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INSIDE LLEWYN DAVIS, BALADA DE UM HOMEM COMUM

Posted by Clenio on 21:21 in
Não adianta. Entra ano e sai ano, os irmãos Coen continuam sendo uma voz única (por mais paradoxal que seja a afirmação, uma vez que eles são dois) dentro da mesmice do cinema americano. Mesmo que por vezes aceitem fazer o jogo da indústria - com filmes mais comerciais, como "O amor custa caro" e "Queime depois de ler", que ainda assim tem um quê de rebeldia disfarçada pelos elencos estelares - eles nunca abrem mão de imprimir em cada trabalho uma personalidade que os diferenciam do mainstream. Mais uma prova disso - se é que precisa de mais uma - é seu novo filme, o melancólico "Inside Llewyn Davis, balada de um homem comum", injustamente ignorado pela mesma Academia que encheu de louvores o fraco e previsível "Clube de compras Dallas". Repleto das qualidades que fazem da filmografia dos Coen uma das mais consistentes do cinema ianque desde sua estreia com a revisita ao filme noir "Gosto de sangue" (84), a odisseia do músico folk do título, vivido com intensidade crua pelo ótimo Oscar Isaac, é uma pérola de sensibilidade, humor negro e boa música, capaz de envolver a audiência sem precisar de grandes eventos dramáticos para isso.

Llewyn Davis, o protagonista, é um cantor folk sem lar, sem lenço e sem documento que transita pelo Greenwich Village de 1961, buscando uma chance de firmar-se na carreira. Seguindo o vento, ele conta com a ajuda dos amigos para sobreviver sem um endereço fixo - mesmo que em várias ocasiões surjam conflitos sérios entre eles, especialmente com Jean (Carey Mulligan, mais uma vez ameaçando roubar a cena), namorada e parceira artística do talentoso Jim (o cantor Justin Timberlake acertando mais uma vez em sua carreira cinematográfica). Sua vida itinerante frequentemente o faz questionar sua opção em tentar a vida artística, mas seu amor pela música sempre fala mais alto, mesmo quando tudo parece lhe gritar o contrário. Sua trajetória é ilustrada pela essencial trilha sonora supervisionada por T Bone Burnett e iluminada magistralmente pela câmera do francês Bruno Delbonnell (merecidamente indicada ao Oscar), que transforma cada cena em uma pequena obra de arte que reflete o estado de espírito atormentado - mas sempre inquebrantável - do protagonista.

Brilhantemente interpretado por Oscar Isaac - ator nascido na Guatemala e que já foi visto mas pouco notado em filmes como "Drive" (onde fazia o marido de Carey Mulligan) e "W/E, o romance do século" (dirigido por Madonna) - Llewyn Davis é mais um anti-heroi criado pelos Coen, um homem comum (exatamente como descrito pelo desnecessário subtítulo nacional) tentando superar os obstáculos de um cotidiano opressor e preto-e-branco contando apenas com sua quase inquebrantável força de vontade e seu talento quase nunca devidamente reconhecido (e é diferente na vida real?). Passando por momentos ora surreais - como a carona com um desagradável John Goodman - ora de um tristeza quase tangível, o filme conquista pela sofisticação de sua narrativa e pela delicadeza estonteante de seu visual. É um pequeno grande filme que merece ser reconhecido como tal - nem que seja para provar que nem só de elaborados efeitos especiais vive o cinema americano.

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PHILOMENA

Posted by Clenio on 16:30 in
Uma jovem irlandesa católica tem seu filho pequeno entregue à adoção pelas freiras do convento onde vive, como forma de punição por seus pecados da carne. Quase cinco décadas mais tarde, torturada pelas lembranças do menino e decidida a fazer o possível para reencontrá-lo, a enfermeira aposentada une-se a um jornalista acostumado com os bastidores da política - e preso em um impasse profissional - para juntar as pistas sobre seu paradeiro. O jornalista, a princípio pouco interessado na história acaba, porém, descobrindo que reportagens de "interesse humano" podem ser tão gratificantes quanto escândalos do poder quando passa a conviver com a complexa Philomena Lee.

