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UM DIVÃ PARA DOIS

Posted by Clenio on 20:45 in
Pelo trailer parecia uma comédia - e contar com o ótimo Steve Carell no elenco reforçava ainda mais essa impressão. Mas o fato é que "Um divã para dois", apesar de vendido como uma alternativa cômica para um público mais velho e mais exigente -  que não costuma enfrentar filas para assistir a adaptações de histórias em quadrinhos - é, na verdade, um drama que, apesar de alguns toques engraçadinhos, fala sobre um assunto pouco explorado pelo cinema ianque: o amor e o sexo na meia-idade. E conta com mais um show particular de Meryl Streep.

Em seu primeiro lançamento depois do merecido Oscar por "A dama de ferro", Streep opta pelo viés minimalista de atuação para interpretar a dona-de-casa Kay, uma cinquentona que, ao completar 31 anos de casamento com o taciturno Arnold (especialidade de Tommy Lee Jones) resolve dar um gás na relação e recuperar a paixão dos primeiros tempos. Para isso, ela investe todas as suas economias em um tratamento intensivo com um famoso terapeuta de casais (Steve Carell, bem mais contido do que o costume) em uma cidade afastada de seus territórios. A princípio relutante em expor seus sentimentos e falar sobre coisas íntimas, Arnold aos poucos passa a perceber a importância de tudo para a esposa, uma mulher reprimida e calada que ainda o ama, apesar do desgaste causado pelo tempo. E os dois começam a tentar, então, buscar o tesão adormecido.

Quem for ao cinema esperando dar gargalhadas certamente vai se decepcionar. O roteiro de Vanessa Taylor (que tem no currículo alguns episódios da série "Game of thrones") foge das piadas fáceis, preferindo manter seu foco na problemática relação entre os protagonistas e na angústia de Kay na sua desesperada busca pelo tempo perdido. E se Tommy Lee Jones mantém o mesmo rosto pétreo que lhe deu fama - e o Oscar de coadjuvante por "O fugitivo" - sua companheira de cena deita e rola em um papel que não poderia lhe ser mais apropriado. Seja nos momentos mais leves ou naqueles em que precisa mostrar porque é a atriz das atrizes, Meryl Streep simplesmente transforma qualquer cena em um espetáculo à parte. É o olhar de mágoa contida de Streep nas consultas com o terapeuta e o sorriso que dá ao perceber o abraço do marido depois de uma noite dormida na mesma cama, por exemplo, que fazem com que "Um divã para dois" ultrapasse o nível de sessão da tarde para proporcionar um pouco mais de substância ao público.

Contando com as participações "piscou perdeu" de Elisabeth Shue e Mimi Rogers, "Um divã para dois" só não é melhor porque derrapa no clichê em seu terço final. Mas a direção elegante de David Frankel - voltando a trabalhar com Streep depois do sucesso de "O diabo veste Prada" - compensa a sensação de previsibilidade. E nada como, de vez em quando, assistir a um filme com poucas ambições...

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BATMAN: O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE

Posted by Clenio on 17:52 in
O que falta dizer sobre "Batman: O Cavaleiro das Trevas ressurge" que ainda não foi dito, analisado, dissecado e elogiado? O encerramento da trilogia dirigida por Christopher Nolan - que provou que entretenimento e inteligência podem conviver pacificamente em um blockbuster - pode não ser tão impactante quanto o segundo capítulo da série (que, afinal de contas, contava com a atuação assombrosa de Heath Ledger) mas consegue ser empolgante, comovente e surpreendente. De quantos "filmes de verão" se pode pode afirmar a mesma coisa?

A essa altura todo mundo sabe que a trama mantida em segredo por Nolan começa sete anos depois dos acontecimentos do último filme, mostrando Bruce Wayne (Christian Bale) isolado em sua mansão e a imagem de Batman manchada pela acusação da morte de Harvey Dent (Aaron Eckhart). Batman e Wayne são obrigados a voltar à ação, no entanto, quando um mercenário chamado Bane (o impressionante Tom Hardy) passa a ameaçar Gotham City com a destruição em massa proposta por Ra's Al Ghul (Liam Neeson). Junta-se à receita a charmosa ladra Selina Kyle (Anne Hathway na ingrata tarefa de ofuscar a Mulher-Gato de Michelle Pfeiffer), o jovem policial idealista Blake (Joseph Gordon-Levitt) e a milionária Miranda (Marion Cotillard) - que ambiciona tornar-se sócia de Wayne em seus experimentos - e pronto: Nolan oferece à audiência cenas de ação de extrema competência, dramas humanos críveis e reviravoltas em número suficiente para que as quase três horas de projeção passem voando diante dos olhos do público.

