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BENT FOR YOU

Posted by Clenio on 13:49 in ,
"Tenho me carregado tão perdido e pesado pelos dias afora... E ninguém vê que estou morto." (Caio Fernando Abreu)

E como dizia a canção do Chico, eu tinha cá pra mim que vivia enfim um grande amor. Quando te conheci, quando te vi, quando te percebi, tudo pareceu novo, fácil, colorido. Quando descobri que estava te amando me tornei forte, corajoso, feliz. Quando ouvi que você também me amava eu acreditei, eu vibrei, eu saí do fosso escuro onde me encontrava desde tempos imemoriais. Quando planejei nosso encontro fui ambicioso, esperançoso, ansioso, feliz. Escutar sua voz me levava ao céu, te ver sorrindo me fazia crer na felicidade, te esperar me fazia ter um motivo para viver.

Mas você é uma fraude. É um fraco. É um covarde. É um egoísta. É autocomplacente. É feliz em ser infeliz. É todas as coisas ruins que eu nunca quis ver, que eu nunca consegui enxergar, que eu jamais deixei antever, tão apaixonado e iludido estava com suas doces palavras.

Eu me vi em você, senti em você minha alma gêmea, o pedaço que faltava para me fazer inteiro. Eu vislumbrei em você um futuro repleto de felicidade, de amor, de compreensão, de carinho, de entrega. Mas, ao contrário do que eu sempre vi, você jamais será capaz de entender o tamanho do meu amor, o alcance do meu desejo, a força da minha paixão por você. Porque você não tem a capacidade de amar, porque você é apaixonado por sua própria tristeza, porque você nunca foi sincero.

Eu me curvei a você, a suas promessas, a suas crises. Levantei você, animei você, arranquei você de seu inferno particular tantas vezes me foi possível. E o que tive em troca? Frieza, silêncios, crueldade. Recebi, em troca do meu amor, um nada, um vazio que me preenche o coração e me sufoca a ponto de me fazer chorar. Ter o amor que você dizia sentir por mim me fazia ser o melhor homem do mundo. Hoje o que eu sou? Um arremedo de ser humano. Um cínico, um recalcado, um apático, uma pessoa que leva os dias esperando que um deles seja o último.

Não sei o que sinto por você, hoje. Dizem que o amor e o ódio são faces da mesma moeda e, se isso for verdade, ainda a carrego no meu bolso. Confesso que ainda durmo com sua foto debaixo do meu travesseiro, porque nos meus sonhos eu ainda acredito que você me ama. Mas eu gostaria de te odiar, ou simplesmente te esquecer. Porque você cometeu o pior crime do mundo: me arrancou a alma e a capacidade de acreditar em mim.

Eu te amei. De verdade.

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J. EDGAR

Posted by Clenio on 02:05 in
Muitos fãs de Leonardo DiCaprio ficaram ofendidos e indignados ao não localizarem seu nome na lista dos indicados ao Oscar deste ano, mesmo ele tendo concorrido ao Golden Globe e ao prêmio do Sindicato dos Atores. Porém, se eles deixassem que a razão falasse mais alto do que o coração eles perceberiam que sua exclusão nada mais é do que extremamente justa. O trabalho de DiCaprio como uma das mais controversas personalidades americanas do século passado é frágil e irregular, assim como o é o filme de Clint Eastwood como um todo. Com sérios problemas de ritmo e um roteiro que não se decide entre o histórico e o escandaloso, "J.Edgar" fica muito aquém de suas pretensões.

O 32º longa-metragem de Eastwood sofre principalmente por ter que resumir, em pouco mais de duas horas, quase cinquenta anos da vida de J.Edgar Hoover, que dedicou praticamente toda a sua existência à criação e modernização do FBI, usando e abusando de chantagens e todo tipo de intimidação e meias-verdades. Mesmo levando em conta essa dificuldade, o roteiro de Dustin Lance Black - vencedor do Oscar por "Milk, a voz da igualdade" - peca por não alcançar toda a complexa personalidade de seu protagonista (que escondia vorazmente sua homossexualidade e mantinha uma relação obsessiva com a mãe superprotetora vivida aqui por Judi Dench), apelando para o velho clichê da narrativa em flashbacks, quando um envelhecido Hoover conta sua ascensão dentro do governo aos autores da história do Bureau. É por suas palavras que a audiência fica sabendo de sua perseguição a alguns dos gângsteres mais conhecidos dos anos 30, como Dillinger e Al Capone e à trágica resolução do sequestro do filho bebê do aviador Charles Lindbergh (Josh Lucas), além de sua relação problemática com alguns dos presidentes americanos (apesar de tais problemas passarem pela tela de forma tão rápida que, para que sejam plenamente compreendidos, é preciso ter um conhecimento da história dos EUA maior do que grande parte do público tem).

Apesar de ser admirável a intenção do veterano cineasta de mostrar o lado menos conhecido de Hoover - que, apesar de tudo foi o responsável por grandes avanços na técnica investigativa e lutava contra seus próprios desejos - seu filme sofre também com a escalação equivocada do elenco. DiCaprio se esforça para interpretar o papel-título com fidelidade, mas é visível que não tem o estofo dramático necessário para atingir todas suas notas, nunca ultrapassando o razoável (além de ser prejudicado por uma maquiagem das mais tenebrosas da história do cinema recente). Seu colega de cena, Armie Hammer (que vivia os gêmeos milionários de "A rede social"), que interpreta o amante de Hoover, Clyde Tolson, consegue ser ainda pior, o que fica claro na sua última cena juntos, que tenta emocionar mas apenas entedia. E Naomi Watts, coitada, não tem possibilidade nenhuma com uma personagem que poderia ser crucial - a secretária de extrema confiância Helen Gandy - mas não passa de uma coadjuvante de luxo.

Para não dizer que não se falou das flores, "J.Edgar" tem uma reconstituição de época caprichada e uma bela fotografia (cortesia de Tom Stern, fiel parceiro do diretor). Mas é pouco em se tratando de um filme muito esperado e que poderia ser o veículo certo para que Leonardo DiCaprio conseguisse convencer seus detratores de que é um grande ator. Ainda não foi dessa vez!

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OS DESCENDENTES

Posted by Clenio on 00:30 in
Em 2004, o ator George Clooney já era um ator respeitado dentro da indústria cinematográfica, mas foi recusado pelo cineasta Alexander Payne para interpretar o protagonista de seu filme "Sideways - Entre Umas e Outras" justamente por já ser conhecido demais do grande público. O papel acabou indo parar nas mãos mais apropriadas de Paul Giamatti, o perdedor-mor de Hollywood. Sete anos depois, Clooney acabou sendo escolhido por Payne para protagonizar seu novo longa, a comédia dramática (ou drama com toques cômicos) "Os Descendentes", baseado em um romance de Kaui Hart Hemmings. Por suprema ironia do destino, enquanto Giamatti foi esnobado pela Academia a despeito dos elogios unânimes à sua atuação, Clooney não apenas recebeu uma nova indicação ao Oscar como é o favorito para levar a estatueta pra casa no próximo dia 26 de fevereiro.