Parece trama de telenovela, mas o roteiro de "Philomena" - indicado ao Oscar de melhor filme do ano, mas eclipsado pela mídia em torno de produções milionárias entediantes como "Gravidade" - é real, é revoltante e, mais importante ainda, conquista por escapar com maestria das armadilhas que uma história assim oferece a cada momento. Philomena, a protagonista vivida com sutileza emocional pela sempre competente Judi Dench (também indicada ao prêmio da Academia), é uma mulher triste, incompleta e remoída pela culpa cristã que a acompanhou a vida inteira, mas isso não a impede de brindar o público com um senso de humor inesperado, uma esperança inquebrantável e uma grandeza de espírito surpreendente. Fugindo das possibilidades melodramáticas da história contada pelo jornalista Martin Sixmith em seu livro "The lost child of Philomena Lee", o roteiro de Jeff Pope e do ator Steve Coogan (que também é produtor do filme e interpreta Sixmith) é redondo e ágil, nunca se deixando levar pelas lágrimas fáceis. É triste, sim, e emociona quando necessário, mas jamais se permite mergulhar no dramalhão barato. Soma-se a ele a direção precisa de Stephen Frears - um cineasta de extremo bom-gosto e sensibilidade - e a atuação brilhante de Dench e tem-se um dos filmes mais merecedores de figurar entre os melhores da temporada. E, não bastasse isso tudo, ainda consegue encontrar espaço para discutir religião, culpa, rancor e homossexualidade. Sim, caro leitor, "Philomena" é um tapa na cara dos fundamentalistas - de qualquer religião que força dogmas absurdos em detrimento da felicidade e do prazer.

Apesar do espaço aberto para reflexões a respeito dos erros que as crenças religiosas podem cometer e da melancolia de seu tema, "Philomena" é, acima de tudo, um filme sobre a esperança, sobre o perdão e sobre a tolerância. Com sua alma generosa e sua tenacidade admirável, Philomena acaba sendo um exemplo de ser humano, capaz de um perdão que muitos espectadores jamais dariam. E essa grandeza - da personagem e da atriz - transformam o filme de Frears em uma pequena obra-prima de delicadeza. Se Cate Blanchett perder o Oscar (bate na madeira), somente Dench seria uma escolha mais acertada.



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NEBRASKA

Posted by Clenio on 19:02 in
A filmografia de Alexander Payne frequentemente se debruça sobre um objeto cada vez mais negligenciado pelos cineastas americanos: o ser humano. Obras como "Ruth em questão", "Eleição",  "As confissões de Schmidt", "Sideways" e "Os descendentes" traem insofismavelmente sua preferência por histórias cujo principal objetivo é investigar - sempre com um particular senso de humor ácido - as idiossincrasias de pessoas simples em situações aparentemente banais. Seus protagonistas não são super-humanos perfeitos nem tampouco vilões desprovidos de qualquer qualidade. O que interessa à Payne - e que o vem destacando entre seus colegas de profissão - são os mecanismos que movem pessoas comuns em direção a objetivos tão mundanos como vencer uma eleição para um grêmio estudantil, obter o direito de fazer um aborto ou descobrir quem é o amante de sua mulher. Seu novo filme - e talvez o melhor de sua carreira - segue esse mesmo caminho: "Nebraska", indicado a seis Oscar (incluindo filme, direção, ator e roteiro original) é uma pequena obra-prima sobre situações cotidianas que conquista pela simplicidade de sua trama, por seu inesperado tom cômico e por atuações capazes de derreter o mais insensível dos corações.