Fugindo do limitativo nicho de "filmes de super-herói", a trilogia do Homem-morcego criada por Nolan tem uma consistência rara, mantendo um nível de qualidade que encanta tanto aos fãs de histórias em quadrinhos quanto àqueles interessados apenas em um bom filme. Tudo tem espaço no roteiro do cineasta, que tem óbvio carinho pelas personagens e pelos atores que as interpretam (não é à toa que o "time Nolan" está todo aqui, de Bale, Michael Caine e Cillian Murphy aos novos integrantes da troupe, Marion Cotillard, Joseph Gordon-Levitt e Tom Hardy, saídos direto de "A origem"). A história que conta é mais importante para o homem que despontou para o grande público com o fantástico "Amnésia" do que efeitos desconcertantes de câmera e efeitos especiais de ponta (e mesmo assim ele proporciona à plateia bons momentos assim). E é um desafio a qualquer um não sair do cinema bastante satisfeito com as ideias do excelente roteiro e com o final emocionante.

Difícil falar de "Batman: O Cavaleiro das Trevas ressurge", em especial depois que tudo foi dito. Mas algo precisa ser dito apesar de tudo: é absolutamente imperdível. E, se Anne Hathway não rouba a coroa de Michelle Pfeiffer ao menos faz bonito em cena....

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À BEIRA DO CAMINHO

Posted by Clenio on 03:00 in
Em 2005 o cineasta Breno Silveira conquistou o Brasil com "2 filhos de Francisco" que, a despeito de tratar-se da história da dupla sertaneja Zezé di Camargo e Luciano - o que poderia suscitar muito preconceito - conseguiu ultrapassar a barreira crítica e intelectual que normalmente se impõe a filmes populares, em grande parte graças ao tom emocional de contar sua história. Essa característica tão especial é que dá também o rumo a "À beira do caminho", novo trabalho do diretor, que busca um novo vínculo com a plateia ao utilizar como uma das personagens principais uma trilha sonora composta de canções de Roberto Carlos. Pontuando uma história de afetos perdidos e a reconciliação com a esperança, a bela música do Rei embala o protagonista João (em um grande desempenho de João Miguel) em seu caminho rumo ao autoperdão e emociona o público mesmo chegando bem perto do piegas.

A estrutura de "À beira do caminho" lembra bastante outro road-movie seminal do cinema nacional, o premiado "Central do Brasil": o caminhoneiro João é um homem um tanto ríspido e isolado, que tem em seu passado um trauma aparentemente irreparável que envolve duas mulheres por quem foi apaixonado (Dira Paes e Ludmila Rosa). Durante um trabalho ele encontra o pequeno Duda (Vinícius Nascimento), que, órfão de mãe, sonha em chegar em São Paulo para encontrar o pai que nunca conheceu (Angelo Antonio). A princípio avesso à ideia de ter um companheiro de viagem curioso e carente, aos poucos João vai se afeiçoando ao menino, enquanto tenta lidar com as lembranças doloridas de sua vida pré-estrada.

Não há grandes lances criativos na trama de Breno Silveira, que prefere contar sua história de forma delicada e quase clichê, ainda que se utilize de uma edição interessante que mantém em segredo a tragédia de João até o terço final da projeção. Apesar de pecar pela falta de ousadia, porém, "À beira do caminho" tem a seu favor aquilo que fez de "2 filhos de Francisco" um sucesso: a falta de medo do diretor em emocionar sua audiência. Se a história de João já é suficientemente comovente - assim como sua amizade inusitada com Duda - a trilha sonora é um capítulo à parte. Poucos artistas brasileiros conseguem ser tão tocantes quanto Roberto Carlos e suas músicas mais belas estão à disposição durante a trajetória do protagonista - desde "A distância" e "O portão" às eternas "Outra vez" e "Amigo" - dando o clima popular necessário à identificação popular. Mesmo que muitas vezes a trama escorregue no exagero sentimentaloide é difícil não se deixar envolver, principalmente pela honestidade dos trabalhos de João Miguel e do menino Vinícius Nascimento (além da sempre ótima Dira Paes).

