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NAMORADOS PARA SEMPRE

Posted by Clenio on 23:59 in
Michelle Williams foi talvez a indicada ao Oscar de Melhor Atriz deste ano que menos destaque teve na mídia, que concentrou-se na disputa entre Natalie Portman e Annette Bening, no retorno de Nicole Kidman e na revelação de Jennifer Lawrence. Essa espécie de esquecimento, no entanto, é absolutamente injustificada. O trabalho de Williams é precioso, uma pequena obra-prima de delicadeza em um filme independente que merecia melhor sorte nas cerimônias de premiação. "Namorados para sempre" - cujo título original, "Blue Valentine", pra variar, soa bem melhor - é o doloroso retrato do fim de um relacionamento, e como tal, é pungente e sofrido. E Williams encontra em Ryan Gosling o parceiro ideal. Excelente ator, Gosling foi esquecido pelo Oscar, mas merecia ao menos uma indicação, pois é o contraponto perfeito para a interpretação de Michelle. Tanto como rapaz sonhador e talentoso como um homem perdido na mediocridade da própria vida, Gosling dá um show.

O filme do desconhecido Derek Cianfrance machuca o espectador por não poupá-lo da dor pela qual passam os protagonistas, vividos com garra e entrega por Williams e Gosling. Eles interpretam um casal em flagrante crise no relacionamento. Ela, Cynthia, é uma estudante de Medicina esforçada e um tanto desiludida com a vida sem maiores encantos que leva. Ele, Dean, vive de bico em bico, pintando casas de vizinhos e sem maiores ambições na vida a não ser marido e pai. Quando um ex-namorado de Cynthia reaparece em suas vidas - mesmo que efemeramente - eles chegam ao ponto crucial do seu casamento: lembrando de todas as situações que viveu ao lado do marido, Cynthia precisa decidir se leva adiante uma relação notadamente fracassada.

O tom de realismo absoluto imposto pelo roteiro - que incentivou a improvisação dos protagonistas - atinge o nervo sensível de qualquer espectador que já passou por alguma crise no namoro/casamento. Tanto nas belas cenas em que Cynthia e Dean se apaixonam - de uma delicadeza ímpar - quanto nas sequências tensas em que partem para todo tipo de agressão - física, verbal e até mesmo sexual - existe uma verdade rara, dificilmente encontrada em grandes produções comerciais. As cores - e as técnicas de filmagem - com que Ciafrance pinta as idas e vindas do casal também são escolhidas cuidadosamente. O romantismo dos primeiros encontros, onde a vida parecia cor-de-rosa cede espaço à angústia e a dor da percepção inequívoca do fim absoluto através de visuais nitidamente díspares. É importante essa definição clara principalmente porque "Namorados para sempre" é contado alternando as duas épocas - o que, felizmente, funciona aqui às mil maravilhas, explicitando o contraste entre o sonho e a realidade.

"Namorados para sempre" tem cara de filme cult, principalmente por ter tido um orçamento ínfimo - um milhão de dólares - e ter no elenco dois nomes que aparentam ter um futuro brilhante pela frente. Mas mais do que isso, é forte, é triste - é de partir o coração a cena em que Gosling canta para que Williams faça uma apresentação de sapateado nas ruas desertas do Brooklyn - e é uma pequena obra-prima do cinema independente americano. Para ser descoberto e louvado.

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SOBRE MOACYR SCLIAR

Posted by Clenio on 16:30 in ,
Com a morte do escritor Moacyr Scliar, aos 73 anos de idade, o Brasil perdeu um de seus maiores escritores vivos. Ainda que longe da popularidade que sua prosa simples - mas jamais simplória - merecia, o autor de obras fundamentais para a literatura nacional, como "O exército de um homem só", "Mês de cães danados" e mais recentemente "A mulher que escreveu a Bíblia" deixou uma marca indelével junto aos fãs de textos inteligentes e sem falsos eruditismos. Cronista do dia-a-dia, Scliar deixará õrfãos as centenas de leitores de sua coluna no jornal "Zero Hora", onde discutia cinema, literatura e medicina com propriedade e nunca pedantismo ou arrogância. Não lembro, pessoalmente, de ter lido uma linha sequer escrita por ele que fosse desagradável ou deselegante. Era um homem preocupado apenas com coisas realmente pertinentes. E isso é uma qualidade rara nesse mundo tão receptivo a bobagens efêmeras.

Conheci pessoalmente Moacyr Scliar no final da década de 90, quando trabalhava em uma locadora de vídeo. Cliente frequente - e um tanto exigente - ele gostava de filmes europeus, inteligentes, que fugissem da mesmice da indústria hollywoodiana e não raro nos pegávamos em longas conversas sobre bom cinema. Foi ele, lembro-me bem, que me recomendou o sensacional "Spider", de David Cronenberg, segundo ele uma das melhores representações da esquizofrenia realizada no cinema. Em pouco tempo, ele confiava cegamente nas minhas recomendações e chegou a me apelidar de "meu guru"... Não é de ter orgulho ser chamado de guru por um imortal????

A morte de Scliar é um fato triste, que acinzenta um domingo quente. Mas todo mundo que leu "O centauro no jardim" e admirou sua trama fantástica que metaforizava a tolerância perante as diferenças sabe que sua obra - diferentemente de seu corpo físico - será verdadeiramente imortal.

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O DISCURSO DO REI

Posted by Clenio on 22:30 in
Alguns trailers enganam muito e conseguem despertar interesse em um filme ruim. Às vezes, no entanto, um trailer consegue passar exatamente a essência de uma obra. Um exemplo dessa afirmação? "O discurso do rei", grande favorito ao Oscar deste ano. O trailer dá a noção precisa do que é o filme estrelado por Colin Firth: um produto sem criatividade, visualmente feio, repleto de clichês e muito chato. Só mesmo o fato de tratar-se de uma história verdadeira sobre a família real inglesa e com um protagonista com problemas de saúde - elementos sempre caros à Academia - para justificar a chuva de indicações (doze!!!!) e o favoritismo contra filmes muito mais originais e empolgantes, como "A origem" e "Cisne negro".