Fotografado em um belo e melancólico preto-e-branco que ecoa a nostalgia que perpassa a alma de seu protagonista, "Nebraska" é um mergulho bem-sucedido no modo de vida das cidades do interior dos EUA e nas entranhas das relações familiares, movidas a interesse, meias-verdades e até amor verdadeiro. Tudo começa quando Woody Grant (Bruce Dern), um mecânico aposentado e que apresenta sinais de demência, recebe por correio uma carta que lhe aponta como o possível vencedor de 1 milhão de dólares. Acreditando piamente na informação - a despeito dos avisos de sua família de que tudo não passa de propaganda enganosa - Grant resolve partir de sua pequena cidade no interior de Montana em direção a Lincoln, no Nebraska, onde está sua alegada fortuna. Para não deixar o pai sozinho, seu filho caçula, David (Will Forte) decide acompanhá-lo, para desgosto de sua mãe, Kate (June Squibb), já cansada dos caprichos e das crises do marido. Durante a viagem, porém, Woody e David são obrigados a fazer uma escala na cidade onde mora boa parte da família - e de onde o esperançoso idoso saiu logo que casou-se. A volta de Woody à cidade - e a subsequente notícia de sua nova condição financeira, que muda a forma como todos o enxergam - acaba sendo o gatilho para que ele acabe se aproximando do filho, com quem nunca teve uma relação das mais carinhosas.

Escrito com uma verve deliciosa que equilibra com precisão diálogos engraçadíssimos e momentos de pura sensibilidade dramática, "Nebraska" analisa a relação de Woody Grant com seu passado de maneira sutil, valorizada pela imersão do sensacional Bruce Dern no papel de sua vida - um Oscar para ele seria muito mais merecido do que para o festejado Matthew McConaughey. Dono de um olhar expressivo que transmite muito mais do que longos discursos emocionados ou impressionantes transformações físicas, o pai da atriz Laura Dern - protagonista de outro filme de Payne, "Ruth em questão" - constrói um homem repleto de sentimentos presos e vontades reprimidas que só não se torna antipático devido à sua interpretação exemplar. Dividindo a maioria de suas cenas com o ótimo Will Forte - perfeito na discrição de seu trabalho como um filho tentando compreender a personalidade complicada do pai - e com a sensacional June Squibb - hilariante como sua rabugenta esposa - Dern mostra do que um real ator é feito, explorando cada momento com seu talento único.

"Nebraska" provavelmente vai sair do Oscar sem nenhuma estatueta, o que é uma pena. Mas é preciso reconhecer que é um dos mais fascinantes, espertos e delicados filmes da temporada, capaz de emocionar e fazer rir sem ofender a inteligência da plateia. Altamente recomendável.

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DIANA

Posted by Clenio on 18:41 in
Das duas uma: ou a personalidade pública de Lady Di era muito mais interessante do que seu equivalente no dia-a-dia ou o filme de Oliver Hirschbiegel baseado no livro de Kate Snell conseguiu a proeza de estragar uma personagem fascinante ao esvaziar totalmente sua complexidade ao retratá-la como uma protagonista de romances ao estilo "Julia" e "Sabrina". Durante as desnecessariamente longas duas horas do filme, "Diana", a princesa não faz muito mais do que tentar convencer o médico paquistanês Hasnat Khan (Naveen Andrews, o Said da série "Lost") a casar-se com ela, a despeito das suas diferenças culturais, da paixão dele pela medicina e pelo fato de que ela era a mulher mais famosa do mundo e jamais conseguiria levar uma vida normal a qualquer mortal. Essa opção em fazer dela uma mulher comum, ao contrário de aproximá-la da plateia e do público acostumado com sua persona célebre, apenas joga no lixo a oportunidade de criar um filme digno de figurar entre as grandes cinebiografias do cinema - olimpo no qual o mais famoso trabalho de Hirschbiegel, "A queda", tem lugar garantido desde sua estreia.