Fiel a seu estilo de contar histórias simples sobre gente comum - e encontrar dentro delas elementos dramáticos suficientes para sustentar um roteiro interessante - Payne desta vez centra seu foco em Matt King (George Clooney), um banqueiro americano que vive no Havaí com a esposa e as duas filhas e vê sua vida transformada por duas situações distintas: na primeira, ele precisa, como responsável pelo espólio da família, decidir a venda das terras que são de sua propriedade há centenas de anos. Na segunda, precisa lidar com o coma irreversível da esposa depois de um acidente de barco - e a revelação de que ela o traía com outro homem. Desnorteado com a notícia, ele parte em busca do amante da esposa, acompanhado das duas filhas e do amigo de uma delas.

Certamente a maior qualidade de "Os descendentes" é a direção segura e sutil de Alexander Payne, que parece ter encontrado o equilíbrio perfeito entre o drama e o humor, sem pesar a mão nos momentos de maior emoção nem tampouco exagerar na ironia que sempre perpassa sua obra. Seu discreto trabalho permite ao elenco - no qual se destaca a ótima Shailenne Woodley, injustamente esquecida pelo Oscar apesar da indicação ao Golden Globe - um tom naturalista que aproxima as personagens da plateia e faz com que todas as situações do enredo, por mais surreais que possam parecer, soem extremamente verossímeis. O roteiro, fluente e agradável, remete aos melhores momentos de sua carreira - a ironia sardônica de "Eleição" e "Ruth em questão" e o tom melancólico de "As confissões de Schmidt" - e a trilha sonora adequada (composta por uma música típica havaiana) surge nos momentos certos, nunca atrapalhando a narrativa ou buscando chamar mais a atenção do que a trama.

Mas, mais do que a direção suave de Payne e que o roteiro equilibrado, o que mais chama a atenção em "Os descendentes" é, sem dúvida, a atuação impecável de George Clooney. Demonstrando uma maturidade e uma segurança ímpares, o ator (que ficou injustamente de fora do Oscar também como diretor pelo espetacular "Tudo pelo poder") transforma seu trabalho como Matt King na melhor interpretação de sua carreira até agora, transmitindo uma vastidão de sentimentos que nenhuma atuação anterior lhe permitiu. Tudo que King sente - a perplexidade de saber-se traído, a dor de perder a mulher que ama, as dúvidas em relação aos negócios familiares, o medo de não saber como cuidar das filhas - Clooney transparece no olhar, no gestual, nas entonações nunca fora de tom. Em especial a cena em que se despede da esposa é capaz de emocionar sem apelar para o piegas, e suas sequências com Shailene Woodley demonstram também uma generosidade cada vez mais rara no cinema americano.

"Os descendentes" é um ótimo pequeno filme. Pequeno porque não chama a atenção com efeitos visuais ou campanhas agressivas de marketing, preferindo conquistar pela simplicidade. Ótimo porque filmes assim não acontecem a toda hora. Se merece o Oscar principal? Se o colocarmos lado a lado com "O artista" e "Meia-noite em Paris" talvez não. Mas é muito, muito superior a "Histórias cruzadas" e "Moneyball - O homem Que mudou o jogo". Que a Academia decida com sabedoria!

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MILLENNIUM - OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES

Posted by Clenio on 01:35 in
A coisa já começa mais do que bem, com créditos iniciais criativos e intrigantes (como não deixa de ser tradicional em se tratando de David Fincher). Mas a versão americana de "Os homens que não amavam as mulheres" - sob o comando do mesmo homem que fez a criação do Facebook tornar-se um filme empolgante em "A Rede Social" e assinou dois dos mais fantásticos thrillers das últimas décadas, "Seven" e "Zodíaco" - tem muito mais a oferecer. Em 158 minutos de filme, Fincher consegue o que parecia bastante improvável: realizar o remake de um suspense sueco baseado em um best-seller mundial, dando a ele uma marcante assinatura visual e um clima de tensão que era apenas ensaiado em seu original. Não é que o filme de Niels Arden Oplev seja ruim, muito pelo contrário. Mas, por incrível que pareça, seu irmão americano é muito melhor.

Pra quem não sabe, "Os homens que não amavam as mulheres", primeiro livro de uma série chamada "Milleninum",  publicada no Brasil pela Companhia das Letras e escrita por Stieg Larsson (que morreu antes da publicação e consequente explosão de vendas de seu filhote) começa quando o jornalista Mikael Blomkvist (vivido aqui por um discreto mas muito eficaz Daniel Craig) é condenado por difamação, por ter denunciado um poderoso empresário com suas matérias na revista onde trabalha - e cuja editora é sua amante. Sem muita credibilidade, ele é procurado por Henrik Vanger (Christopher Plummer), um milionário que lhe pede que tente solucionar o desaparecimento de sua sobrinha-neta, acontecido em 1966. A princípio desinteressado pela proposta - por várias razões - Mikael aceita o encargo quando vê a possibilidade de limpar seu nome. Instalado em uma das casas da imensa propriedade da família Vanger - que inclui alguns simpatizantes do nazismo e alguns segredos muito bem guardados - o jornalista aos poucos começa a ir mais longe do que alguns gostariam e passa a contar com a ajuda de Lisbeth Salander (Rooney Mara, surpreendente candidata ao Oscar de melhor atriz deste ano), uma hacker de visual exótico, comportamento antissocial e com um histórico de violência no passado.

Espertamente, o roteiro de Steven Zaillian - que concorre ao Oscar deste ano pelo chato "Moneyball, o homem que mudou o jogo" - concentra-se na estrutura policial da obra de Larsson, um vasto volume repleto de informações desnecessárias a uma adaptação cinematográfica. A maneira com que a investigação de Mikael - e posteriormente Lisbeth - transcorre é contada por Fincher com seu próprio ritmo, sem pressa, quase como um filme cerebral da Hollywood dos anos 70, mas dotado de uma violência que contrasta com a frieza dos cenários em que as personagens transitam. E Fincher - que bem merecia uma indicação ao Oscar por seu trabalho impecável - felizmente não caiu na tentação de suavizar algumas das sequências mais polêmicas da trama, mostrando com crueza cenas de estupro que podem chocar a audiência mais conservadora - fato que a ótima edição (também indicada ao Oscar) consegue destacar com extrema competência.


Pontuado por uma extraordinária trilha sonora, "Os homens que não amavam as mulheres" é um dos grandes filmes americanos dos últimos anos, ainda que tenha uma origem nórdica que aparentemente destoa do convencional cinema ianque. E é a prova cabal (mais uma!) de que David Fincher é um dos diretores mais confiáveis de Hollywood. Oremos para que os demais capítulos da saga se mantenham em suas geniais mãos.

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A SEPARAÇÃO

Posted by Clenio on 22:52 in
Será que, justamente agora, quando as relações entre EUA e Irã estão passando por um momento político consideravelmente delicado, a Academia de Hollywood vai finalmente dar seu aval ao cinema do país de Mahmoud Ahmadinejad? A julgar pela festa em torno de "A separação" - eleito Melhor Filme Estrangeiro no Golden Globe e vencedor de 3 prêmios no Festival de Berlim de 2011 - a resposta é um sonoro "sim". O filme dirigido por Asqhar Farhadi, a despeito de vir de um país não exatamente amistoso na visão americana, vem sendo altamente incensado pela crítica do mundo todo e suas chances de vitória são bastante grandes e por um motivo bastante simples: é um grande filme.

Grande não no sentido de grandioso. "A separação" é visualmente simples e despojado, e aparentemente simples também em sua trama. As aparências, nesse caso, enganam. O roteiro, escrito pelo próprio diretor, parte de uma situação quase banal para fazer, a seu modo discreto mas passional, uma pequena crônica social de seu país, onde a religião e as leis são fatores imperativos e inquestionáveis. Distante da filmografia quase contemplativa de Abbas Kiarostami - o mais célebre cineasta iraniano - a obra de Farhadi é explosiva, intensa e emocional, amparada em um elenco soberbo e em um roteiro tão cheio de desdobramentos que resumí-lo é tirar dele boa parte de sua força.

