande. Besson, que conquistou a audiência mundial nos anos 80, com filmes como o belo "Imensidão azul" (88) e "Nikita, programada para matar" (90), adentrou os 90 com os badalados "O profissional" (94) - que tem o mérito de ter lançado Natalie Portman - e o cultuado "O quinto elemento" (97), mas entrou em uma curva descendente na carreira desde que impôs sua então namorada Milla Jovovich como estrela do polêmico "Joana D'Arc" (99). A partir daí nunca mais fez um trabalho digno de seus primeiros, chegando inclusive a comandar produções infanto-juvenis. Por isso, é difícil entender tanta fúria contra "A família", seu mais recente filme. Taxada de dispensável, decepcionante e outros adjetivos tão beligerantes quanto, a comédia policial de Besson pode não ser inovadora como seus trabalhos mais conhecidos, mas cumpre o que promete. E qual o pecado em ser despretensioso?

Tudo bem que a reunião em um filme dos astros Michelle Pfeiffer e Robert DeNiro - este último voltando a viver um mafioso, como em seus bons tempos - com um diretor que já mostrou em outras ocasiões que sabe perfeitamente equilibrar cenas de violência com momentos dramáticos (ou cômicos) tinha tudo para ser um filmão, mas daí a apedrejar tão impiedosamente uma obra que tem por objetivo apenas divertir por duas horas chega a ser inexplicável. Mesmo que não se aprofunde no desenho de seus personagens e fique na superficialidade a maior parte do tempo, o roteiro de "A família" faz bom uso das diferenças culturais entre EUA e França - coisa que nem todo filme consegue fazer sem soar repetitivo - e faz rir quando destrói sistematicamente a imagem da tradicional família suburbana ianque - como também o fez, com maior sorte em termos de apreciação, o hoje mainstream John Waters em seu "Mamãe é de morte".

No filme de Waters, Kathleen Turner é uma dona-de-casa aparentemente normal que não hesita em eliminar qualquer pessoa que ameace o bem-estar de sua família de comercial de margarina. Porém, enquanto Waters deixava claro sua intenção de zoar o american way of life, Besson prefere fazer uma espécie de sátira aos filmes de Máfia - e talvez aí esteja o calcanhar de Aquiles de sua obra. Enquanto mostra a adaptação da família - com hábitos alimentares pouco saudáveis, por exemplo - a um estilo novo de vida na Normandia, o roteiro diverte e faz rir, em especial nos momentos em que todos os membros (sem exceção) deixam aflorar seus reais métodos de solução de problemas, inspirados nas violentas regras da Cosa Nostra. No entanto, quando tenta ser violento de verdade, Besson não consegue fazer a transição com a mesma desenvoltura: não se sabe, quando o clímax chega, se trata-se de um filme policial para ser levado a sério ou uma comédia que perdeu o senso de humor. Essa indecisão, em uma hora tão crucial, enfraquece o conjunto da obra.

Mas esses pecadilhos de Besson são facilmente perdoáveis quando se percebe o quanto Michelle Pfeiffer e especialmente Robert DeNiro estão à vontade em seus papéis. DeNiro, inclusive, é o protagonista da melhor sequência do longa, quando é convidado a palestrar sobre "Os bons companheiros", de seu velho colega Martin Scorsese: uma brincadeira simpática e carinhosa do roteiro, que deixa até mesmo o normalmente apático Tommy Lee Jones dentro do clima. "A família" é, na verdade, isso mesmo: uma brincadeira agradável e despretensiosa, que deve ser vista e apreciada como tal.

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CAPITÃO PHILLIPS

Posted by Clenio on 22:07 in
Doze anos depois de sua última indicação ao Oscar de melhor ator - pelo filme "Náufrago" - Tom Hanks pode estar a um passo de repetir a sensação de ver seu nome anunciado quando os indicados da Academia forem divulgados. Seu trabalho no filme "Capitão Phillips", dirigido por Paul Greengrass já o garantiu nas listas do Golden Globe e do Screen Actors Guild e somente se houver uma hecatombe essas lembranças não irão se converter em sua 6ª indicação. Melhor que o retorno de Hanks às telas e às cerimônias de premiação em si, porém, é o fato de que todos os elogios que vem recebendo são absolutamente justos. Na pele de um homem preso em uma situação extrema e de grande perigo, o duplamente oscarizado ator apresenta seu melhor desempenho em anos, em um filme dirigido com grande competência - e que também pode ser homenageado com uma indicação ao Oscar.