"O discurso do rei" é um típico filme feito para ganhar Oscar. Tudo nele é absolutamente de acordo com as regras não escritas mas sempre seguidas à risca pelos eleitores da estatueta mais cobiçada do cinema. Estão presentes a história de superação, a reconstituição de época bem cuidada, a trilha sonora grandiloquente, atores respeitados em papéis alegadamente bem escritos e o que é mais importante - e mais desanimador para os fãs de cinema de verdade - uma absoluta falta de ousadia. Tom Hooper, seu diretor, concorre ao Oscar mais pela vontade da Academia de premiar o filme do que por real talento: sua direção é burocrática, quadrada e destituída de ritmo. Talvez o pior defeito de seu trabalho não seja o visual insosso nem a quantidade quase insuportável de clichês de seu roteiro, mas sim a chatice de seus personagens. Por melhores atores que Colin Firth e Geoffrey Rush sejam - e eles o são, sem sombra de dúvida - eles não conseguem salvar o filme de ser um maçante produto pré-fabricado e previsível.

Para quem não sabe, "O discurso do rei" conta a história do Rei George VI (Colin Firth), que assume o trono da Inglaterra no final da década de 30, justamente quando o país está em vias de entrar na II Guerra. Além dos problemas políticos - tratados com quase indiferença pelo roteiro - ele precisa lidar principalmente com sua gagueira crônica, que lhe tira toda e qualquer auto-confiança. Para isso, sua esposa Elizabeth (Helena Bonham-Carter) contrata os serviços de Lionel Logue (Geoffrey Rush), que, através de métodos pouco ortodoxos, irá conduzir o monarca em direção a uma saudável relação consigo mesmo. Obviamente, os dois homens tornam-se grandes amigos. Mais clichê que isso é impossível, e pensar que o roteiro de David Seidler pode tirar a estatueta de "A Origem" é de preocupar qualquer zen-budista.

É inegável que o trabalho de Colin Firth é excepcional - e seus silêncios demonstram mais isso do que as tentativas de sua personagem em falar sem gaguejar. Geoffrey Rush também dá seu costumeiro show particular - ainda que não apresente nenhuma novidade em relação a suas atuações anteriores. Mas o fato mais inexplicável de todos é a indicação de Helena Bonham-Carter ao Oscar de atriz coadjuvante: apesar de ter um talento inquestionável, a sra. Tim Burton não faz nada em cena que justifique sua lembrança pelos membros da Academia.

Enfim, premiar "O discurso do rei" com sua láurea máxima será um retrocesso fenomenal da Academia e a afastará ainda mais a plateia sedenta por filmes mais fortes e marcantes. É um filme que tem tudo para agradar a gerações mais conservadoras mas que não é destinado a fazer história como alguns de seus concorrentes na briga pelo Oscar. "Cisne negro" e "A origem" tem poucas chances, mas "A rede social" ainda pode salvar a noite...

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INVERNO DA ALMA

Posted by Clenio on 18:56 in
Para parecer antenada e consciente de tudo que acontece longe de seus domínios mais comerciais, todo ano a Academia de Hollywood escolhe uma produção independente para adotar e cumular de indicações ao Oscar. O escolhido deste ano é "Inverno da alma", que ganhou o grande prêmio do júri no Festival de Sundance e foi aplaudido entusiasticamente pela vasta maioria da crítica. Porém, indicado a quatro importantes estatuetas deste ano - filme, atriz, ator coadjuvante e roteiro adaptado - toda essa paixão exarcebada parece um tanto com uma alucinação coletiva. Ainda que tenha algumas qualidades inegáveis, o filme da desconhecida Debra Granik está muito longe de ser a obra-prima que andam apregoando aos quatro ventos.

O maior mérito de "Inverno da alma" - e isso qualquer espectador há de concordar - é seu elenco. Liderados por uma juvenil Jennifer Lawrence, que concorre ao Oscar com poucas chances, os atores escolhidos por Granik são o que há de melhor em um filme de ritmo e desenvolvimento lentos e uma história que, apesar do início promissor, não apresenta maiores surpresas. Lawrence interpreta Ree Dolly, uma adolescente de 17 anos que leva uma vida nada agradável em uma área rural do interior americano: por sua mãe ter sérios problemas de depressão, é ela quem cuida dos irmãos pequenos, dando-lhes a pouca comida que consegue com a ajuda dos vizinhos e amigos. Um dia, ela é procurada pelo xerife da cidade, que lhe dá a péssima notícia: seu pai, um homem sempre às voltas com problemas com a polícia, deu a propriedade onde mora a família como garantia de sua condicional. Desaparecido, ele precisa dar as caras no prazo estabelecido, sob pena de tanto Ree quanto sua mãe e irmãos irem ficar sem um lar. Determinada a encontrar seu progenitor, a garota embarca em uma viagem onde encontra tipos perigosos - quase todos com relações de sangue - e corre sério risco de morrer.

Durante o processo de Ree em direção à verdade sobre o desaparecimento de seu pai, é impossível não lembrar das teias de intrigas e mentiras criadas por David Lynch em sua série televisiva "Twin Peaks", onde nada era o que parecia e as personagens eram bem mais complexas do que davam a entender em uma primeira visão. No filme de Granik, o caminho de Ree é pontuado por mulheres violentas, policiais corruptos, pessoas que tem muito a esconder. Sintomaticamente, uma envelhecida Sheryl Lee (a Laura Palmer em pessoa) dá o ar da graça em uma cena curta mas importante. Desprovida de qualquer glamour - o que combina à perfeição com todo o visual gélido e cinzento do filme - Lee também remete à obra de Lynch, ainda que sem seus elementos bizarros. Aliás, é de se elogiar a estética fria e formal da obra da cineasta: sem buscar o encantador ou o sublime, ela retrata a árida região onde se passa a história com uma sobriedade implacável e honesta.

E honestidade é a palavra-chave em "Inverno da alma". É um filme simples, honesto e realizado com discrição - seu editor Affonso Gonçalves, vale dizer, é brasileiro radicado nos EUA. Não é uma obra espetacular nem mesmo apaixonante, mas é mais verdadeira e honesta do que muita porcaria que faz sucesso por ser adaptado de histórias em quadrinhos. É um filme comum sobre gente de verdade, e como tal, merece ser conferido, ainda que suas indicações ao Oscar - com exceção do trabalho primoroso de John Hawkes - sejam realmente um exagero.

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VIAGENS MUSICAIS COM MEU PAI

Posted by Clenio on 23:29 in
Além de ter me passado o vício da leitura - geneticamente ou não - e ter me dado o nome - que eu ODEIO, diga-se de passagem - meu pai é o maior responsável por uma das características mais marcantes da minha personalidade cultural: meu gosto musical.