O que pode-se dizer sobre a história de "A separação" sem estragar o prazer de assistí-lo é que tudo começa quando Simin (Leila Hatami) resolve pedir o divórcio, por entender que somente assim ela poderá aproveitar o visto para sair do país e dar uma vida melhor para a filha de dez anos de idade, Termeh (Sarina Farhadi, filha do diretor e premiada como melhor atriz em Berlim). O marido, Nader (Peyman Moadi) não pode sair do Irã porque seu pai sofre de Alzheimer e, separado da esposa, contrata Razieh (a ótima Sareh Bayat, que dividiu o Urso de Ouro com Sarina Farhadi) para cuidar do velho enquanto ele está no trabalho. Acontece que Razieh - que vai trabalhar sempre acompanhada da filha pequena - está grávida e não declarou abertamente seu estado. A omissão dessa gravidez, a tensão de Nader em relação à situação com a família e a relação complicada de Razieh com o marido Hodjat (o excelente Shahab Hosseini) são os ingredientes que farão com que uma situação corriqueira se transforme em um terremoto na vida de todos os envolvidos.

A trama de "A separação" é forte, enriquecida com os dogmas religiosos e culturais de um país cuja dinâmica social ainda é quase uma incógnita para nós, ocidentais. Mesmo assim, consegue ter um alcance humano raro e uma inteligência dramática admirável. Perder o Oscar por questões políticas seria não apenas obtuso, e sim criminoso.

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HISTÓRIAS CRUZADAS

Posted by Clenio on 18:30 in
É preciso ser honesto: somente essa quase histeria em relação ao politicamente correto pode justificar todo o oba-oba em torno do drama "Histórias Cruzadas", adaptado do romance de Kathryn Stockett (publicado no Brasil pela editora Bertrand com o título "A resposta"). Apesar de seu elenco impecável, de alguns momentos realmente emocionantes e do assunto sempre relevante (independente de época e geografia), o filme de Tate Taylor não consegue escapar de seu estilo filme-fórmula, esbarrando em clichês e, pior ainda, apelando para uma desnecessária escatologia. Sua calorosa receptividade, tanto em termos comerciais - mais de 170 milhões de dólares arrecadados somente nos EUA - quanto críticos - cinco indicações ao Golden Globe e fortes possibilidades de estar entre os candidatos ao próximo Oscar - parece dizer muito mais sobre o sentimento de culpa da América sobre a forma com que os negros sempre foram tratados em sua história (e na do cinema em si) do que sobre suas qualidades cinematográficas. Então o filme é ruim? Não, claro que não. Mas também não é essa maravilha que tanto se anda alardeando por aí.

Na verdade é fácil gostar de "Histórias Cruzadas". Suas personagens são carismáticas (ainda que em nenhum momento consigam ser mais do que vítimas de um maniqueísmo quase banal) e seu tom leve é um alívio, em especial quando a história poderia tranquilamente descambar para o melodrama pesado. Porém, ao tentar não ser tão exagerado no dramalhão, Taylor incorre em um pecado bastante grave, dando um espaço maior do que deveria ao humor. Em alguns momentos, histórias como a vingança de Minny Jackson (vivida pela ótima Octavia Spencer, vencedora do Golden Globe e provável concorrente ao Oscar de coadjuvante) desviam a atenção da plateia para tramas bem mais interessantes, como a relativa à morte do filho de Aibileen Clark (a sempre sensacional Viola Davis) e a luta de Skeeter (Emma Stone) por sua liberdade de expressão e pensamento. Some-se a isso o fato de o filme ser mais longo do que precisava (146 minutos são um exagero) e fica difícil se apaixonar por ele como tanta gente fez.

Logicamente "Histórias cruzadas" tem muitas qualidades, sendo o elenco a principal delas. Emma Stone é uma delícia de se ver, assim como Viola Davis e Octavia Spencer (que tem presença garantida na festa da Academia deste ano) e Bryce Dallas Howard, surpreendente como a jovem vilã Hilly Holbrook. No entanto, a festejada Jessica Chastain sai um pouco do tom com sua perua Celia Foote, apesar dos elogios e dos prêmios que vem conquistando (talvez mais devido à sua comprovada versatilidade do que a seu trabalho aqui). E, justiça seja feita, a produção é delicada e eficaz, em especial a trilha sonora, que pontua cada cena com discrição e força e sua fotografia ensolarada, que contrasta com a violência psicológica sofrida por suas protagonistas.

Resumindo, "Histórias cruzadas" é um bom filme, ideal para emocionar àqueles que gostam do gênero. Mas está a anos-luz da intensidade e da crueza de "A cor púrpura", por exemplo. Emociona, mas não marca.

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O ARTISTA

Posted by Clenio on 19:22 in
Qual foi a última que você, caro fã de cinema, sentiu-se surpreendido e encantado por um filme, a ponto de esquecer da realidade? Em uma época em que praticamente tudo parece mais do mesmo no mundo da sétima arte, foi preciso uma co-produção belgo-francesa de orçamento quase irrisório (12 milhões de dólares) para relembrar ao público e à crítica que, mais do que custos astronômicos e estrelas sorridentes, a criatividade e a inteligência é que são as verdadeiras forças por trás do bom cinema. "O Artista" é o provável vencedor do próximo Oscar. E merece!


A trama criada por Michel Hazanavicius tem início em 1927, quando o cinema mudo começa a dar seus últimos suspiros. A chegada do cinema falado ameaça o sucesso de um dos maiores astros das telas, o carismático George Valentin (interpretado com maestria por Jean Dujardin), que, acompanhado invariavelmente de seu cachorro de estimação, leva multidões às salas de exibição com seus filmes de aventura e romance. No momento em que começa a perceber que está tornando-se anacrônico, Valentin vê também seu casamento ruir e suas finanças entrar em colapso (em especial depois do crash de 1929 e de sua tentativa de dirigir seus próprios filmes). Sua derrocada artística e emocional contrasta com a ascensão vertiginosa de Peppy Miller (Bérénice Bejo), uma jovem e talentosa corista que se transforma, quase da noite para o dia, em estrela absoluta dos filmes falados.

A ousadia maior de Hazanivicius - e seu maior trunfo - foi ter realizado sua obra-prima indo contra todas as regras comerciais ditadas por Hollywood. Fotografado em um deslumbrante preto-e-branco e rodado quase totalmente sem diálogos ou som (com a exceção da estupenda trilha sonora de Ludovic Bource) - no formato no qual eram feitos os filmes mudos, o que destacava as expressões faciais dos atores - o filme utiliza um momento crucial da história da sétima arte para homenagear o próprio cinema, de forma carinhosa, nostálgica e bem-humorada. Inteligente, o roteiro brinca de metalinguagem sem tornar-se hermético ou autocomplacente, dando à audiência a chance de deleitar-se com inúmeras referências estéticas (os filmes estrelados por Errol Flynn, por exemplo) ou verbais ("I want to be alone", dispara Peppy Miller em uma das cenas, parafraseando Greta Garbo). Até mesmo a utilização parcimoniosa do som (em duas sequências geniais) é um achado, traindo a paixão de seu criador pelo cinema clássico.