Por melhor atriz que seja, Naomi Watts não consegue ultrapassar a mímese, presa que está em um roteiro superficial, que não explora a contento suas inúmeras possibilidades. Os trabalhos humanitários de Diana são lembrados, mas parecem jogados sem muito critérios entre uma discussão e outra dos protagonistas, que passam boa parte do filme repetindo praticamente os mesmos diálogos sem chegar a lugar algum. Diana, um dos maiores ícones de elegância do século XX e uma das mais amadas personalidades de sua época, soa como uma mulher carente e incapaz de lidar com suas próprias fraquezas emocionais, a ponto de submeter-se a uma relação onde assume um papel de constante submissão (o que as feministas acham do fato de vê-la limpando o apartamento do namorado como forma de reconquistá-lo?). Psicologicamente é compreensível que ela buscasse a aceitação de alguém - como ela mesma diz em uma cena, "nunca fui aceita em nenhuma família, nem na minha nem depois do casamento." - mas o roteiro mais uma vez falha ao ignorar esse caminho muito mais interessante para concentrar-se em cenas quase preguiçosas de conflito romântico.

Não se pode esperar que um filme conte uma vida inteira - sob pena de uma superficialidade inevitável. Mas o fato é que, mesmo optando pelo recorte de um período específico da existência de sua protagonista, "Diana" carece de uma profundidade mínima. O filme passa por cima de acontecimentos cruciais da história da princesa - como seu relacionamento delicado com a realeza e com a mídia - sem focar-se em nenhum deles, por mais interessantes que possam ser. Lógico, é uma questão de escolha dedicar-se ao romance, mas isso não é impedimento para uma inteligência maior na forma de contar sua história. Da maneira como está, fica difícil até mesmo compreender a natureza da relação entre Diana e Dody Fayed - em um cena ela é avisada de um convite para jantar com ele e no momento seguinte já está comprometida, sem que ao público seja fornecida nenhum outra informação a respeito. Por mais que a história seja conhecida, é uma falha que incomoda.

Ignorado pelas cerimônias de premiação - quando muita gente acreditava que ao menos Watts seria lembrada por seu desempenho - "Diana" passou em brancas nuvens, inclusive em termos de bilheteria. Culpa da falta de ousadia de seu diretor (algo surpreendente, uma vez que o alemão não se deixou intimidar quando retratou Hitler com um lado frágil em seu filme mais famoso), da superficialidade do roteiro e da escolha errada de foco. Preferível rever "A rainha", que é muito mais interessante.





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O CONSELHEIRO DO CRIME

Posted by Clenio on 18:29 in
O roteiro - primeiro trabalho diretamente para o cinema do escritor Cormac McCarthy, que escreveu os romances que deram origem aos filmes "Onde os fracos não tem vez" e "A estrada" - é repleto de diálogos inteligentes e fortes. A direção do veterano Ridley Scott é inspirada, com cenas de grande impacto visual. O elenco é composto por atores que não precisam provar nada a ninguém (Michael Fassbender, Brad Pitt, Javier Bardem, Penelope Cruz e vá lá, Cameron Diaz). Então por que "O conselheiro do crime" não chega nem perto do grande filme que poderia ser?

Criando mais uma trama onde a amoralidade é a mola-mestra, McCarthy usa e abusa de seu talento em forjar frases de efeito e diálogos crus e diretos, mas esbarra justamente em sua maior qualidade como escritor: a prolixidade. Não são poucos os momentos no filme em que os personagens tecem longas elocubrações filosóficas a respeito de destino, violência e morte, o que não seria nada mal se tal artifício não soasse redundante e, pior ainda, não truncasse o ritmo. Além disso, em sua tentativa de dar densidade dramática a seus personagens, McCarthy acaba deixando de lado o que mais importa em um produto cinematográfico: um conflito dramático de consistência (e junto com ele, a clareza narrativa imprescindível para que o público compre o drama proposto).