Por causa dele eu tive acesso à música clássica, através de uma coleção de discos de vinil meticulosamente encapados pela minha mãe e de vez em quando ouvia Beethoven, Mozart e Bach, ainda que não fosse exatamente um especialista no assunto. Através dele eu conheci os Beatles, uma paixão que se mantém firme e forte - o vinil de "Let it be" foi meu primeiro contato com os quatro rapazes de Liverpool e tinha como ter sido mais auspicioso? Foi meu pai que me apresentou, ainda que não formalmente, a Chico Buarque e Elis Regina. Lembro da ocasião da morte de Elis, e de ter assistido a um especial na TV sem me dar conta do tamanho da perda pela qual o Brasil passava. E Chico... foi meu pai que me levou ao cinema para assistir a "Os saltimbancos trapalhões" e, encantado por Lucinha Lins e aquelas canções tão bacanas, nem de longe imaginava que seu autor era o maior gênio da música nacional e que eu me tornaria um apaixonado incondicional por sua obra.

Mas talvez as maiores lembranças musicais relacionadas a meu pai tem um cenário específico: o carro. As viagens que eu fazia com minha família - normalmente de Camaquã em direção à capital Porto Alegre - ficaram marcadas na minha memória não pelas brigas com meus irmãos no banco de trás e sim pela trilha sonora que saía do toca-fitas (sim, isso aconteceu na era pré-CD). Em especial duas fitas me remetem à infância. A primeira tocava frequentemente e era do nosso Rei Roberto Carlos. Podem achar brega e tal, mas considero Roberto um dos mais importantes e talentosos cantores e compositores brasileiros. Adoro, de verdade, e a fita que ouvíamos - não sei se meus irmãos gostavam tanto quanto eu - era aquela que tinha no repertório "Café da manhã", "Força estranha", e a mais poderosa de todas pra mim, na época: "Lady Laura", que sempre me dava vontade de chorar porque falava de mãe e isso me toca - John Lennon, outro dos meus ídolos, também compôs canções para sua progenitora, o que diz muito sobre minha pessoa.

A segunda fita que tocava e tocava e tocava era a trilha sonora da novela "Água viva", que eu gostava pra caramba - e confesso que gosto até hoje, porque a Som Livre a lançou em CD e eu comprei... Tempo bom em que uma trilha de novela reunia o time que essa reuniu: Maria Bethânia, Simone, Elis, Gal Costa, Gilberto Gil, Angela Ro Ro e João Gilberto cantavam nas duas horas de viagem e eu sabia de cor coisas que nem faziam muito sentido pra uma criança de sete anos de idade: "nosso caso é uma porta entreaberta" não dizia absolutamente nada pra mim. Hoje eu entendo cada sílaba de cada canção... e preferia não entender...

O fato é que MPB é uma das minhas fraquezas. Se hoje eu venero Marisa Monte, Cássia Eller, Chico, Caetano, Bethânia, Vanessa da Mata, Roberta Sá, Maria Rita, Gal, Gi, Vinícius e Gonzaguinha devo a meu pai, que, com seu gosto impecável por música brasileira, me ensinou a separar o joio do trigo.

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127 HORAS

Posted by Clenio on 22:58 in
É preciso dizer, antes de mais nada, que todas as notícias que reportam desmaios, ataques epiléticos e afins durante a cena climática do filme "127 horas" soa a golpe de marketing. Por mais gráfica que seja a sequência - filmada em apenas um take - ela não é mais chocante do que inúmeros momentos de filmes como a série "Jogos mortais". O grande diferencial aqui é que, ao contrário dos sanguinolentos produtos carniceiros que lotam salas de cinema pelo mundo afora, a plateia se importa com o protagonista. Vivido com intensidade por James Franco, o corajoso, apaixonado pela vida e carismático Aron Rolston conquista a audiência já em sua primeira aparição na tela. E é isso que faz toda a diferença e transforma o novo filme de Danny Boyle em uma experiência tão assustadora quanto emocionante.

Indicado a 6 Oscar - inclusive melhor filme - "127 horas" é um programa proibido a claustrofóbicos. Ainda que o roteiro de Boyle e Simon Beaufoy - a mesma dupla oscarizada de "Quem quer ser um milionário?" - seja ágil o bastante para não aborrecer o espectador menos paciente, a maioria absoluta do filme se passa em um único cenário, exíguo e sufocante. Felizmente a edição e a interpretação de Franco conseguem reverter o que poderia ser um cansativo exercício de vaidade de seu diretor em um filmaço de grudar na poltrona. Criativo como nos melhores tempos de "Trainspotting", Danny Boyle comprova que seu Oscar de dois anos atrás não foi mero golpe de sorte.

A história de "127 horas" é conhecida e o fato de ter virado filme apenas aumentou sua popularidade. Pra quem não sabe, é a história de Aron Rolston, um rapaz saudável e inteligente que tem como hobby escalar montanhas nos canyons americanos e curtir a natureza descobrindo paraísos escondidos. Em uma de suas viagens, um acidente acontece e ele se vê com o braço direito preso por uma rocha. Depois de passar cinco dias sem conseguir sair do lugar e sem comida e bebida - onde revê momentos importantes de sua vida, tem alucinações e é obrigado a beber a própria urina - ele só se salva quando amputa parte do braço.

Apesar de contar uma história barra-pesada, "127 horas" tem a seu favor um senso de humor muito bem-vindo e um ritmo que jamais cai. Tecnicamente perfeito, é uma história forte, que versa sobre a força do ser humano quando é obrigado a lidar com adversidades. Mas certamente não seria tão bom se não contasse com James Franco como protagonista. Sua indicação ao Oscar é mais do que merecida - e uma vitória não seria injusta: o até então desacreditado galã apresenta um trabalho irretocável, comprovando um talento com o qual acenava no mínimo desde sua atuação em "Milk". Alternando momentos de puro desespero com um humor inesperado e uma tristeza profunda (junto com uma arraigada esperança), Franco carimba gloriosamente seu passaporte rumo ao lugar reservado aos grandes atores.

E quanto à tão falada cena da amputação? Sim, é forte. Sim, é realista. E não, não é supérflua nem tampouco gratuita. É um clímax apropriado filmado com segurança e sem nenhum traço de sadismo. Mantenha os olhos abertos se conseguir, mas não vá ao cinema apenas por essa cena. O filme tem muitas outras qualidades que merecem sua atenção.

