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UM MÉTODO PERIGOSO

Posted by Clenio on 02:56 in
Levando-se em consideração a obsessão do cineasta David Cronenberg pelo lado mais sombrio da mente humana - haja visto fikmes como "Gêmeos, mórbida semelhança" e "Crash, estranhos prazeres" - não era de se duvidar que, mais cedo ou mais tarde ele iria esbarrar com o pai da psicanálise em algum projeto. Esse dia chegou, e, por incrível que pareça, "Um método perigoso" - o resultado desse encontro - é um filme que, apesar do tema, é bastante diferente da filmografia pregressa de Cronenberg. Mas é muito interessante assim mesmo.

Baseado na peça teatral de mesmo nome escrita pelo roteirista Christopher Hampton - por sua vez inspirado no livro de John Kerr já publicado no Brasil - "Um método perigoso" não mostra todas as aberrações visuais dos filmes mais conhecidos do diretor, preferindo centrar-se nos diálogos inteligentes e nas neuroses dos protagonistas, todos eles de grande importância para a psicanálise como a conhecemos hoje em dia. Ao abdicar também da violência com que vinha trabalhando em seus últimos projetos - "Marcas da violência" e "Senhores do crime", ambos estrelados por Viggo Mortensen - Cronenberg demonstra uma maturidade muito bem-vinda e uma segurança na direção de atores que justifica os elogios rasgados que o filme vem recebendo desde sua estreia no Festival de Veneza de 2011.

"Um método perigoso" conta o nascimento da psicanálise, através da relação entre Carl Jung (Michael Fassbender em outra atuação notável) e sua jovem paciente Sabina Spielrein (Keira Knigthley se equilibrando entre o exagero e a delicadeza), com a qual ele se permite utilizar um novo estilo de tratamento, ainda inédito então, no qual o médico busca a cura das psicoses (esquizofrenias e todas as variantes possíveis) através de longas e constantes conversas. O tratamento com Sabrina - jovem, bela, inteligente e que encontra prazer na violência física - acaba confundido Jung, que acaba se envolvendo sexualmente com ela, para desgosto de seu mentor, Sigmund Freud (Viggo Mortensen, indicado ao Golde Globe de ator coadjuvante).

Logicamente é um filme para leigos, o que de certa forma deixa a desejar em termos históricos ou médicos. O roteiro de Hampton - vencedor do Oscar pelo sensacional "Ligações perigosas" - se dedica muito mais às personagens e suas relações do que com suas consequências históricas, o que não deixa, no entanto de ser um assunto tão atraente quanto. O trio de atores centrais - todos em excelente momento - segura muito bem o desafio de viver personagens tão cruciais na história da Medicina (a própria Sabina tornou-se psicanalista depois de seu tratamento com Jung) e o ritmo pacífico imposto por Cronenberg serve muito bem ao estado de espírito da obra, um trabalho bastante sensível que merece ser conhecido.

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SHAME

Posted by Clenio on 22:52 in
Não é para qualquer um. O espectador desavisado que comprar um ingresso para o filme "Shame" - segunda incursão do estilista Steve McQueen atrás das câmeras - na esperança de assistir a um drama erótico com direito à nudez frontal de Michael Fassbender e Carey Mulligan corre o sério risco de sair da sessão bastante decepcionado. Não com a nudez de Fassbender e Mulligan (que acontece), mas com os desdobramentos do filme em si. Longe de ser um produto comercial que se utiliza do sexo como fator de atração para um público sedento de cenas de sexo, o filme é um estudo opressivo e chocante sobre a solidão nas grandes metrópoles, narrado de forma sóbria e opressiva. Por mais que os corpos nus de suas cenas sejam extremamente atraentes e esplendidamente fotografados, não há, em "Shame" aquele elemento que fez a glória de filmes como "Instinto selvagem": o tesão livre de culpa. No filme de McQueen o sexo vem carregado de desespero, dor e remorso. E, convenhamos, não é todo mundo que gosta de um filme assim.