"À beira do caminho" é emocionante, engraçado e belo. Simples como a vida deveria ser. Merece ser descoberto e admirado.

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MARIA BETHÂNIA E A ARTE DE EMOCIONAR

Posted by Clenio on 02:32 in
Não lembro exatamente a primeira vez em que escutei Maria Bethânia, mas posso afirmar que foi bastante cedo. Graças ao bom gosto musical do meu pai, sempre tive contato generoso com a melhor parte da música popular brasileira e a irmã de Caetano sempre fez parte da minha trilha sonora. Posso arriscar-me a dizer que a primeira vez que sua voz me atingiu foi com "Grito de alerta", do grande Gonzaguinha, quando eu deveria ter uns oito anos de idade (e estava na aurora da minha vida, na minha infância querida que os anos não trazem mais...) Logicamente que eu não tinha noção do tamanho da importância e do talento de Bethânia, mas eu sabia, desde então, que eu gostava.. E muito.

Com o tempo a adolescência chegou, novos ídolos chegaram e foram embora. Mas Bethânia continuava no meu coração, às vezes mais tímida, às vezes potente. E conforme mais adulto eu ficava - e o coração aprendia a sofrer - mais Bethânia me fazia sentido, mais a sua voz me soava divina, mais as suas personalidade e integridade me pareciam admiráveis. Em um business onde o dinheiro dá as cartas, ela nadava contra a corrente, fazia o que queria, gravava quem desejava e, melhor ainda, transformava lataria - "É o amor, que mexe com a minha cabeça e me deixa assim..." - em ouro. Deu o devido valor a Roberto e Erasmo Carlos, deu espaço a Chico Cesar, Ana Carolina, Adriana Calcanhotto, manteve a fidelidade a Caetano e Chico. Se manteve a melhor e mais forte cantora do Brasil. E eu, fiel assumido, finalmente tive a chance - o privilégio - de vê-la pessoalmente. E tocá-la. E falar com ela.

Assistir a um show em que Maria Bethânia canta Chico Buarque é presenciar, mais do que uma sessão de entretenimento, uma aula de domínio técnico e emotivo. É estar diante de uma plateia de devotos encantados, extasiados e passionais, sorvendo cada acorde, cada tom, cada palavra. É vibrar com as canções políticas - "Roda viva", "Apesar de você", "Cálice". É se emocionar com as românticas - "Olhos nos olhos", "Teresinha", "Gota d'água". É sambar com as clássicas - "Quem te viu, quem te vê", "Noite dos mascarados". É ouvir, com as lembranças correndo a mil por hora, a mais bela canção brasileira de todos os tempos, "João e Maria".  É saber que, se Deus existe, é a união da voz de Bethânia com as letras de Chico - e o vídeo em que ambos dividem o palco para cantar "Sem fantasia" é a prova viva dessa afirmação.

Saí do show extasiado, querendo mais umas três horas de delírio. Toquei nas mãos de Bethânia. E falei com ela depois, sendo atendido com paciência, carinho e extrema delicadeza. Divas também sabem ser educadas e gentis. Que aprendam as subcelebridades de plantão!

Foto by Carol Cozzatti

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VOU RIFAR MEU CORAÇÃO

Posted by Clenio on 19:39 in
Em seu filme "Canções", o cineasta Eduardo Coutinho fez com que pessoas comuns abrissem seus corações diante das câmeras para contar suas histórias de amor e, de quebra, entoar suas trilhas sonoras. Agora, em "Vou rifar meu coração", a documentarista e diretora de TV Ana Rieper segue o caminho do mestre Coutinho para tentar entender os motivos que levam as pessoas a se identificarem tanto com um nicho específico do cancioneiro popular brasileiro: as chamadas músicas bregas.