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O RITUAL

Posted by Clenio on 00:38 in
Alguns atores dão credibilidade a qualquer projeto. Um desses atores é Anthony Hopkins. Desde que levou o Oscar por seu inacreditável Hannibal Lecter de "O silêncio dos inocentes", o ator galês tornou-se sempre o ponto alto de produções de qualidade duvidosa e abrilhantou ainda mais filmes de sucesso. E é justamente Hopkins, do alto de seu talento inegável, que é um dos maiores atrativos de "O ritual", suspense  dirigido pelo sueco Mikael Hafstrom - que tem no currículo o interessante "Evil", indicado ao Oscar de filme estrangeiro de 2004. Baseado em fatos reais, "O ritual" estreou em primeiro lugar nos EUA e, apesar de não ter sido exatamente elogiado pela crítica, tem tudo para repetir seu êxito no mercado internacional. Tudo graças não apenas a Hopkins, mas também a seu tema, atraente para as plateias desde, no mínimo, o clássico "O exorcista".

Apesar de ser o rosto de Hopkins que enfeita o cartaz - e ser também o primeiro a surgir nos créditos - o verdadeiro protagonista de "O ritual" é o ator irlandês Colin O'Donoghue. Ele vive - de forma apática mas que não chega a comprometer o resultado final - o jovem Michael Kovak, que, sentindo-se indeciso quanto a seguir a carreira religiosa, é enviado para Roma para um curso que ensina a realizar exorcismos. Passando por uma grande crise de fé, ele questiona sistematicamente os dogmas da Igreja relativos à possessão demoníaca. É quando conhece Padre Lucas (Anthony Hopkins) que suas ideias começam a sofrer transformações. Heterodoxo, o veterano sacerdote faz com que o rapaz acompanhe o tratamento que vem dando a uma jovem adolescente grávida que, acredita-se, está possuída. Atormentado por seu passado e pela difícil relação que mantém com o pai, dono de uma funerária, Michael conta com a ajuda da jornalista Angelina (a brasileira Alice Braga) para reavaliar sua fé, e é obrigado a lidar com suas dúvidas quando acontecimentos inexplicáveis começam a lhe assombrar.

A maior qualidade de "O ritual" é não tentar inventar moda. Hafstrom é um cineasta bastante visual, e utiliza a arquitetura italiana como um elemento importantíssimo em sua forma de contar uma história que prefere construir um clima consistente a pregar sustos desnecessários (conta-se uns bons cinco pulos da poltrona, uma média bem interessante). A falta de novidades no roteiro - que segue à risca a cartilha do gênero sem envergonhá-lo - é plenamente compensada por sua honestidade. O diretor não busca o medo fácil ou apela para efeitos especiais exagerados, deixando nas mãos de seus atores a maior parte do trabalho braçal. E ainda que O'Donoghue não seja bom ator o bastante para cativar a plateia e Alice Braga tenha pouco a fazer com uma personagem quase supérflua (mesmo que convença quando necessário), Anthony Hopkins salva o espetáculo em mais uma atuação de primeiro nível. Mesmo que repita alguns trejeitos de sua mais famosa personagem, é carismático como poucos atores de sua geração e vale o preço do ingresso.

Para os fãs do gênero, "O ritual" é imperdível. E pode ser assistido tranquilamente por quem procura um entretenimento decente e bem-cuidado. Em uma época com tantos filmes indicados ao Oscar em cartaz pode passar quase em branco, mas merece uma conferida.

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PARA SEMPRE TEU, CAIO F.

Posted by Clenio on 12:39 in
Caio Fernando Abreu nasceu em Santiago do Boqueirão (RS) em 1948 e morreu em Porto Alegre em 25 de fevereiro de1996, vítima de complicações decorrentes do vírus da AIDS. Nesse meio-tempo, foi escritor, dramaturgo, jornalista, ator, astrólogo, cidadão do mundo e amigo. E é principalmente essa sua última característica o foco de "Para sempre teu, Caio F.", uma espécie de biografia epistolar do escritor, lançada pela Editora Record. Através de cartas trocadas com Caio durante sua longa amizade, a autora Paula Dip traça o perfil - se não exatamente fiel e acurado, objetivo que o carinho e a saudade atrapalham - do autor de obras essenciais da literatura brasileira do século XX, como os livros de contos "Morangos mofados" e "Ovelhas negras".

Dip é extremamente feliz em exibir um panorama completo sobre todas as nuances de Caio, um homem absolutamente entregue a todas as suas paixões - a saber, amigos, astrologia, música, teatro, viagens e principalmente literatura. Obcecado pela arte da escrita desde a infância, o autor é descrito no livro como um discípulo fiel e atento de nomes como Clarice Lispector, Hilda Hilst, Virginia Woolf e Fernando Pessoa, todos eles influências gritantes em seu trabalho, sempre repleto de dor, sexo, cigarros, uma certa decadence avec elegance e um humor todo particular, desenvolvido meticulosamente em textos vívidos e por vezes cruéis. O livro de Paula Dip ajuda - um pouco, já que não se propõe a isso - a desvendar os meandros da mente de Caio através de sua obra e de depoimentos de amigos fiéis e apaixonados. Além, é claro, de contar com as palavras do próprio homenageado, publicando cartas que demonstram, acima de qualquer dúvida, seu talento inato para as letras. A correspondência de Caio é terna, engraçada, informativa e mais digna de publicação do que centenas de obras ditas sérias que abarrotam as prateleiras das livrarias. Ele poderia facilmente chamar para si a máxima de Oscar Wilde, que declarou que até mesmo seu mais simples bilhete tinha potencial literário...

Dividido em capítulos específicos - sobre a vida pessoal, sobre as experiências nos palcos, sobre as viagens, sobre a fase esotérica - "Para sempre teu" é uma leitura fácil e apaixonante, ainda que resvale em alguns erros grotescos - em determinado momento, a autora declara que os seguidores do famigerado Charles Manson eram adoradores do demônio, o que não é verdade, e cita o livro que inspirou Caio a abreviar seu sobrenome de maneira errada: não existe o adjetivo "abandonada" no título de "Eu, Christiane F, 13 anos, drogada e prostituída". No entanto, esses pequenos lapsos não atrapalham o prazer que é ler e entender um pouco mais da vida e obra de Caio, um gênio maldito que, agora, 15 anos depois de sua morte, é mais popular do que nunca. Vigorosa, sexy e melancólica - e ao mesmo tempo vibrante, sarcástica e pop na melhor concepção do termo - a obra de Caio é indispensável. E nada como o livro de Paula Dip para acompanhar sua leitura.