Michael Fassbender - em uma atuação avassaladora, composta por silêncios reveladores - vive Brandon Sullivan, um bem-sucedido executivo que vive em uma NovaYork de sonhos: trabalha em um escritório confortável, mora em um apartamento sóbrio e clean em um prédio muito bem situado, se veste com as melhores roupas, frequenta os melhores restaurantes e dorme com as mulheres mais belas que encontra. Não somente com elas, como o público fica sabendo logo de cara. Brandon é um viciado em sexo. O sexo é seu leitmotiv. Seu computador no trabalho - e o de casa - são repletos de pornografia barata. No banheiro do escritório ele faz pausas para se masturbar. Paga prostitutas. Não se acanha em caçar em qualquer lugar, seja no metrô, seja em bares da moda. Bonito e inteligente, Brandon só tem um defeito: não consegue se comprometer com mulher nenhuma. É um solteiro praticante. E que vive pro sexo.

Sua rotina é interrompida quando chega à cidade sua irmã caçula, Sissy (Carey Mulligan, loura e sempre ótima atriz). Cantora itinerante, ela abala a vida aparentemente em ordem de Brandon, se envolvendo com seu chefe (James Badge Dale) e forçando uma intimidade para ele assustadora. O roteiro - co-escrito pelo diretor e por Abi Morgan - nunca deixa claro como era a relação entre os irmãos antes que o público passe a conhecê-los, mas não deixa de ser óbvio que há muita coisa errada no passado deles. E é óbvio também que Brandon talvez não seja capaz de resistir ao apelo erótico de sua irmã, uma jovem torturada por sentimentos de inadequação e solidão que só encontram paralelo na busca incessante do rapaz pelo prazer sexual.

Assistir a "Shame" é como ler um romance de Virginia Woolf - guardadas as devidas proporções. Não é um filme com uma história forte, com viradas espetaculares. É um filme para se sentir, para se degustar, para se mergulhar. Não é à toa que os silêncios são muito mais impactantes do que os diálogos. Não é por acaso o visual desprovido de enfeites do apartamento funcional de Brandon. Não é casual a belíssima sequência em que Sissy entoa "New York, New York" com lágrimas nos olhos. O filme de McQueen é povoado de signos, símbolos, pistas... É um quadro em movimento, é um romance em fluxo de consciência. É um trabalho adulto, que ecoa na mente do espectador muito depois de seu final. É triste, é pesado, é chocante. Mas é muito mais perto da vida real do que muita gente gostaria de supor.

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EU QUERIA...

Posted by Clenio on 19:30 in
Eu queria que você tivesse se apaixonado por mim como eu estava começando a me apaixonar por você. Eu queria que você tivesse percebido em mim as qualidades tais que nem mesmo eu lembrava possuir. Eu queria que você fizesse parte da minha vida, assim como eu queria fazer parte da sua. Eu queria dormir com você e acordar ao seu lado. Queria dar gargalhadas ao te ouvir e escutar as suas quando eu falasse. Eu queria que você realmente tivesse gostado de mim como eu, em vão, achei que estivesse.

Eu queria ter sido especial para você, não apenas uma boca a mais que você beijou por essas noites tão alucinadas. Eu queria que você me olhasse com a mesma intensidade com que me olhou em uma noite que me pareceu o prenúncio de uma fase de paz e tranquilidade na minha vida, enquanto tocava a minha mão com a sua. Eu queria manter aquela mesma sensação de tênue felicidade do momento em que você me olhou nos olhos e pareceu sentir por mim a mesma atração de espírito que eu senti. Eu desejei mais do que tudo que você provasse que eu estava errado quando acreditava que meu tempo já havia passado e que eu não teria mais nada de bom a aproveitar dessa vida. Eu queria que você me fizesse ver que todas as coisas ruins pelas quais passei eram apenas armadilhas que eu precisava vencer para chegar até você.

Eu queria ser arrebatado por você e arrebatar você. Ter você e ser teu. Te amar e ser amado. Rir com você, chorar com você se preciso fosse. Cantar com você, ler com você, brigar com você, fazer as pazes com você. Mas hoje só o que quero é te esquecer, é te deixar pra lá. É tentar apagar da minha memória as ilusões que criei por ser tão facilmente influenciável pela esperança inútil de merecer o amor de alguém.