Mas, além de sua qualidade técnica impecável, "O Artista" ainda conta com outra carta na manga seu elenco admirável. Se os coadjuvantes seguram a cena de maneira formidável - e entre eles estão John Goodman, a sumida Penelope Ann Miller e o sempre competente James Cromwell - são os protagonistas que fazem dele uma experiência única. A argentina Bérénice Bejo (que no longínquo 2001 fez uma participação pequena em "Coração de Cavaleiro") está perfeita na pele da coquette Peppy Miller, equilibrando humor e drama com a segurança de uma veterana e o francês Jean Dujardin é o grande achado do filme. Carismático, intenso e dono de um impressionante talento físico, ele saiu merecidamente premiado na última cerimônia do Golden Globe e, se a justiça for feita, deve levar também o Oscar no dia 26 de fevereiro sua atuação é das mais empolgantes e encantadoras dos últimos anos, revelando ao mundo um ator completo em um momento único da carreira.

Este ano a safra dos filmes que podem concorrer ao Oscar está bem fraca, sem grandes e destacados favoritos. Mas mesmo que estivesse em um páreo mais acirrado, "O Artista" mereceria o sucesso e os elogios que vem recebendo. É cinema em seu estado puro e um êxtase para os cinéfilos de todas as idades! Bravíssimo!

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CHEGA!!

Posted by Clenio on 18:07 in
Minha cama não é mais uma cama, e sim um buraco negro que me impele a nunca mais querer ver a luz de qualquer dia. Minhas pernas não são mais órgãos que me levam de um lugar a outro e sim dois pesos que distorcem meus movimentos. Minhas noites não são mais o caminho para experiências e sim estradas infinitas repletas de angústias e ansiedade. Meu coração já não é mais grande, esperançoso e autocurativo e sim um pequeno órgão medroso, ferido e ressabiado por golpes frios.

Minhas mãos já não sabem mais afagar nem acariciar. Só sabem crispar-se frente a uma nova possibilidade de abandono, de traição, de violência. Minha boca já não fala de amor, paixão e nem tampouco entoa canções felizes ou dá beijos calorosos. Ela é capaz apenas de esbravejar, xingar, reclamar, soltar ironias e sarcasmos recheados de recalque e dor. Meu corpo já não se arrepia, meus olhos já não brilham, nada mais me empolga ou excita. Meus ouvidos já não compreendem canções de amor e rimam felicidade com mentira. Meus sonhos já não me empurram pra frente, só servem como lembranças de um mundo que nunca houve.

Já bebi, já dancei, já vomitei, já ri, chorei, me masturbei, xinguei, trepei com gente que não lembro o nome, o rosto, o corpo e a voz. Tive raiva, pena, saudade, tesão, desprezo, carinho. Já briguei com Deus, fiz as pazes, rompi de novo e tive a certeza absoluta de que ele não existe. Já tentei a morte, a arte, o zen, o deboche. Fiz contos, crônicas, poesias, teatro. Tentei ignorar, matar, abstrair, conquistar, desacreditar. Fiz o possível, o impossível, o inconcebível, o imaginado, o já feito, o inédito. Já fui amigo, inimigo, amante, filho, pai, irmão, cúmplice, namorado. Já vi Chico, Cássia Eller, Michael Stipe, Alanis, Fernanda Montenegro, Marisa Monte, Andrea Beltrão.  Já me diverti e me autodestruí. O segundo gesto me fez menos infeliz...

Mas aquela dor... aquela ausência... aquele não... me matam a cada dia. E eu não sou mais forte do que eles.

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PALHAÇO DAS PERDIDAS ILUSÕES

Posted by Clenio on 17:03 in
E então você percebe, tarde demais, que sempre trilhou o caminho errado, que sempre amou de maneira torta, que sempre se dedicou às pessoas erradas. Nota que sempre sufocou o choro errado, e chorou quando deveria ter engolido em seco. Que foi leal a causas supérfluas, que lutou batalhas já perdidas desde o nascedouro. Demora a cair na real (mas cai, dolorosa e pesadamente) de que torceu sempre pelo herói que não era herói, que vibrou pelas conquistas equivocadas, que sonhou pesadelos disfarçados por uma névoa de esperança.

Você sempre esteve errado, meu chapa! Não é sendo gentil e atencioso que se consegue conquistar um coração: é sendo cruel, desleal, fazendo jogos infantis, escondendo seus sentimentos, mentindo, se possível (faça uma força, todo mundo consegue!) Ser romântico, preocupado e amável é dar espaço para ser tratado como alguém descartável e desimportante. Pra que se interessar pelos problemas dos outros se os seus problemas não serão motivo de conversas? Sim, você tem que ser forte e impávido, você tem a obrigação de levantar os outros. Se eles vão te levantar quando você precisa? Ingenuidade sua. Se bobear eles vão é te derrubar, coitados. Eles precisam de diversão.

Não, ele não estava em depressão. Não, ele não voltou pro ex-namorado. Não, ele não tem medo de te amar tanto que prefere ficar só. Não, ele não precisa de um tempo para ficar com ele mesmo. Não, não, não... Nenhuma desculpa dada era verdade, aceite isso. Sim, ele simplesmente não gostou do seu beijo, não gostou da maneira com que você faz sexo, achou seu papo muito chato, achou você muito velho (ou muito novo), não curtiu seu cheiro, prefere, enfim, qualquer outra pessoa menos você. Você só serviu de passatempo. Não é motivo para ficar amargo, certo?

Você simplesmente amou as pessoas erradas, de jeito errado, acumulando mancada atrás de mancada, equívoco atrás de equívoco. Entregou seu coração sem medo, mesmo quando tudo dizia que fazer isso era buscar uma dor certa. Fez planos mirabolantes com pessoas que só tinham a oferecer egoísmo e insensibilidade. Foi motivo de chacota, certamente, porque acreditava na história da carochinha do "seremos felizes para sempre". Acreditou em qualquer mentira que os lábios que amava diziam. Demorou a acreditar que sim, eles estavam sendo frios e cruéis simplesmente porque podiam sê-lo: você proporcionou a eles espaço o suficiente em seu picadeiro para ser o palhaço que eles procuravam. Faça uma reverência, receba os aplausos... E vá chorar no camarim! A culpa de tudo é sua.

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COMO ESQUECER

Posted by Clenio on 09:53 in
Em 2011 tanto se falou da "coragem" de Deborah Secco no infame "Bruna Surfistinha" (que consistia em tirar a roupa, fazer cara de sexy e usar drogas) que ninguém lembrou que poucos meses antes outra atriz conhecida por seus trabalhos na televisão tinha entregue uma atuação muito mais ousada: enquanto Secco se despia fisicamente na história da prostituta que virou celebridade, Ana Paula Arosio se desnudava psicologicamente, entregando uma - e aqui sim o adjetivo se aplica adequadamente - corajosa e dolorida interpretação no drama "Como esquecer", baseado no romance de Myriam Campello.  Premiada pela Associação de Críticos de Arte de São Paulo por seu trabalho, a ex-modelo mostrou, na pele de uma professora de Literatura devastada pelo término de seu relacionamento com a amante, um surpreendente amadurecimento dramático que as telenovelas jamais conseguiriam explorar.