Uma história real, "Capitão Phillips" se passa em 2009, quando o capitão do título - vivido por um Tom Hanks maduro e tentando deixar de lado sua marcante simpatia - inicia uma viagem com seu Maersk Alabama com o objetivo de levar comida, água e remédios para a população de Mombasa, na Somália. No meio do caminho, porém, o navio é abordado por um grupo de piratas somalianos, que não hesitam em invadir a embarcação para levar dinheiro para seu chefe. Liderados pelo violento Abduwali Muse (Barkhad Abdi), os homens exigem mais do que os marinheiros americanos, o que os leva a um tenso impasse, que resulta na fuga dos criminosos, que levam Phillips como refém.

Dirigido com energia por Greengrass - que tem experiência em filmes de ação, como comprovam os dois últimos capítulos da trilogia Bourne estrelados por Matt Damon e o elogiado "Voo United 93", que lhe deu uma indicação ao Oscar em 2007 - e interpretado com absoluta entrega por um elenco sempre à flor da pele, "Capitão Phillips" surpreendeu nas bilheterias americanas, onde já ultrapassou a barreira dos 100 milhões de dólares de arrecadação. Realizado por um modesto orçamento de 55 milhões (levando-se em consideração a presença de Hanks e o detalhismo da produção), o filme também vem colhendo elogios pela atuação de Barkhad Abdi, ator somaliano que, assim como Hanks, também já está no páreo das principais premiações do cinema americano. Estreante, Abdi - que trabalhava como motorista e nunca teve ambições de tornar-se ator - encara Hanks em confrontamentos de grande força dramática e, apesar de demonstrar sua falta de experiência, consegue manter o nível de tensão nas alturas, o que por si já é bastante difícil, principalmente se for levado em conta o fato de que muitas cenas passadas em um bote salva-vidas foram realmente filmadas em uma réplica minúscula.

Quanto à Hanks, pouco precisa ser dito. Um dos mais carismáticos astros do cinema americano em atividade, ele dá a seu Capitão Phillips a medida exata de heroísmo, humanidade e ousadia que fazem com que o papel lhe caiba como uma luva. Em um ano em que também interpreta Walt Disney no ainda inédito "Saving Mr. Banks" - onde atua ao lado de Emma Thompson - ele mostra que fez mais falta do que parecia.

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GRAVIDADE

Posted by Clenio on 19:30 in



Vez ou outra acontece de um filme despertar uma espécie de alucinação coletiva entre crítica e público. Quando isso acontece, filmes comuns - quando não medíocres - são elevados inexplicavelmente à condição de obra-prima sem que tenha armas para isso. Em 2013 esse fenômeno voltou a acontecer com "Gravidade". Primeira ficção científica do cineasta mexicano Alfonso Cuarón, rendeu mais de 100 milhões de dólares somente no mercado americano e vem sendo louvado com um dos melhores filmes do ano, com possibilidades bem reais de estar entre os indicados ao Oscar - haja visto o prêmio da Associação de Críticos de Los Angeles e as generosas indicações ao Golden Globe. O problema é que, a despeito de seus efeitos especiais de última geração e da fotografia extraordinária de Emmanuel Lubezki, "Gravidade" é extremamente chato - cortesia da história rasa e da sempre enfadonha Sandra Bullock.

Bullock -  prejudicada pelo uso de botox e por sua habitual auto-confiança e inexplicavelmente incensada por sua atuação - vive Ryan Stone, uma especialista da NASA que se vê à deriva no espaço, depois que sua nave é destruída pelos resquícios de um satélite russo e ela perde o contato com seus dois colegas, entre eles George Clooney. O filme narra, então, suas tentativas desesperadas de voltar à órbita da Terra, boa parte delas atrapalhada por sua falta de experiência.