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DEPOIS DE MAIS UMA NOITE FRUSTRANTE

Posted by Clenio on 13:51 in
Vontade-monstro de mandar todo mundo ir se foder. Vontade-monstro de dar um tiro na cabeça. Vontade-monstro de espancar certas pessoas até o sangue delas se misturar com a sarjeta de onde elas nunca deveriam ter saído. Vontade-monstro de sumir, desaparecer, viajar sem destino, sem lenço, sem documento e sem lembrança alguma de todo meu histórico de dor e frustração. Vontade-monstro de encostar a cabeça em um ombro (qualquer ombro) e chorar até me desmanchar, tornando físico o vazio que a minha alma já conhece. Vontade-monstro de conseguir finalmente me entender, me ver como realmente sou - uma pessoa simplesmente desinteressante, desimportante, inútil e incapaz de ser amada.

 Vontade apavorante de gritar o quanto odeio velhos, crianças, animais, gente feia, gente burra, gente grossa, gente insensível, gente falsa, gente interesseira, gente quase no âmbito geral da concepção do termo. Ando cansado de ter que falar com as pessoas, olhar as pessoas,  me comunicar com as pessoas, ouvir o tanto de imbecilidade que as pessoas vomitam diariamente. Ando exausto de perceber que são pessoas assim desprovidas de qualquer qualidade redentora que são felizes. Cansei de tentar me encaixar nesse mundo medíocre, no qual só me sinto à vontade entorpecido de álcool, quando consigo atrofiar meus sentimentos e me adequar à imagem tão mais aceita socialmente de uma pessoa sem alma. Exaurido por tantas tentativas patéticas de buscar o amor em pessoas que não tem a mais pálida ideia do que isso significa, por confundí-lo com prazer desenfreado.


De saco cheio de ter que sorrir, ser educado, gentil e inteligente quando a vontade que tenho é chorar e esbravejar, ser estúpido e irônico, ser burro e desprovido de todos os tipos de cultura. Enojado de ver o quão injusto é esse mundo ridículo, que privilegia e enaltece a falta de compromisso, o cinismo e a futilidade, em um turbilhão hedonista de onde só se pode sair com o espírito mutilado. Disposto a destruir esse mundo onde ser legal, justo, honesto, romântico e dedicado é o mesmo que ser um paspalho, um trouxa, um retardado funcional. Vontade de arrancar meu coração e jogar aos vermes (os literais e todos aqueles que já tiveram seu quinhão de culpa por fustigá-lo). Desejo de ser um robô, um ser desprovido de emoções e paixões, um autômato programado apenas para buscar o próprio prazer, sem se importar com os outros.


Sonho em nunca mais gostar de ninguém. Substituí meu desejo maior de amar e ser amado pelo sonho de jamais passar por essa experiência dolorida que é gostar de alguém. Toda vez que eu permito a entrada de alguém no meu coração esse alguém sai levando um pedaço sem pedir desculpas ou ao mesmo dar adeus. As pessoas decepcionam, eu sei. Mas seria pedir muito um pouquinho que seja de delicadeza? Qualquer desatenção pode ser a gota d'água...

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A GUERRA ESTÁ DECLARADA

Posted by Clenio on 22:42 in
A questão: como fazer um filme sobre um assunto tão pesado e triste quanto
câncer infantil não soar melodramático e depressivo. A solução: buscar na própria experiência a força para contar sua história equilibrando a tensão da situação com uma trilha sonora adequada, um roteiro sem sentimentalismos e um romantismo esperançoso. Foi assim que  Valérie Donzelli conseguiu realizar “A guerra está declarada”, representante oficial da França para o Oscar 2012 – mas que não conseguiu ficar entre os finalistas. Co-escrito por Donzelli e seu ex-marido Jérémie Elkaim (que também interpretam os papéis centrais) seu filme consegue o raro feito de, mesmo discorrendo sobre doenças, hospitais e tratamentos médicos, ser um sopro de leveza e modernidade – mesmo que utilize de forma nada disfarçada elementos clássicos da nouvelle vague.

O filme começa quando os jovens Romeo (Elkaim) e Juliette (Donzelli) se conhecem em uma boate e se apaixonam, não sem antes rir da coincidência trágica de seus nomes. Felizes, bonitos e apaixonados, eles logo em seguida se casam, engravidam e tem o seu esperado bebê, Adam. Quando o menino, aparentemente perfeito, chega aos 18 meses, os problemas começam. Preocupados com alguns sintomas apresentados pelo filho, eles procuram uma médica, que, após vários exames, lhes dá a terrível notícia: o garoto tem um tumor no cérebro e, apesar de uma cirurgia ser plenamente viável, o tratamento será longo, doloroso e dispendioso. Contando com a ajuda dos amigos e das famílias, o casal entra, então, em um caminho sofrido que vai testar também a força de seu relacionamento.