Infelizmente pouco visto pelo público - parte devido à sua temática homossexual, parte devido à sua natureza pouco comercial - "Como esquecer" foge da receita pasteurizada que o cinema nacional vem adotando nos últimos anos, preferindo um enfoque mais adulto e realista das relações humanas, ainda que em muitos momentos bastante pessimista. A dor de Julia (personagem de Ana Paula) é palpável e crível, em especial graças à inteligência do roteiro (escrito a 12 mãos) em não fazer dela uma vítima absoluta ou uma heroína trágica (como as estudadas por ela em suas aulas). Julia tampouco faz questão de ser simpática ou agradável, afundada em sua depressão como a uma tábua de salvação que a impede de desistir de vez de uma vida na qual não vê mais nenhum atrativo. É impossível para qualquer espectador que já tenha passado por algo semelhante não se reconhecer um pouco em Julia e compreender sua misantropia, sua angústia, seu desejo de fuga. A direção seca de Malu de Martino colabora para o tom melancólico do filme, não caindo na tentação de aliviar o drama com piadinhas ou um final falsamente esperançoso. E, alívio dos alívios, o melhor amigo de Julia, Hugo (bem interpretado por Murilo Rosa) não está no roteiro para fazer palhaçadas.

Quando o filme começa - com a belíssima "Retrato em branco e preto", de Tom e Chico, cantada pela insuperável Elis Regina - Julia já foi abandonada por Antonia, sua namorada, por quem ainda é completa e irremediavelmente apaixonada. No fundo do poço e sem dinheiro para manter o apartamento onde morava com ela, a professora de Literatura aceita, muito a contragosto, dividir uma casa com o melhor amigo, Hugo (que também tem sua cota de drama por ter perdido o namorado) e uma quase desconhecida, Lisa (Natalia Lage, igualmente bem no papel), que está grávida do namorado que não pretende assumir o bebê. Cada um lidando com a dor a seu modo, os três se tornam uma espécie de família (disfuncional, mas ainda assim um refúgio de conforto e compreensão mútua). O núcleo familiar começa a expandir-se quando entram em cena Carmem Lygia (Bianca Comparato) - uma brilhante e feminista aluna da protagonista - e Helena (Arieta Correa), prima de Lisa, uma artista plástica que se torna a luz no fim do túnel que pode tirar Julia de seu desastre emocional.

Denso, profundo e dolorosamente realista, "Como esquecer" é um filme que busca nos recônditos da alma humana a sua matéria-prima. E o faz com sensibilidade e respeito. Merece ser descoberto!

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FEAR OF BLISS

Posted by Clenio on 18:29 in ,
Eu sei que já falei sobre isso em algum momento por aqui (talvez até em mais de uma ocasião), mas como é um assunto que muito me incomoda, volta e meia voltarei a ele. A questão é que eu, por mais que tente, por mais que me esforce, por mais que leia, não consigo entender o medo que certas pessoas tem de ser felizes. Medo da felicidade? Como assim? Quem é seu terapeuta?

Medo de cachorro eu entendo (e até tenho um pouco). Medo de mar, de viajar de avião, de cobra, de pegar uma doença incurável eu até posso aceitar. Medo de injeção, de fantasmas, de assalto, de perder tudo em um incêndio são normais e, convenhamos, obrigatórios. Consigo até perdoar quem tem medo da Claudia Leitte e da Paula Fernandes. Mas ter medo de ser feliz é algo tão incompreensível pra mim quanto trigonometria.

Ok, se jogar em um precipício até dá uma certa angústia. Entrar em uma caverna escura pode dar calafrios. Dar um salto mortal em direção a um mar desconhecido é pura adrenalina. Mas e se você usar um paraquedas chamado confiança? E se no final da caverna houver uma luminosidade que atende por paz? E se no fundo do mar existir um bolsão de oxigênio chamado amor?

A felicidade não morde, não mata, não destrói. Ser feliz não dá problemas de coração, nem aprisiona. Felicidade te faz perceber o mundo com olhos de criança e otimismo de Polyanna. Quando você é feliz você se sente a pessoa mais importante e indestrutível do mundo. E, a não ser que você tenha a infelicidade e a tristeza como seus melhores amigos, ter medo desse sentimento chega a ser até burrice...

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TOMBOY

Posted by Clenio on 09:49 in
Suponha que você é uma introvertida menina de dez anos de idade que tem
problemas de sociabilidade. Suponha ainda que, ao contrário das meninas de sua idade, você prefira andar de cabelos curtos e roupas largas e, ao invés de brincar de bonecas, goste de jogar futebol e fazer campeonatos de mergulho com os garotos. O que você faria se, chegando a uma nova vizinhança fosse confundido com um menino e, como tal, fosse extremamente bem acolhido? Para a tímida Laura, protagonista do sensível "Tomboy", não há outra alternativa senão manter o mal-entendido e finalmente sentir-se parte de um grupo.

Escrito e dirigido pela jovem (31 anos) Céline Sciamma, o francês "Tomboy" chega às telas em um momento delicado, em que as discussões a respeito de sexualidade, preconceito e homofobia estão perigosamente perto da saturação (graças principalmente a discussões estéreis e frequentemente muito mais passionais do que racionais). Não deixa de ser refrescante que a singela e concisa história criada por Sciamma deixe de lado elocubrações pseudo-psicológicas para concentrar-se nos reais temas de seu interesse: a busca por aceitação e o desconforto da diferença.

De narrativa simples e direta (mas com espaço para alguma poesia visual), "Tomboy" não busca explicações ou soluções, preferindo a posição de testemunha neutra da história de Laura (vivida com surpreendente naturalidade pela ótima Zoé Héran), uma menina que, confundida com um menino em seus primeiros dias na nova casa, aceita levar adiante a mentira com o objetivo de ser aceita pelo grupo de moleques da vizinhança. Só quem conhece seu segredo é sua irmã caçula, a adorável Jeanne (Malonn Lévana), que a acompanha em suas divertidas tardes de verão, em que as brincadeiras infantis (e as primeiras descobertas românticas) a afastam de um relacionamento familiar terno mas um tanto distante. As coisas começam a se complicar, porém, quando Laura percebe que sua melhor amiga, Lisa (Jeanne Disson) está apaixonada por seu alterego Michael - e que as aulas estão prestes a começar, ameaçando seu disfarce.

Céline Sciamma acerta em desviar seu foco de questões polêmicas como o despertar da sexualidade, o que poderia transformar o filme em uma desagradável (e desnecessária) versão infantil de "Meninos não choram". Não interessa à diretora/roteirista descobrir para onde irá o desejo sexual de Laura quando ele surgir. O que ela pretende é contar uma história sobre a coragem inerente à necessidade de amor e aceitação. Essa opção exclui, felizmente, maiores lances dramáticos e golpes baixos. Não é um conto de fadas nem tampouco uma tijolada emocional. É apenas o pequeno (e crucial) trecho da vida de uma menina em busca de sua própria personalidade. Um tanto triste, mas real.

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50%

Posted by Clenio on 15:05 in
Passar por um câncer raro na coluna provavelmente não é exatamente uma das experiências mais agradáveis da vida, mas há quem consiga ver um lado bom até nisso. É o caso do roteirista Will Reiser, que utiliza suas lembranças da doença como matéria-prima de "50%", comédia dramática que vem arrancando elogios da crítica e pode até conquistar uma vaga entre os candidatos ao Oscar de roteiro original deste ano.  A maior qualidade do filme dirigido por Jonathan Levine? A forma franca e direta com que trata o tema, equilibrando com inteligência momentos de cortar o coração com um senso de humor que o afasta do dramalhão sentimentalóide.