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BRAVURA INDÔMITA

Posted by Clenio on 23:04 in
Só mesmo gente do calibre dos irmãos Joel e Ethan Coen - donos de um estilo único de fazer cinema - para fazer com que o remake de um clássico absoluto do western (um gênero não exatamente de popularidade estável na indústria hollywoodiana) soe tão moderno e inédito quanto a nova versão de "Bravura indômita", que, além de concorrer a generosas dez estatuetas na próxima festa do Oscar - incluindo filme, ator e diretor - ainda chegou a render mais de 150 milhões de dólares nas bilheterias americanas. Maior sucesso comercial da carreira dos diretores,  "Bravura" é um filme que orgulharia John Ford - tamanho seu carinho em abraçar todas as melhores características do gênero - mas que priva a plateia de boa parte da criativade dos filmes anteriores dos cineastas. Apesar de ser impecavelmente realizado, falta nele a ousadia estilística que fez a fama e o diferencial de sua filmografia desde o final dos anos 80 e que foi louvada com os Oscar de filme e direção de 2007, com "Onde os fracos não tem vez".

Baseado em um romance de Charles Portis,  novamente publicado no Brasil graças à estreia do filme, "Bravura indômita" foi filmado pela primeira vez em 1969 e deu o Oscar tardio de melhor ator ao veterano John Wayne. Em sua releitura século XXI, o papel principal ficou com Jeff Bridges, mais uma vez apresentando um trabalho sensacional. Ele vive Rooster Cogburn, um policial federal alcóolatra e com fama de durão que, em 1810, é procurado por Mattie Ross (Hailee Steinfeld), uma adolescente de 14 anos que lhe oferece dinheiro para que encontre Tom Chaney (Josh Brolin), o homem que roubou e matou seu pai. Ele aceita a missão, apesar da exigência da menina - mandona, um tanto chata e absolutamente decidida - de acompanhar-lhe em sua jornada. A eles, junta-se LaBoeuf (Matt Damon), que tem um motivo menos nobre para encontrar o criminoso: uma bela recompensa. Juntos, os três partem em uma viagem inconstante por cenários vastos fotografados com requinte por Roger Deakins.

O visual de "Bravura indômita" é absolutamente sensacional. Crepúsculos e chuvas são mostrados com uma paleta de cores que enche os olhos a cada frame e não é novidade para nenhum fã de cinema que os irmãos Coen são especialistas em ângulos curiosos e inovadores. Ainda assim, em comparação com os movimentos de câmera trangressores de filmes como "Arizona nunca mais" e "Fargo", pode-se dizer que seu 15ºlonga é o mais comportado de suas carreiras. Talvez por estarem relegados a elementos clássicos de um cinema tradicional, eles preferem contar sua história da maneira mais simples possível. Isso agradou às plateias. E nem chega a incomodar seus fãs, que tem a oportunidade de comprovar que, mais do que simplesmente dois garotões dispostos a quebrar as regras do cinema, eles são cineastas de extrema competência, capazes de transitar com a mesma facilidade entre o cult e o popular.

E para isso, contam com um elenco escalado com perfeição. Se a atuação de Bridges pode lhe dar seu segundo Oscar - e se isso acontecer será a primeira vez na história que a mesma personagem fictícia dá a estatueta a dois atores diferentes - ele conta com excelentes colegas de cena. A jovem Hailee Steinfeild concorre ao prêmio de coadjuvante por um trabalho forte e marcante (é de se questionar apenas se ela é realmente coadjuvante ou protagonista...) E Matt Damon e Josh Brolin confirmam a ótima fase de ambas as carreiras, com participações acima da média. Defendendo personagens interessantes que fazem parte de uma história fascinante sobre superação e amizade (com todos os clichês que ela pode trazer, embrulhados belissimamente), o elenco é responsável direto pelo louvável resultado final.

Em resumo, "Bravura indômita" é um filme repleto de qualidades e que merece todas as dez indicações ao Oscar que tem. Não é original ou inesquecível, mas usa sua fé nas regras pré-estabelecidas para conquistar o público com muita inteligência. E é mais uma prova inconteste do enorme talento de seus realizadores.

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HOJE ACORDEI MEITRISTE...

Posted by Clenio on 12:01 in
Hoje acordei meitriste, meique carente de nossas longas conversas madrugada adentro... Saudade de tua voz aconchegante. Saudade de levantar teu astral. Saudade de tuas histórias sempre regadas a deboche e cerveja. Queria poder te recomendar o doentio e genial "Cisne negro", queria dividir mais textos de Caio Fernando Abreu - cujo senso de humor, personalidade e tendência a excessos me lembra de você. Queria saber da sua vida, de como anda sua busca por trabalho. Tenho curiosidade de você, vontade de você, abstinência de você, raiva imensa de você. Queria voltar a te enxergar como no início, quando eu acreditava que por trás de uma máscara de depressão existia alguém buscando ar (e eu tinha a certeza de que eu mesmo poderia ser esse oxigênio essencial). Queria, mais do que tudo, poder desistir de você, te odiar sem remorsos, sem olhar pra trás, sem essa sensação de missão abandonada pela metade. Minha alma um tanto desnorteada anseia pela tua alma maldita e radical. Queria te contar os detalhes do meu monumental porre da semana passada, te deixar a par das negociações a respeito da minha casa nova, te avisar sobre os novos sites de cinema que contam com meus textos, te pedir opiniões sobre minhas futuras incursões dramatúrgicas - e eu sei que pelo menos uma delas iria te tirar do sério...

Hoje acordei meique com preguiça de responder perguntas idiotas, de sorrir sem ter vontade, de perceber que definitivamente o mundo é tão menos do que nós dois... Meique com desprezo por gente que anda de óculos escuros dentro de shoppings, de gente que não entende todas as nuances de um filme, que ouve Claudia Leitte e acha que é música, que nunca leu Camus ou Goethe ou Shakespeare e acha que entende a alma humana. Hoje tô meique querendo aquela sensação de paz que eu sentia quando me despedia de você e via seu sorriso na webcam. Hoje acordei meique solitário. Não o somos todos nós que exigimos demais da vida???