Felizmente a jovem diretora – que escreveu o roteiro baseada na história real da doença de seu filho Gabriel, que teve com o ator Jérémie Elkaim – não se permite a autocomiseração ou exageros sentimentais. Ainda que sua abordagem pareça fria em determinados momentos, ela prefere dar mais ênfase às tentativas do casal em manter a sanidade mental e romântica durante uma crise sem data para acabar do que a indigestas cenas de sofrimento infantil. Se por um lado peca ao dar a impressão de optar pelo visual em detrimento do emocional – e o filme tem belíssimas seqüências, cuidadosamente orquestradas – Donzelli se regenera quando consegue – através de pequenos gestos e olhares dos protagonistas – atingir o essencial no que se propõe: contar a história de amor de uma família. Juntos em cena, ela e Elkaim emocionam na medida certa, com uma química que só a real intimidade pode proporcionar.

“A guerra está declarada” é um filme com falhas, e elas são óbvias até para o mais distraído espectador. Mas é tão honesto e tão simpático que é difícil não se deixar envolver por suas boas intenções.

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SORRY TO MYSELF

Posted by Clenio on 15:10 in ,
Sinto que ando precisando pedir desculpas a mim mesmo. Sei que meu corpo e minha alma gritam por um pedido urgente de perdão por tudo que fiz a eles durante esses anos em que eles fazem parte de mim sem que tenham pedido por isso. Tenho certeza que muito errei, deixando-os frequentemente à míngua e às cegas, pagando por pecados que cometi por ser tão incapaz de perceber as obviedades que atravessaram meu caminho.

Tenho que pedir desculpas a mim mesmo por sentir tanta falta de quem não merece o mínimo de consideração (por não a terem me oferecido quando mais precisei). Por não conseguir (talvez por não querer, talvez por não saber como) deixar pra trás tudo que pertence exclusivamente ao passado, incluindo pessoas, fatos, tristezas e mágoas - incapacidade esta que se explicita em angústias tais que me bloqueiam qualquer passo em direção a um futuro que, dizem por aí, pode ser mais auspicioso. Desculpas por ter dedicado meu tempo, meu amor, meus carinhos e minha preocupação a causas (pessoas, projetos, ideias) já perdidas no nascedouro - dedicação estéril que apenas estafou meu corpo, machucou minha alma e destroçou meu coração.

Peço perdão também por ter deixado que os melhores anos da minha vida tenham passado sem que eu os aproveitasse da forma mais sábia - dentro do conceito de sabedoria plausível à juventude. Desculpas por não ter sido mais criança na infância, mais adolescente na puberdade, mais propenso a loucuras nos vinte e poucos anos que os anos não trazem mais. Desculpa por ter tentado compensar tanto ócio das maneiras mais irresponsáveis e estúpidas concebidas pela humanidade. E desculpas por ter vislumbrado na autodestruição o caminho mais cômodo para acabar com um vazio generalizado que sempre me fez sentir desconfortável dentro da minha própria pele. Desculpa pelos litros de álcool que consumi, pela absoluta e total falta de respeito e cuidado com minha saúde - que apesar de tudo sempre esteve mais fiel do que um cão de guarda,

Devo desculpas ao meu presente e ao meu futuro por nunca ter lutado e esbravejado pelo que realmente queria - e até mesmo por ter demorado tanto tempo para descobrir o que NÃO queria, o que teria me poupado muitos dissabores. Por ter me deixado levar pelo mais cômodo, pelo mais tranquilo, pelo mais acessível. Por ter sido tão displicente em relação à MINHA vida, que, ao contrário do que muita gente pensa, é só minha. Por ter deixado que outras pessoas bem menos preocupadas com meu bem-estar tomassem o controle. Por ser ingênuo (ou burro) o bastante para crer em sorrisos e palavras bonitas e ocas.

Desculpas por não ter o talento para jogar, me esconder, disfarçar sentimentos, usar máscaras que protegem do mal (assim como dos prazeres). Desculpas por não ter tido a coragem de bater quando necessário, xingar quando preciso, afagar quando essencial. Desculpa por ter errado tanto no caminho por aquela quimera a que chamam de felicidade.