Amparado pela bela atuação do cada vez melhor Joseph Gordon-Levitt - que substituiu James McAvoy dois dias antes do início das filmagens - o filme de Levine acompanha a trajetória do jornalista Adam Learner, de 27 anos, depois que ele descobre que tem um tipo raro de câncer (de origem genética) na coluna.  Atordoado com a notícia (como não poderia deixar de ser), ele conta com a ajuda do melhor amigo Kyle (Seth Rogen) para lidar com as consequências da doença. Entre sessões de terapia com a jovem médica Katherine (Anna Kendrick) e quimioterapia com o veterano paciente Alan (Philip Baker Hall), Adam precisa também superar a crise em seu relacionamento com a artista plástica Rachael (Bryce Dallas Howard) e recuperar sua relação com os pais, em especial a mãe superprotetora Diane (Anjelica Huston, dando olé em cada cena que aparece).

Realizado de forma independente com um orçamento irrisório de 8 milhões de dólares (que já se transformaram em mais de 30 somente nos EUA), "50%" surpreende também pela forma não-romantizada com que trata a situação central da história, não derrapando na tentação de partir para clichês de autoajuda. Ainda que seja positivo, não esconde também o lado pesado da situação vivida pelo protagonista, interpretado com simpatia por Gordon-Levitt (indicado ao Golden Globe deste ano): para cada momento de humor (genuíno, inteligente e irônico) há uma cena capaz de emocionar (delicadamente, sem exageros), lembrando à audiência que, apesar das risadas, a história que está sendo contada não é um pastelão inconsequente.

Embora a opção do roteiro em não estigmatizar a doença através do humor possa ser considerada de mau-gosto por uma parcela mais conservadora do público, é inegável que a leveza com que Reiser revestiu sua triste (mas esperançosa) história é muito mais palatável à plateias contemporâneas do que o petardo emocional "Laços de ternura", citado nominalmente em um diálogo do filme. "50%" é muito melhor do que sua aparência de filme indie e metido a modernoso. Embalado por uma irresistível trilha sonora (que une Roy Orbison a Eddie Vedder) e interpretado por um elenco em dias inspirados (inclusive o bobalhão Seth Rogen em seu melhor trabalho até hoje), é uma das gratas surpresas da temporada, infelizmente lançada diretamente em DVD no Brasil (em mais uma prova da falta de visão das distribuidoras).

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INCÊNDIOS

Posted by Clenio on 09:44 in
Indicado ao Oscar 2011 de Melhor Filme Estrangeiro, o canadense "Incêndios" é provavelmente um dos mais impactantes dramas europeus lançados nos últimos anos. Narrado com a força de uma tragédia grega (dando ao destino o poder das maiores ironias), o longa do cineasta Denis Villeneuve - também autor do roteiro, adaptado da peça teatral de Wajdi Mouawad - consegue ser, ao mesmo tempo, emocionante, surpreendente e, mais do que tudo, chocante como poucos filmes de nossa época tão dada ao cinismo. Ao misturar em uma única história elementos políticos inquietantes e um drama familiar poderoso, a trama de Mouawad não tem medo de avançar em temas ousados e um desfecho aterrador que dificilmente seria visto em um filme do mainstream hollywoodiano.

A protagonista de "Incêndios" é Nawal Marwan - em uma atuação visceral da belga Lubna Azabal. Quando o filme começa, no Canadá, ela está morta, mas é seu último desejo, deixado em testamento e testemunhado por seu chefe e amigo Jean Lebel (Rémy Girard) que dá a partida na trama. Discreta e introvertida, Nawal surpreende seu casal de filhos gêmeos com um pedido incomum: eles tem que localizar seu irmão mais velho e seu pai (que julgavam morto) e entregar a eles dois envelopes lacrados. Enquanto Simon (Maxim Gaudette) considera tudo um delírio da mãe, Jeanne (Mélissa Désourmeax-Poulin) resolve acatar a última ordem da mãe, partindo então para o Oriente Médio, onde ela foi criada. As coisas, porém, não serão fáceis: como Jeanne acaba descobrindo, o nome de sua mãe não é exatamente bem-quisto e a história de sua família tem origens muito mais complexas e tristes do que ela ou seu irmão poderiam supor.

Utilizando de maneira inteligente o batido recurso do flashback, "Incêndios" tem em sua narrativa seca e quase documental seu maior trunfo. Fugindo do sentimentalismo barato, Villeneuve confia em sua história o suficiente para deixar que ela, forte por si só, seja o centro da atenção, sem apelar para artifícios que desviem o foco do mistério que vai se desvendando aos poucos diante dos olhos incrédulos do espectador, testemunha de uma saga de violência física e psicológica capaz de deixar rastros indeléveis no corpo e na alma. Seu final, devastador, parece dizer que a guerra, ainda que mutile os seres humanos de todas as maneiras possíveis, não é capaz de apagar um espírito. É uma afirmação que poucos filmes conseguem fazer sem soar piegas!

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PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN

Posted by Clenio on 13:47 in
O livro é excepcional. Em 464 páginas, a escritora norte-americana Lionel Shriver relata com uma prosa dolorida e fascinante a história de uma mulher que é obrigada a lidar com a tragédia provocada pelo filho adolescente. Narrado em primeira pessoa em formas de cartas endereçadas ao pai do menino, "Precisamos falar sobre o Kevin" tornou-se um dos raros bestsellers de qualidade dos últimos anos e, logicamente, chega aos cinemas cercado de expectativas. Infelizmente, ao fugir da narrativa linear do livro de Shriver, a diretora estreante Lynne Ramsay dilui a tensão da história (que surgia da angústia crescente da personagem central) em uma montagem desnecessariamente complexa. Porém, amparado basicamente na atuação esplêndida de Tilda Swinton (que também faz as vezes de produtora executiva), a versão cinematográfica de "Kevin" não envergonha sua origem literária.

O livro (publicado no Brasil pela Editora Intrínseca em 2007, e que deverá incrementar as vendas com o lançamento do filme) já deixa claro em suas primeiras páginas os motivos que levaram sua protagonista, Eva Khatchadourian a tornar-se uma espécie de pária: seu filho de 16 anos, Kevin, cometeu uma chacina em sua escola, matando colegas e funcionários. Isolada, deprimida e solitária, ela inicia uma correspondência unilateral com o marido, Franklin (John C. Reilly), tentando, de alguma forma, explicar e entender a personalidade do rapaz e sua doentia relação com ele desde o útero. Enquanto nas páginas escritas por Shriver o leitor tem a possibilidade de explorar todas as nuances psicológicas que envolvem o relacionamento entre mãe e filho (desde a rejeição da gravidez até os embates pouco sutis durante seu crescimento), no roteiro co-escrito pela diretora e por Rory Kinnear o foco da trama está nitidamente deslocado. Mesmo que as disputas entre Eva e Kevin ainda se mantenham faiscantes na tela (cortesia do excelente elenco infantil e do jovem Ezra Miller), a edição picotada que vai-e-vem no tempo prejudica o envolvimento da plateia no drama da protagonista. É difícil, por exemplo, acreditar no casamento de Eva e Franklin, porque John C. Reilly é extremamente subaproveitado, nada mais sendo do que um quase figurante de luxo (e o final de sua personagem, ao contrário do potente clímax do livro, passa praticamente em branco).