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O VENCEDOR

Posted by Clenio on 22:41 in
Filmes sobre boxeadores já tem tradição dentro de Hollywood e alguns deles levam a assinatura de nomes de peso como Martin Scorsese ("Touro indomável"), Clint Eastwood ("Menina de ouro") e até mesmo Darren Aronofski ("O lutador"), por isso não é nenhuma surpresa que "O vencedor", novo exemplar do gênero esteja concorrendo a exagerados 7 Oscar, incluindo as cobiçadas estatuetas de melhor filme e direção. Comandando uma história que muitas vezes escorrega nos clichês, David O. Russell - cujo melhor crédito até hoje é a comédia de guerra "Três reis" - arranca interpretações preciosas de seu elenco, mas sua presença na lista de candidatos ao Oscar, em detrimento de Christopher Nolan chega a ser criminosa.

"O vencedor" é uma história real, e conta muito a seu favor o fato de ser quase inacreditável em suas reviravoltas dramáticas. Também ajuda ter um protagonista como Micky Ward, um rapaz bem-intencionado, honesto e capaz de cativar a audiência sem fazer muito esforço, em uma atuação correta de um Mark Wahlberg que abriu mão do próprio cachê e assina o filme como produtor. Ward asfalta as ruas de seu bairro enquanto busca uma nova chance de provar seu talento como boxeador, sendo incentivado principalmente por seu irmão mais velho, Dicky (Christian Bale), que teve seu momento como lutador e vive de uma noite de glória em seu passado, antes que se viciasse em crack e fosse para a prisão. Ao contrário, porém, de um Jake LaMotta - que lutava mais contra seu vício em autodestruição do que propriamente seus opositores no ringue - Micky precisa romper com a pressão da própria família - representada pela histérica mãe, Alice (Melissa Leo) e sete irmãs peruas - para atingir seu objetivo. Para isso, ele se une à garçonete Charlene (Amy Adams).

O problema maior em "O vencedor" é que ele não apresenta nenhuma novidade em relação a todos os outros filmes sobre o esporte. Russell não demonstra muita criatividade, alternando o tom semi-documental das lutas com a discrição da câmera nas sequências de barracos familiares - e eles são muitos. Se as cenas que retratam a busca de Ward por seu título de campeão mundial não chegam a empolgar - ainda que sejam relativamente bem editadas - o filme cresce visivelmente quando o diretor deixa as rédeas nas mãos de seu competente elenco. Wahlberg não decepciona, apresentando um trabalho honesto e contido. Amy Adams mostra porque é uma aposta certeira para um futuro de brilho intenso em Hollywood, mantendo sua emoção em fogo brando até o momento em que é imprescindível mostrar seu talento enorme. Mas são Melissa Leo e Christian Bale quem tornam o filme memorável.

Na pele da estridente, neurótica e patética Alice, a veterana Melissa Leo atinge o ápice de uma carreira discreta que já havia lhe dado uma indicação ao Oscar de melhor atriz por "Rio congelado", há dois anos. Mesmo em uma categoria bastante disputada este ano, seu trabalho é consistente o bastante para lhe dar chances enormes de levar a estatueta de atriz coadjuvante (mesmo que ela esteja pagando do próprio bolso uma campanha para que isso aconteça, sua atuação brilhante merece a vitória). E Christian Bale... o ator inglês que encantou o mundo logo em sua estreia, no belo "Império do sol", de Steven Spielberg, cresceu e apareceu. Não é apenas o Batman de Christopher Nolan, ainda que o papel tenha lhe dado uma projeção muito bem-vinda. Como Dicky Eklund, Bale desaparece em cena. Magro, sem dentes, irrequieto e quase desprezível, ele deixa de ser um ator para tornar-se outra pessoa - que inclusive subiu ao palco com ele para receber o prêmio do Sindicato de Atores, no último dia 30 de janeiro. Bale é talvez uma das maiores certezas da festa do Oscar, e sua derrota seria privar "O vencedor" de ter sua maior qualidade definitivamente consagrada.

"O vencedor" consegue emocionar em alguns momentos, e, apesar de ser uma história abertamente previsível é capaz de empolgar em seus minutos finais. Porém, perto de obras-primas como "Cisne negro" e "A origem" empalidece por sua absoluta falta de originalidade. É um bom filme, ainda que supervalorizado.

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6

CISNE NEGRO

Posted by Clenio on 23:14 in
Há que se louvar que um filme como "Cisne negro" tenha encontrado lugar entre os finalistas ao Oscar de melhor filme deste ano, ao lado de obras certinhas como "O discurso do rei" e "O vencedor". Complexo, pesado, ousado e aterrorizante, o mais novo trabalho de Darren Aronofsky (autor do inacreditável "Réquiem para um sonho") é milhares de vezes mais excitante (em todos os sentidos) do que qualquer um de seus nove rivais na luta pela estatueta mais cobiçada do cinema - com a possível exceção de "A origem". Porém, justamente por essa qualidade muito acima do convencional, suas chances de levar o prêmio são quase nulas. E para entender essa afirmação é preciso que se assista a ele. Aliás, é preciso que se assista a ele de qualquer maneira. "Cisne negro" é imperdível e uma obra extraordinariamente madura de um cineasta ainda bastante jovem (que fará meros 42 anos no próximo 12 de fevereiro) e que parece ter ainda muito a dizer.

Já é lugar comum dizer que "Cisne negro" é um terror psicológico, mas de certa forma essa é a definição mais próxima da verdade, uma vez que é difícil rotular um filme tão repleto de nuances e que se presta a tantas leituras, todas elas fascinantes e por vezes cruéis. No auge de seu talento dramático, Natalie Portman caminha célere rumo a um merecidíssimo Oscar que será inconcebível em outras mãos."Cisne negro" pode ter um roteiro caprichado, uma parte técnica impecável e psicologismos de inteligência rara, mas Portman é o corpo e a alma do filme, em uma atuação impressionante que hipnotiza e choca qualquer espectador, por mais indiferente que este seja.