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A MULHER DE PRETO

Posted by Clenio on 19:27 in
Se é que dá para ter pena de alguém que é mundialmente famoso e tem muito mais dinheiro do que pode sonhar gastar em mais de uma encarnação, digo que tenho certa pena de Daniel Radcliffe. Ao mesmo tempo em que teve a extrema sorte de ser o escolhido para protagonizar uma das séries mais rentáveis da história do cinema - Harry Potter - o ator inglês de 22 anos vai ter que suar a camisa para deixar para trás a imagem icônica do bruxinho mais querido da literatura e do cinema. Sua primeira tentativa, o drama "Um verão para toda a vida", de 2007, foi ignorado. Sua estreia no teatro, com a famosa "Equus", causou polêmica. E agora ele tenta mais uma vez provar que não é ator de uma personagem só. Mesmo que "A mulher de preto" - seu novo passo nessa direção - não seja exatamente Shakespeare, já dá pra perceber que, se fizer as escolhas certas, o rapaz tem boas chances de deixar pra trás a criação de J.K. Rowling e fazer uma boa carreira.

Não que o filme de James Watkins seja assim tão genial ou revolucionário, muito pelo contrário. Mas, ao assumir todos os elementos indispensáveis ao gênero que se propõe a abraçar, a adaptação do romance de Susan Hill acaba sendo no mínimo interessante e bem superior às produções de terror acéfalas que não param de chegar aos cinemas. Recheado de névoas ameaçadoras, fantasmas assustadores e um clima que remete diretamente aos áureos tempos da Hammer (estúdio inglês especializado em filmes de terror), "A mulher de preto" prefere contar sua história a pregar sustos estéreis na plateia. Se por um lado afasta o público que lota salas para assistir a exorcismos pretensamente reais, por outro ganha uma credibilidade cada vez mais rara.

Radcliffe - apesar da pouca idade para o papel - vive Arthur Kipps, um jovem advogado ainda traumatizado com a morte da esposa, que não resistiu ao parto do filho. Com dificuldades de superar a perda mesmo depois de quatro anos, o rapaz é pressionado por seus superiores a viajar até um vilarejo no interior da Inglaterra para cuidar da venda de uma mansão que - ele descobre bem depois e de uma maneira nada agradável - tem fama de assombrada. O que lhe parecia apenas uma lenda, no entanto, lhe prova ser uma apavorante realidade e o espírito de uma mulher que suicidou-se no local depois da morte do filho pequeno passa a lhe ameaçar ferozmente.

Quem gosta de filmes de terror no estilo gótico (e que tem bagagem cinematográfica o bastante) talvez não veja muita novidade na forma correta mas nunca ousada com que Watkins (cujo único trabalho anterior é o pouco visto "Eden Lake", estrelado por Michael Fassbender em 2008) conduz seu filme. Elegante e sutil, ele até demora em começar a dar os sustos que o público espera, preferindo, ao invés disso, estabelecer o clima sombrio e os elementos de sua trama. Quando ela realmente inicia, porém, o cineasta não se vexa a provocar a audiência com tudo aquilo que se espera de um bom filme de terror: a partir daí são aparições repentinas de espectros descarnados, músicas arrepiantes, sustos em cada cômodo e uma coleção de brinquedos dos mais sinistros do cinema recente. Mas a questão é: isso tudo é suficiente para fazer de "A mulher de preto" um bom filme?

Sim e não. Quem for ao cinema sem maiores ambições além de levar uma boa meia dúzia de sustos é capaz de gostar, sim. Quem for fã de Daniel Radcliffe idem (ele se sai relativamente bem em um papel difícil). Porém, quem espera um novo clássico do gênero ou alguma novidade temática ou estilística certamente sairá da sessão com expectativas frustradas. "A mulher de preto" é um filme bem realizado, sério e eficaz, mas a pressa que tem em determinados momentos (em momentos cruciais, diga-se de passagem) e a inexperiência de seu diretor o impede de ser grande cinema. Se não houver outra opção, até vale uma conferida.