Não deixa de ser admirável a opção de Ramsay em fugir do caminho mais fácil de explorar os temas polêmicos levantados pelo livro, tratandos-o de forma quase lírica em alguns momentos. Mas, ao mesmo tempo, essa escolha ousada enfraquece a força da narrativa (o massacre em si é tratado de forma tão sutil que um espectador menos atento é capaz de compreender apenas vagamente) e dilui o principal ponto de interesse da história (a relação entre mãe e filho). Tilda Swinton está mais uma vez brilhante em sua atuação, o que a premiação pelo National Board of Review e as indicações ao Golden Globe e ao SAG Awards confirmam (é quase certo que a Academia também lembrará de seu nome no próximo dia 26, quando forem revelados os nomes dos candidatos ao Oscar). Mas, apesar de suas qualidades, "Precisamos falar sobre o Kevin" é bem capaz de frustrar os fãs do romance.

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TUDO PELO PODER

Posted by Clenio on 09:53 in
Quando o seriado "Plantão Médico" estreou, em 1993 - anos antes, portanto, que séries de TV tivessem o status que tem hoje - pouca gente
poderia imaginar que um de seus protagonistas, o até então desconhecido George Clooney chegaria, em pouco mais de quinze anos, a ser um dos
atores mais respeitados da vaidosa e inconstante Hollywood (e melhor ainda, seria também elogiado por seus trabalhos atrás das câmeras). No entanto, hoje em dia o sedutor Doutor Doug Ross é apenas história. Clooney, aos 50 anos, tem um Oscar de coadjuvante em casa (por "Syriana") e um prestígio  acima de qualquer suspeita. Dividindo sua carreira entre produções feitas com o objetivo claro de entreter (como "Onze homens e um segredo") e algumas extremamente relevantes em termos sociais e políticos (como seu excelente "Boa noite, e boa sorte"), Clooney chega a 2012 com fortes possibilidades de amealhar mais uma estatueta dourada. Se não for como ator por sua elogiada atuação em "Os descendentes" pode muito bem ser como diretor pelo admirável  "Tudo pelo poder", em que ele reitera sua posição de um artista politicamente responsável e engajado.


Baseado em uma peça teatral de Beau Willimon (que colaborou no roteiro final), "Tudo pelo poder" mostra mais uma vez o talento de Clooney em não se deixar levar pela vaidade (defeito que muito atrapalha as carreiras de atores tornado diretores) ou pela grandiloquência (o custo total do filme não chegou a 15 milhões de dólares, salário habitual de gente como Julia Roberts e Tom Cruise).  Assim como seu sensacional "Boa noite e boa sorte" (que lhe deu a primeira indicação ao Oscar de direção), "Tudo pelo poder" é discreto em seu formato e potente em seu resultado. Ao tratar de um assunto universal (política) sob o ponto vista pessoal (no caso, da personagem central vivida por Ryan Gosling), o ator/diretor/roteirista/produtor (ufa!) expande o alcance de sua história, atingindo o público pela inteligência e pela ironia sutil que apresenta.

Clooney reservou para si o papel de Mike Morris, governador democrata que tenta ser eleito pelo partido para concorrer à Presidência da República, mas o real protagonista de "Tudo pelo poder" é o jovem Stephen Meyers (em mais uma atuação excitante de Ryan Gosling), um dos assessores de sua campanha. Talentoso e idealista, Stephen trabalha sob os auspícios do veterano Paul Zara (Philip Seymour Hoffman) e dedica sua vida quase integralmente à campanha de Morris, um político carismático e (ao menos aparentemente) honesto e transparente. Porém, a vida profissional de Stephen sofre uma reviravolta quando Tom Duffy (Paul Giamatti) o assessor do candidato rival de Morris o procura, oferecendo um emprego. Eticamente desafiado, o rapaz vê na sua iniciante relação com a estagiária Molly (Evan Rachel Wood) uma válvula de escape para sua tensão, mas as coisas saem do controle quando revelações inesperadas o fazem começar a duvidar da carreira que escolheu.

A estrutura dramática de "Tudo pelo poder" encontra na direção contida e elegante de Clooney o parceiro ideal. Confiante no texto e na história contada por Willimon, o cineasta mostra um inegável amadurecimento ao evitar conclusões fáceis e enquadramentos óbvios. É acertada sua opção pela narrativa clássica e pela edição direta e sem firulas, assim como é louvável a fotografia eficaz que dá o tom exato às intrigas palacianas que circundam o poder. O jogo de sombras que se avolumam conforme a trama vai ficando mais e mais sufocante para Stephen é genial e dá consistência visual ao show de interpretação do elenco selecionado por George. Mas se os atores que dão voz a mais esta história sobre a perda da inocência são nada menos que brilhantes, é preciso ressaltar a atuação esplêndida de Ryan Gosling, que consegue transmitir toda a gama necessária de nuances a sua personagem, cujo arco dramático coerente e verossímil dá sustentação ao roteiro impecável.

Forte candidado ao Oscar de 2012 (pelo menos é o que se espera, a julgar pelos indicados ao Golden Globe), "Tudo pelo poder" é a prova definitiva do talento de George Clooney por trás das câmeras e um dos mais eficientes dramas políticos do nosso tempo.

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MARGIN CALL, O DIA ANTES DO FIM

Posted by Clenio on 09:44 in
Pode até parecer chato, mas não é. "Margin Call, O dia antes do fim". escrito e dirigido por J.C. Chandor, apesar de tratar de um assunto relativamente inacessível à maioria do público - finanças, negociatas e afins - consegue supreendentemente evitar os bocejos que filmes com essa temática normalmente despertam na audiência (vide o aborrecido "Wall Street, o dinheiro nunca dorme", que apesar de Michael Douglas não escapava da chatice). Focalizando sua atenção mais na tensão de uma provável hecatombe monetária do que exatamente em tentar explicar didaticamente suas causas, Chandor marcou um gol de placa logo em seu primeiro filme, levando pra casa os prêmios de melhor diretor estreante tanto pelo National Board of Review quanto pela Associação de Críticos de Nova York. A boa notícia? Ele mereceu.

"Margin Call" se passa em tensas 24 horas que precedem o que promete ser - segundo as personagens, todas especialistas no assunto - uma das mais graves crises financeiras já vistas pelos EUA (e consequentemente pelo mundo todo). Tudo começa com a demissão em massa de inúmeros funcionários de um milionário banco de investimentos nova-iorquino. Entre os infelizes desempregados está Eric Dale (Stanley Tucci, excepcional), que, na hora de sair do prédio, deixa nas mãos de um de seus assistentes, o jovem Peter Sullivan (Zachary Quinto, um dos produtores do filme) um pen-drive com informações aterradoras sobre os negócios da empresa. Assustado com o que descobre, Peter e seu colega mais próximo Seth Bregman (Penn Badgley) entram em contato com seu superior imediato, Will Emerson (Paul Bettany), que também se choca com o que vê. A partir daí, o pânico passa a fazer parte da equação, principalmente quando entram em jogo figuras de um escalão muito maior da firma, como o experiente Sam Rogers (Kevin Spacey em um dos melhores momentos de sua carreira recente), a ambiciosa Sarah Robertson (Demi Moore) e o especialista Jared Cohen (Simon Baker). Juntos, todos eles se reunirão com aquele que irá decidir seus destinos, o poderoso John Tuld (Jeremy Irons, também magnífico).