Começando com uma longa sequência de alta voltagem erótica entre o advogado vivido por Michael Fassbender e sua bela namorada Laura (Penelope Cruz), "O conselheiro do crime" já demonstra que sua prioridade são os personagens e suas sensações, em detrimento da uma trama sólida. O protagonista vivido magistralmente por Fassbender - e cujo nome nunca é citado - é ambicioso e amoral, características que acabam sendo atrativos para que ele caia na teia do excêntrico Reiner (Javier Bardem), que o convence a tomar parte em um milionário esquema de tráfico de drogas via México. Mesmo alertado pelo misterioso Westray (Brad Pitt) de que um erro junto aos traficantes mexicanos pode significar a diferença entre vida e morte - a sua e a de quem ama - o advogado aceita os termos da transação apenas para, em seguida, ver-se envolvido em uma trama de extrema violência e crueldade.

O problema maior em "O conselheiro do crime" é que sua trama é tão confusa - com personagens novos surgindo a cada momento e às vezes sem muita relevância - que o público fica tentando compreendê-la, ao invés de envolver-se no drama do protagonista, por mais que Fassbender entregue outra interpretação impecável. Tal indecisão - entre um drama quase filosófico e um filme de ação sem ação até seu terço final - compromete até mesmo o pretenso clímax, quando a identidade do real vilão é revelada sem maior impacto junto à plateia e o desfecho poderoso, que sublinha o tom pessimista impresso pela bela fotografia de Darius Wolski e pelos discursos espalhados pela história. Uma pena que tal desfecho - valorizado pelo desempenho de Michael Fassbender - seja uma tentativa tardia de Scott de salvar seu filme, a essa altura já abandonado por uma plateia exausta de tentar encontrar sentido em uma trama carente deles.

Dentro da carreira repleta de sucessos de Ridley Scott - "Alien, o oitavo passageiro", "Blade Runner", "Thelma & Louise", "Gladiador" - "O conselheiro do crime" deverá figurar entre seus maiores fracassos. Mas isso não significa que, com o tempo, não possa vir a ser valorizado justamente por sua coragem em romper com as expectativas que o cercavam.

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A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS

Posted by Clenio on 19:36 in
É apenas uma questão de tempo. Basta que um livro chame um pouco de atenção para que os produtores de cinema corram para garantir os direitos de adaptação para a telona. Não foi diferente com "A menina que roubava livros", best-seller do escritor australiano Markus Zusak publicado no Brasil pela editora Intrínseca. Mais uma história a contar os horrores da II Guerra Mundial sob um ponto de vista infantil - assim como, entre outros menos cotados, "Esperança e glória", "Império do Sol" e o recente "O menino do pijama listrado" - o filme de Brian Percival (cineasta sem nenhum trabalho de grande visibilidade comercial até a data) conquistou uma solitária indicação ao Oscar - trilha sonora original, pelo veterano John Williams - e, se não atinge todas as notas que poderia graças à sua poderosa trama, ao menos é delicado e sensível como deveria. E deve agradar aos fãs da obra original, já que a segue com o máximo de fidelidade possível.

Narrada pela própria morte - artifício que funciona mais no livro do que em sua versão cinematográfica, por razões óbvias - a trama de "A menina que roubava livros"gira em torno da jovem Liesel (a canadense Sophie Nélisse), que, separada da família e depois de ver a morte do irmão pequeno, é adotada por um casal sem filhos de uma pequena cidade alemã. O casal - interpretado pelos sempre fascinantes Geoffrey Rush e Emily Watson - que aparentemente não tem nada de altruísta e utiliza-se da menina para complementar a renda, tem sua rotina transformada quando passa a esconder em seu porão um refugiado judeu. O risco que correm com a desobediência aos valores do III Reich não os demovem da ideia de mantê-lo, especialmente quando surge entre ele e Liesel uma poderosa amizade, fortalecida pelo amor aos livros. Com a dificuldade de acesso às obras - muitas delas proibidas pelo governo - a menina começa então a roubar os livros da biblioteca de um oficial nazista cujas roupas são lavadas por sua mãe adotiva.