Na trama concebida por Andres Heinz, Mark Heyman e John McLaughlin - injustamente esquecida entre os finalistas ao Oscar de roteiro - Natalie vive (literalmente) a jovem Nina Sayers, uma bailarina dedicada e esforçada que tem como maior objetivo na vida assumir a protagonização da versão de "Lago dos cisnes" a ser dirigida por Thomas Leroy (Vincent Cassel). Talento ela tem, mas segundo o rígido Leroy, lhe falta alma, ou, em outras palavras, a vivência necessária para dar vida ao sedutor e vil cisne negro da obra de Tchaikovsky. Esse lado mundano existe em quantidade suficiente na bela Lily (Mila Kunis), que se torna a rival de Nina na disputa do papel. Para convencer a todos que é capaz de interpretar as duas facetas da obra, Nina inicia uma jornada perigosa rumo a destruir suas limitações físicas e emocionais.

Ora em forma de um aterrador filme de suspense ora em um absoluto e belíssimo drama sobre balé, "Cisne negro" é imprevisível e corajoso. É impossível saber de antemão todos os caminhos que o roteiro irá tomar, assim como é pouco provável que a plateia fique impassível diante de algumas das cenas mais dignas de comentários do cinema americano dos últimos anos. Muito se falou da cena lésbica entre Portman e Kunis (e eu tento imaginar o porquê de um casal levantar-se da sessão quando ela acontece...), mas o que se fala menos é toda a complexidade que envolve a psique de Nina Sayers. Presa em um tenebroso universo de repressão sexual, emocional e afetivo, ela caminha em direção à loucura absoluta ao som tonitruante da melodia adaptada por Clint Mansell da obra de Tchaikovsky. A inspirada fotografia de Matthew Libatique (que concorre ao Oscar no próximo dia 27) sufoca em determinadas sequências, explode em luz em outras e deslumbra em várias cenas. É nada menos do que hipnotizante a longa sequência final, em que finalmente a doce e reprimida Nina transforma-se em um belo e assustador cisne negro, dando absoluto sentido ao filme como um todo.

As nuances psicológicas de "Cisne negro" são muitas e podem gerar mil e uma discussões - e provavelmente todos os argumentos serão acertados. Nina Sayers, assim como todo mundo na audiência, tem os dois cisnes dentro de si, mas infelizmente para a protagonista de Aronofsky eles não convivem pacificamente dentro de sua deslumbrante roupa de bailarina.

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2

ALÉM DA VIDA

Posted by Clenio on 23:03 in
"Além da vida", apesar do título e da sinopse não pode ser considerado um filme de temática espírita. Também é um estranho no ninho dentro da filmografia do veterano Clint Eastwood, tanto por seu assunto quanto por sua estrutura. E principalmente é um filme que não faz grandes concessões ao comercial,  optando por um caminho menos fácil para chegar ao coração e ao cérebro de seu público. Talvez por essa sua recusa em apelar para os clichês mais óbvios, tenha sido um dos filmes menos bem-sucedidos financeiramente do cineasta. Somado ao ritmo extremamente lento do roteiro de Peter Morgan - indicado ao Oscar por "A rainha" e "Frost/Nixon" - o desenvolvimento

A estrutura de "Além da vida" lembra as obras da dupla Guillermo Arriaga/Alejandro González Iñarritu, que apresentam histórias aparentemente sem conexão que se encontram no desfecho em um desfecho que faz todo o sentido. No filme de Eastwood, três personagens de diferentes partes do mundo lidam com as dúvidas a respeito do outro lado da vida. Em Paris, a jornalista Marie LeLay (Cécile de France) tenta se recuperar do trauma de ter sobrevivido a um tsunami na Tailândia - em uma sequência assustadora que bota todo "2012" no chinelo e que provavelmente é responsável pela inclusão do filme na disputa pelo Oscar de efeitos visuais - escrevendo um livro sobre sua experiência de quase-morte. Em San Francisco, o vidente George Lonegan (Matt Damon) luta contra a ambição de seu irmão Billy (Jay Mohr), que quer capitalizar em cima de seu dom (que ele considera uma maldição). E em Londres, o pequeno Marcus (Frankie e George McLaren) busca contato com o irmão gêmeo morto tragicamente, enquanto suporta o fato de ter sido afastado da mãe viciada em drogas. Suas lutas para entender/conviver com a morte convergem para uma feira literária na Inglaterra, onde o destino (ou o que quer que seja que leva seu nome) os unirá para definir seus futuros.

É preciso ter muita paciência ao assistir-se a "Além da vida". Seu ritmo devaagar-quase parando requer da audiência uma dedicação além do corriqueiro, o que não é nada surpreendente ao tratar-se de um filme de Eastwood, que sempre primou por contar suas histórias com seu timing particular. O problema aqui é que, ao dividir a atenção entre três tramas cujos desenvolvimentos são de interesses variados, ele perde sua conexão com a audiência. Enquanto a história de Marcus e sua saudade do irmão gêmeo emociona de verdade, são pouco comoventes as dúvidas de Marie em relação à sua carreira, ainda que Cecile De France seja uma atriz bastante competente. No entanto, em seu medo de apelar para o piegas, Clint perde sua chance de envolver o público e fazê-lo se importar de verdade com suas personagens. Até mesmo a trilha sonora (do próprio diretor) evita o grandioso, tornando-se quase invisível.

No final das contas, "Além da vida" é um filme que não tenta, de forma alguma, empurrar qualquer doutrina ou religião. É uma obra que prefere falar sobre pessoas e suas dúvidas, ainda que essa opção diminua suas chances de ser mais popular. É lento, mas antes de qualquer coisa é um trabalho que merece ser admirado por sua sutileza e pelo bom-gosto em seu jeito de retratar de um assunto que ainda rende muita discussão. Está muito longe de ser o melhor de Clint Eastwood, mas ainda dá pra confiar no veterano diretor.

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3

BIUTIFUL

Posted by Clenio on 01:20 in
Quem gosta de ir ao cinema e sair da sala de exibição depois de duas horas e meia se sentindo como se tivesse levado uma tijolada não deve perder "Biutiful", novo filme do mexicano Alejandro González Iñarritu. Porém, o público que foge como o diabo da cruz de produções mais densas - mesmo que elas sejam infinitamente melhores do que as bobagens comerciais que infestam os multiplexes da vida - deve passar ao largo do pesado drama do diretor de "Amores brutos", "21 gramas" e "Babel". Indicado em duas categorias do Oscar deste ano - melhor filme estrangeiro e melhor ator - "Biutiful" não é apenas triste e melancólico. É, acima de tudo, um filme que esfrega na cara da audiência um mundo sujo, desesperançado e trágico, mas filmado de maneira tão avassaladora que se torna impossível ignorar.