Apesar de muitas vezes deixar o espectador perdido (em especial por não fazer questão de esclarecer a crise de maneira explícita), o ótimo roteiro de Chandor tem a sorte de contar com um dos mais espetaculares elencos reunidos nos últimos anos. É graças aos trabalhos repletos de silêncios reveladores de Spacey, Tucci, Irons e até mesmo Demi Moore que a trama do filme se sustenta. Se as cenas que se referem a dólares e percentuais passam batidos pela vasta maioria da audiência, os diálogos onde a humanidade de suas personagens se revela dá à obra um tom dramático irresistível (mesmo que exagero de espécie alguma passe pela tela). E são particularmente fascinantes as atuações de Kevin Spacey (relembrando a todos o porquê de ser um dos melhores atores americanos de sua geração) e Stanley Tucci (que bem poderia arrebatar uma indicação ao Oscar de coadjuvante).

É bem provável que "Margin Call" passe despercebido nos cinemas brasileiros (parte por seu tema um tanto específico demais, parte por ser eclipsado pelos prováveis candidatos ao Oscar). Mas aqueles que se arriscarem a dar uma olhada não terão do que reclamar.

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GUERREIRO

Posted by Clenio on 18:47 in
Tommy Riordan (Tom Hardy) volta à sua cidade natal depois de um afastamento de treze anos e reencontra o pai, Paddy (Nick Nolte) tentando abandonar o vício do álcool. Seu retorno tem um objetivo claro: ele quer ser novamente treinado para vencer o Grand Prix de MMA a ser realizado em Las Vegas e, com o dinheiro, cumprir a promessa feita à esposa de seu melhor amigo, morto em combate na Guerra do Iraque. Brendan Conlon (Joel Edgerton) é um professor de Física que está prestes a perder a casa onde mora com a esposa e as filhas pequenas (uma das quais tem uma doença cardíaca) e que vê no Grand Prix a chance de recuperar a propriedade e o amor-próprio - e apesar de ser considerado um azarão, jamais perde a esperança de vencer o torneio. Os dois homens, com interesses extremos na glória e no dinheiro, chegam juntos à disputa. Os dois tem um passado complicado - Tommy cuidou sozinho da doença da mãe, e Brendan ficou ao lado do pai mesmo sabendo não ser seu preferido. E os dois tem algo mais em comum: são irmãos.

Não deixa de ser fascinante perceber que, mesmo nessa época do ano em que só se fala em Golden Globe e possíveis indicados ao Oscar, ainda é possível descobrir pérolas que foram ignoradas injustamente pelo público. É o caso de "Guerreiro", que apesar de ter estreado em setembro nos EUA sairá diretamente em DVD no Brasil. Injustiça pura! O filme do irlandês Gavin O'Connor (que também é ator e faz uma pequena participação como comentarista do torneio) é um emocionante drama esportivo que utiliza a seu favor todos os clichês do gênero e os entrega ao público com absoluta sinceridade. Sem jamais dedicar-se somente ao esporte que enfoca (cada vez mais popular no Brasil, como provam os UFC da vida), o roteiro cede espaço o bastante para que o espectador compactue com os problemas pessoais de seus protagonistas, se envolvendo aos poucos com suas vidas e sentimentos. Comparado por boa parte da crítica com "Rocky, um lutador", o filme de O'Connor - que também falou de problemas familiares em "Força policial" - é superior ao oscarizado trabalho estrelado por Sylvester Stallone em muitos fatores.

O principal fator de dá vantagem a "Guerreiro" em relação a "Rocky" é o fato de seus protagonistas serem mais críveis do que a personagem de Stallone. Enquanto Rocky era quase um deficiente mental com sua ingenuidade excessiva, Tommy e Brendan tem personalidades fortes e bem definidas, com raivas, rancores e sentimentos muito mais interessantes (não deixa de ser fascinante também o fato de o público ficar dividido no clímax do filme). No roteiro co-escrito pelo diretor não há heróis ou vilões e sim pessoas com defeitos e qualidades. É sintomático que, além das cenas de luta extremamente bem coreografadas, os momentos dramáticos sejam também bastante comoventes (em especial quando se conta com o trabalho excepcional de Nick Nolte).

"Guerreiro" é um filmaço, capaz de emocionar e empolgar qualquer tipo de audiência (até mesmo aquelas que não fazem a menor ideia do que seja MMA ou UFC). É humano e verdadeiro como "O vencedor" tentou ser e não chegou a conseguir.

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DRIVE

Posted by Clenio on 14:47 in
A atmosfera sombria e melancólica é a mesma, apesar dos cenários distintos (Nova York em um, Los Angeles em outro). O protagonista, solitário e idiossincrático, idem. A violência que explode sangrentamente do nada é idêntica. E até mesmo o título tem uma semelhança direta. É impossível assistir-se à "Drive" - um dos mais fortes candidatos a cult dos últimos anos - sem que as poderosas imagens criadas por Martin Scorsese venham à mente. "Taxi driver", escrito por Paul Schrader e fotografado por Michael Chapman em 1976 está no cerne do filme do dinamarquês Nicolas Winding Refn que arrancou elogios entusiasmados no último Festival de Cannes. Pro bem e pro mal.

Logicamente, ser comparado com um dos mais importantes filmes da carreira de um dos mais íntegros cineastas em atividade não é nada mal, mas "Drive" vai muito além das comparações. Baseada em um livro de James Sallis recém publicado no Brasil, a obra de Refn é um policial denso e envolvente que mistura o ritmo compassado do cinema europeu com uma violência quase devastadora que somente os mais corajosos diretores americanos ousam experimentar. Pode-se dizer sem medo que "Drive" é um filme de ação SEM ação (ao menos aquele tipo de ação que convencionou-se chamar de "ação" em termos hollywoodianos). E não seria errado afirmar também que é um drama avassalador sobre a solidão e sobre a sensação de deslocamento e impotência. Mas, acima de tudo, "Drive" é cinema de primeira qualidade.

Ryan Gosling (conduzindo sua carreira de maneira exemplar) vive o protagonista com economia de recursos, dando a seus silêncios o peso de um discurso. Seu nome nunca é mencionado, o que aumenta ainda mais o sentimento de desimportância que lhe oprime. Trabalhando de dia como dublê de cenas perigosas e à noite como motorista de bandidos que precisam de um carro, ele passa seus dias sem maiores ambições. Assim como Travis Bickle (que Robert DeNiro eternizou em "Taxi driver"), ele encontra uma razão para viver quando uma mulher entra em sua vida. Irene (Carey Mulligan, doce e emocionante) é uma vizinha de prédio, que cria sozinha o filho pequeno desde que o pai do menino foi preso. É justamente Irene (e o sentimento que ela lhe desperta) que fará com que ele aceite fazer parte de um assalto que o jogará em rota de colisão com gente barra-pesada (inclusive um mafioso que poderá render um Oscar ao veterano Albert Brooks). Para proteger Irene e seu filho, o calado motorista descobrirá, em si mesmo, uma fúria incontrolável.

"Drive" é um grande filme. Visualmente impecável (desde a fotografia distante até o figurino que virou referência) e com uma trilha sonora extremamente adequada (que mescla temas próprios e densos com canções delicadas que acentuam seu tom triste), é também um show à parte para Ryan Gosling. Um dos melhores atores de sua geração, o canadense é nome certo entre os indicados ao próximo Oscar por seu trabalho em "Tudo pelo poder", de George Clooney, mas sua atuação aqui é nada menos do que antológica. Gosling é o corpo e a alma de "Drive". Ao público resta se chocar (com algumas cenas realmente surpreendentes) e aplaudir.

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