Contado sem maiores arroubos de criatividade, "A menina que roubava livros" é valorizado pela produção caprichada e pelo tema, ainda que não acrescente nada de novo à vasta filmografia relativa a ele. Pode emocionar aos mais sensíveis - principalmente em seu final mais abrupto do que deveria - mas carece de um diferencial que o faça ser inesquecível.

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NÃO FOI UM "SIMPLES BEIJO"

Posted by Clenio on 05:34 in
Não, não é exagero comemorar. Pra vocês que nunca tiveram que exigir e batalhar por respeito pode parecer imponderável que seja necessário um auê desse tamanho por causa de um "simples beijo". Acontece que não foi um "simples beijo". Deveria ter sido, como todos os milhares de beijos que são exibidos diariamente há mais de 50 anos. Mas não foi. Mais que um beijo, o que aconteceu entre Félix e Niko foi a quebra de um paradigma, foi a derrota de uma violenta onda de fundamentalismo doentio que vem ameaçando a liberdade da população - e se não foi tanto, ao menos foi um batalha vencida. Uma grande batalha, apesar de não parecer a vocês que jamais perderam noites de sono tentando encontrar uma maneira de encaixar-se em uma sociedade atolada de regras arbitrárias de comportamento. O "simples beijo" - no horário nobre, mas mesmo assim bem mais tarde do que o normal, para não assustar os sensíveis pais de família conscienciosos que não se importam em nutrir os filhos com uma dieta de violência física nauseante mas ficam chocados com carinhos entre pessoas do mesmo sexo - desafiou bolsonaros, felicianos, malafaias e outros menos cotados mas tão nocivos quanto em suas tentativas infames de impedir o amor e o sexo que fogem de seus conceitos odiosos - e que dizem mais respeito a suas próprias limitações de caráter do que a deus, seja ele qual for.

O "simples beijo" não quis afrontar a sociedade. Tampouco teve intenções de despertar discussões, mesmo porque não há o que se discutir: um beijo gay na televisão não é capaz de transformar a sexualidade de ninguém - seja uma criança, um adolescente ou um adulto - mas pode sim ser o pontapé inicial para uma convivência mais pacífica, justa, tolerante, elegante e sincera. O "simples beijo" não tenta impor um estilo de vida - se é que pode-se chamar assim - mas apenas reflete uma realidade, com um atraso justificável, graças ao fanatismo religioso e moral banhado em hipocrisia que assola o país desde que votos passaram a valer mais do que vidas - especialmente se forem vidas "desses gays desregrados que tentam obrigar todos a fazerem parte de sua doença." O "simples beijo" empurrou, para a sala de estar, aquele móvel que estava pegando poeira na área de serviço, timidamente tentando ser útil, mas sendo renegado por não combinar com a decoração. O "simples beijo" afastou as cortinas que separavam pais e filhos, mostrando que em amor não há vulgaridade, não há espaço para rancor, não há anormalidade. O "simples beijo" escancarou o preconceito de quem se diz livre dele e estabeleceu a linha divisória entre com quem vale a pena conviver e de quem é melhor se afastar para o bem da alma.

Não foi um "simples beijo". Foi um desabafo, foi um grito, foi uma passeata. Foi um discurso em prol de todos aqueles que já se sentiram sufocados pela discriminação, pelo sentimento de inadequação, pelo medo que a culpa (religiosa, parental, social) impõe. Foi a ilustração - em cores, movimento e sutileza - de uma família feliz, harmoniosa e cercada por um respeito com que esses doentios homofóbicos podem apenas sonhar. Para você, que nunca ouviu piadinhas e nunca precisou engolir em seco provocações humilhantes, talvez tenha sido apenas um "simples beijo". Mas esse minúsculo passo para você foi um salto gigantesco para todos nós, em direção a um momento no tempo em que a expressão "simples beijo" não precise mais de aspas.

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