O problema de "Gravidade" nem é a sua dependência de se gostar ou não de Sandra Bullock como atriz, ainda que, estando ela em cena 100% do tempo e quase sempre sozinha, seja mandatório que se tenha ao mínimo simpatia por ela. O que atrapalha ao filme de Cuarón é seu roteiro superficial, que não é capaz de aprofundar nem ao menos sua protagonista. De Ryan, por exemplo, sabe-se apenas que perdeu uma filha de quatro anos e não é exatamente uma pessoa feliz. E essa falha torna-se imensa quando se procura algo mais no filme do que belos efeitos visuais, ainda que muita gente tenha tentado encontrar em sua trama frágil metáforas para praticamente qualquer coisa - desde a insignificância do homem diante do universo até implicações políticas que somente uma mente muito criativa consegue explicar.

A questão que fica, portanto, é uma só: vale a pena assistir? Depende. Se você é fã de ficção científica, Sandra Bullock ou efeitos especiais caprichados a resposta é sim: dentro do gênero, o filme de Cuarón é coerente e realista, Bullock oferece tudo aquilo que se espera dela e o visual é deslumbrante. Caso contrário, a única coisa que "Gravidade" irá lhe causar é sono e a sensação de tempo perdido.

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QUEDA LIVRE

Posted by Clenio on 18:57 in
"Queda livre" já chegou ao Brasil com a pecha de "Brokeback Mountain alemão". O que poderia ser uma boa propaganda - afinal o premiado filme de Ang Lee é respeitado e admirado por qualquer bom fã de cinema, independente de sua sexualidade - acaba sendo, no final das contas, um peso. Por que o público iria às salas exibidoras assistir a um filme com uma história já conhecida, afinal? No entanto, à parte esse deslize de marketing - e as inúmeras semelhanças que tem com o filme estrelado por Heath Ledger e Jake Gyllenhaal - o trabalho do cineasta Stephan Lacant tem suas próprias qualidades e, embora não acrescente muito ao cinema de temática gay, serve para, mais uma vez, levantar questões importantes em um mundo perigosamente à beira de uma hecatombe religiosa.

Enquanto "Brokeback Mountain" tinha como sua maior ousadia localizar seus protagonistas em um mundo notoriamente viril e masculino, "Queda livre" encontra seus personagens também em um ambiente claramente hostil a manifestações homoafetivas: o corpo policial. Marc Borgmann (Hanno Koffler) é um policial com um futuro promissor e que está em vias de tornar-se pai. Morando com a esposa Bettina (Katharina Schuttler) e os pais, ele se surpreende com a força de sua atração por um colega de treinamento, Kay Engel (Max Riemelt), com quem se envolve numa relação passional e romântica. Dividido entre suas duas vidas, ele ainda testemunha o preconceito que circunda os homossexuais em seu meio, sentindo-se incapaz tanto de assumir sua nova condição - e logicamente ter de enfrentar as consequências disso - quanto de levar uma vida normal com a família.

Não há maiores surpresas ou inovações na maneira com que Lacant conta sua história. Assim como acontece nos filmes do gênero, a ligação entre Marc e Kay vai tornando-se cada vez forte, forçando os personagens ao encontro de seus destinos mesmo contra sua vontade. Como normalmente ocorre, é Kay, o bem-resolvido, o catalisador de todas as mudanças e, como de praxe, não existe crescimento sem dor. O roteiro é, ao menos, esperto em fugir do previsível em seu terço final, buscando resolver as situações propostas de maneira realista - ainda que talvez suas escolhas não agradem a todo mundo.

Fotografado com grande competência - em especial nas cenas de amor entre os protagonistas, que prescindem do vulgar mas não do calor - e interpretado com vigor por dois atores entregues sem medo a seus papéis, "Queda livre" não é uma obra-prima do gênero, mas está muitos degraus acima de muitos produtos feitos apenas para chocar.

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