Centrado principalmente na figura de Javier Bardem em mais uma atuação magistral - que lhe deu o prêmio de melhor ator em Cannes e sua terceira indicação ao Oscar - "Biutiful" mostra uma Espanha caótica, opressiva e feia, distante anos-luz dos cartões postais. O protagonista, Uxbal, não tem absolutamente nada de herói: ele vive de explorar negócios ilícitos - pirataria e sub-empregos para imigrantes chineses - e seu dom de conversar com mortos. Diagnosticado com um câncer terminal, ele precisa resolver seus problemas familiares em menos de dois meses, mas para isso terá que lidar com a esposa bipolar (ótima atuação da atriz Maricel Álvarez) e com os dois filhos pequenos, que vivem em um apartamento apertado e claustrofóbico. Enquanto convive com o medo de ser esquecido pelas crianças, ele também é obrigado a consertar alguns de seus erros mais trágicos, encarnados na figura de Ige (Diaryatou Daff), uma africana cujo marido foi deportado devido a um ato involuntário de Uxbal.

"Biutiful" é o primeiro trabalho de Iñarritu sem seu parceiro de longa data, o roteirista Guillermo Arriaga, e, por mais forte que o filme seja, sua ausência faz falta. O padrão e o estilo do cineasta continuam contundentes mas o roteiro de "Biutiful" carece, em certos momentos, de sutileza. Mesmo que todas as histórias paralelas narradas no longa sejam muito interessantes, elas soam um tanto deslocadas da trama central. A trajetória de Uxbal em direção a seu destino - que ecoa belissimamente a primeira cena - seria o suficiente para emocionar a plateia, e o faz magnificamente, mas em vários momentos desvia a atenção do público do essencial, além de estender desnecessariamente a duração do filme. Felizmente muitas outras qualidades brilham no resultado final, o que minimiza muito seus pecadilhos.

A fotografia do sempre competente Rodrigo Prieto não busca nunca o belo, em uma suprema ironia em relação ao título: os ângulos de Iñarritu são estranhos, desagradáveis, sufocantes, até mesmo feios. A trilha sonora de Gustavo Santaolalla - vencedor do Oscar por "Babel" - comenta a ação sem a intenção de tornar-se exaustivamente imponente, e a edição de Stephen Mirrione - também dono de um Oscar, por "Traffic" - é discreta e eficiente, ligando a primeira e a última cena de maneira tocante e jamais piegas. No entanto, nenhuma qualidade é maior, em "Biutiful", do que o trabalho extraordinário de Javier Bardem.

Não é à toa que Bardem é, hoje em dia, um dos atores estrangeiros mais populares de Hollywood, tendo inclusive a possibilidade de ser o vilão do próximo 007: sem sua atuação gigantesca, era bem provável que "Biutiful" não tivesse a mesma força. Uxbal não é uma personagem carismática, mas o olhar expressivo de Bardem, sua voz sempre no tom exato e a maneira com que domina cada milímetro da tela conquistam o público e elevam o filme a um patamar muito acima do convencional. É o fascinante trabalho de Bardem que faz com que o tom pessimista da história não assuste o público e, pelo contrário, o conquiste acima de qualquer dúvida. "Biutiful" não é um filme para qualquer um, mas é impossível não se deixar atingir por sua força dramática.

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2

AMOR E OUTRAS DROGAS

Posted by Clenio on 23:26 in
Sexy, engraçado e belamente romântico. Essas talvez sejam as melhores definições para "Amor e outras drogas", que reúne a dupla Jake Gyllenhaal e Anne Hathaway depois do sofrido "O segredo de Brokeback Mountain". Ambos merecidamente indicados ao Golden Globe deste ano, eles são o principal motivo para que se assista a essa adaptação livre do livro "Hard sell: the evolution of a Viagra salesman", de Jamie Reidy. Belos e talentosos, eles dão vida e humanidade a personagens complexos e convencem plenamente tanto nas cenas mais leves quanto nas (bastante) dramáticas. E, apesar de tratar de um assunto um tanto pesado, o romance de Zwick é agradável o bastante para conquistar qualquer tipo de plateia.

Tendo como pano de fundo a evolução da indústria farmacêutica através de seus representantes de venda, "Amor e outras drogas" começa em 1996, quando o jovem e sedutor Jamie Randall (Gyllenhaal, extremamente à vontade em um papel diferente dos que está acostumado a interpretar) passa a vender remédios para uma grande empresa de medicamentos, tentando convencer médicos a receitar seus produtos. Utilizando de seu grande poder de sedução, ele conquista e descarta as mulheres com a mesma facilidade, até que conhece a bela Maggie Murdock (Hathaway, linda e cada vez melhor atriz). Os dois iniciam uma relação sem compromisso algum, baseada unicamente em sexo caloroso, porque ela também não é chegada a vínculos afetivos, ainda que por uma razão bastante diversa: diagnosticada com o Mal de Parkinson, ela receia depender de outras pessoas ou apaixonar-se. Como ninguém manda no coração, os dois caem de amores um pelo outro e precisam lidar com a ameaça da doença.

Edward Zwick consegue, em "Amor e outras drogas" equilibrar cenas muito divertidas - cortesia de Josh Gad na pele do irmão nerd de Jamie - com outras de partir o coração (e nessas Anne Hathaway demonstra o quão boa ela ainda pode vir a ser). Mas são as cenas quentes entre os dois protagonistas que mais chamam a atenção: desinibidos, Jake e Anne protagonizam algumas das sequências mais excitantes do cinema americano dos últimos anos, ainda que jamais ultrapassem os limites do bom gosto. Tendo plena consciência de que não estava dirigindo um filme erótico, Zwick utiliza tais momentos para deixar claro o que move as personagens em seus primeiros encontros - e quando eles passam a um nível mais emocionalmente intenso de seu relacionamento o próprio filme parece também amadurecer. O belo roteiro não apressa ou forja situações desnecessárias, se deixando levar pelo talento e pelo carisma de seus atores centrais.

Quem gosta de comédias românticas ou aprecia dramas amorosos não pode perder "Amor e outras drogas". É um belo exemplo de cinema moderno sem ser "modernoso" e romântico sem ser "meloso". Uma pequena pérola a ser descoberta e cultuada.

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