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TÃO FORTE E TÃO PERTO

Posted by Clenio on 20:53 in
Poucos cineastas tem sido tão celebrados pela Academia de Hollywood na última década quanto o inglês Stephen Daldry. Desde que estreou nos cinemas com o belo "Billy Elliot", de 2000, ele concorreu 3 vezes ao Oscar de direção (além de seu primeiro trabalho, ele também acumulou indicações por "As horas" e "O leitor") e teve 3 de seus 4 filmes concorrendo ao prêmio máximo (apenas "Billy" não chegou aos finalistas). Depois de se assistir ao último deles, "Tão forte e tão perto" é perceptível, porém, que o fato do filme ter chegado à (nem tão) seleta lista dos candidatos a melhor de 2011 tem mais a ver com seu prestígio junto aos eleitores do que exatamente com a qualidade final do trabalho. Apesar de não ser a bomba que muitos críticos descreveram, seu novo longa-metragem fica muito aquém de suas possibilidades - e não merecia a indicação ao Oscar máximo (assim como "Histórias cruzadas" e "O homem que mudou o jogo").

Baseado em um romance bastante elogiado de Jonathan Safran Foer (adaptado pelo premiado Eric Roth, vencedor do Oscar por "Forrest Gump"), "Tão forte e tão perto" utiliza a tragédia da queda do World Trade Center no fatídico 11 de setembro de 2001 como ponto de partida para uma trama cuja premissa é bastante interessante mas que acaba morrendo na praia de suas boas intenções. Reafirmando a máxima que diz que mais importante que o destino é a jornada, o roteiro de Roth até consegue manter a atenção da plateia por boa parte de sua duração, mas acaba entregando um final insatisfatório, anticlimático e o que é pior de tudo, sem muito sentido.

Apesar de seus nomes estarem enfeitando com destaque o cartaz do filme, Tom Hanks e Sandra Bullock não passam de meros coadjuvantes em "Tão forte e tão perto" - em especial Hanks, que aparece basicamente em flashbacks. O protagonista da história é o promissor Thomas Horn, que ficou com o papel central depois de tornar-se celebridade nos EUA graças a um programa de perguntas e respostas (no qual ganhou mais de trinta mil dólares). Ele vive Oskar Schell, um menino de nove anos de idade extremamente inteligente (mas um tanto arrogante e irritante) que tem uma relação de absoluta admiração e devoção ao pai (Hanks, simpático como sempre mas no piloto-automático), que morre no atentado às Torres Gêmeas. Um ano depois, ainda abalado com a tragédia - e mantendo uma relação quase fria com a mãe (Bullock, mais uma vez tentando mostrar que é uma atriz séria) - o menino encontra, no armário em que evitava mexer para não atrair lembranças, uma misteriosa chave dentro de um envelope com o nome "Black". Tendo a absoluta certeza de que a chave é a primeira pista de um enigma proposto pelo pai (que o desafiava constantemente enquanto estava vivo), Oskar parte em busca da pessoa misteriosa que tem a resposta para sua questão. Para isso, faz uso de sua inteligência acima da média e da companhia do misterioso inquilino de sua avó (vivido por um ótimo Max Von Sydow, indicado ao Oscar de coadjuvante).

Prejudicado em parte por seu protagonista pouco carismático (ainda que a culpa seja bem mais da personagem do que do ator, que sai-se bem a maior parte do tempo), "Tão forte e tão perto" é um filme de qualidades notáveis (a bela e adequada música de Alexandre Desplat e a edição de Claire Simpson são bastante competentes) e defeitos bem claros. O pior deles é justamente seu desfecho sem maiores emoções. Depois de ficar quase duas horas acompanhando a busca de Oskar pelas respostas que encontrar o tal "Black" poderia lhe proporcionar, não deixa de ser decepcionante perceber que o final é aquele ali mesmo, que talvez funcione no livro de Foer, mas que soa deslocado e tímido no filme de Daldry. Nem mesmo as atuações de Jeffrey Wright e Viola Davis conseguem apagar a sensação de frustração que acomete todo e qualquer espectador quando as luzes da sala de cinema se acendem.

Entre mortos e feridos, salvam-se todos. Mesmo anos-luz distante de seus melhores trabalhos - e principalmente de sua obra-prima, "As horas" - Stephen Daldry ainda é um cineasta sensível, inteligente e confiável. Tom Hanks e Sandra Bullock nem precisam se preocupar com as críticas negativas (em especial Bullock, que já fez coisas muito piores, incluindo aqui "Um sonho possível", que lhe deu um até hoje inexplicável Oscar de melhor atriz há dois anos). E Thomas Horn, com um papel menos chato em mãos, pode se tornar um ótimo ator no futuro. "Tão forte e tão perto" não machuca ninguém.

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