Concentrando-se em uma região específica do nordeste brasileiro, "Vou rifar meu coração" ouve histórias absurdas, engraçadas e comoventes (ou tudo ao mesmo tempo) que tem como denominador comum o amor em todas as suas variantes. Os entrevistados de Rieper não tem medo de se expor, o que dá ao filme um sabor de intimidade indispensável a qualquer exemplar do gênero: não se percebe o menor constrangimento, por exemplo, na história do homem que convive há mais de trinta anos com duas famílias (e se acha vítima da situação) nem tampouco nas histórias de amor entre prostitutas e seus clientes que se tornaram maridos (ecoando a clássica "Eu vou tirar você desse lugar", do ícone brega Odair José). Aliás, é o próprio Odair José que, de certa forma, resume o cerne da questão levantada pela diretora: em seu depoimento, o autor da antológica "Pare de tomar a pílula" - entre outras obras seminais do estilo - afirma, não sem certa razão, de que é o sofrimento por amor que iguala a todos. Do médico ao pedreiro todos choram e sofrem, diz Odair. Tem como discordar?

Além de Odair José, outros artistas essenciais da música brega dão o prazer de sua presença no documentário de Ana Rieper. Estão ali falando sobre sentimentos e paixões descornadas nomes como Wando, Agnaldo Timóteo, Amado Batista e os irreconhecíveis Nelson Ned e Lindomar Castilho, donos dos depoimentos mais emocionantes e contundentes - vale lembrar que Castilho passou sete anos na prisão pelo assassinato passional de sua segunda esposa e Ned teve problemas sérios com drogas. Ao lado de suas declarações comovidas, o público é brindado com momentos de puro humor involuntário (como a entrevistada que diz esconder suas dores por trás do sorriso constante e discute o assunto com amigas nem um pouco envergonhadas) e com momentos de grande emoção e sinceridade.

E essa sinceridade a maior qualidade de "Vou rifar meu coração". Não se percebe no filme de Rieper nenhum tipo de apelação ou exagero. A cineasta deixa seus entrevistados à vontade, dando a eles a segurança necessária para que abram seus corações sofridos e apaixonados. Lágrimas rolam constantemente diante do espectador, a quem não sobra nada mais escolha a não ser também se comover (ou rir, de nervoso ou identificação). Mesmo quem não gosta de música brega (ao menos a música romântica excessivamente dramática que serve de trilha sonora para o filme) é capaz de se deixar conquistar pela honestidade do filme, pela humanidade que percorre cada frame. Um pequeno clássico instantâneo!

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O QUE ESPERAR QUANDO VOCÊ ESTÁ ESPERANDO

Posted by Clenio on 15:31 in
Um dos mais inequívocos sinais de que a criatividade anda passando longe dos estúdios de Hollywood é o fato de que nem mesmo livros de autoajuda andam escapando de adaptações cinematográficas. Enquanto "Ele não está tão a fim de você" ainda tinha um potencial razoável, por falar de relacionamentos com um tom cômico/romântico, o novo exemplar dessa tendência assustadora tem um público-alvo um tanto mais restrito: "O que esperar quando você está esperando" - baseado na bíblia das gestantes, escrita por Heide Murkof - tem na plateia feminina e mais especificamente naquelas que sonham em ser mães (ou já o são) sua esperança de bilheteria. E a julgar pela qualidade do produto final só mesmo sua boa-vontade pode salvá-lo do desastre. Poucas vezes uma comédia romântica foi tão enfadonha e sem graça quanto este novo trabalho do inglês Kirk Jones (que já havia transformado um sensível filme de Giuseppe Tornatore no pálido "Estamos todos bem").

Assim como os criticados últimos filmes de Garry Marshall - "Idas e vindas do amor" e "Noite de ano-novo" - essa versão do best-seller absoluto das futuras mamães é em formato episódico, mas, ao contrário dos filmes do cineasta de "Uma linda mulher", mantém uma impressionante regularidade: todas as histórias são chatas e desinteressantes, forçando humor e drama com a sutileza de uma britadeira. Ao tentar atingir as mais variadas formas de gravidez - e assim aumentar a bilheteria - o roteiro esbarra em clichês, é superficial e, pior ainda, é cansativo ao extremo, repetindo as mesmas situações durante todos os longos 110 minutos de exibição. E não ajuda nem um pouco contar com Cameron Diaz - chata e histérica como sempre - como uma das protagonistas.

Diaz interpreta a apresentadora de um programa que ajuda pessoas obesas a emagrecerem que fica grávida do dançarino Evan (Matthew Morrison, de "Glee"), seu companheiro de um programa de TV tipo "Dança dos famosos". A grande questão do relacionamento deles (pra sentir a profundidade do tema) é se o bebê será circuncidado conforme o pai deseja. Elizabeth Banks nunca esteve tão apática quanto na pele de Wendy, a dona de uma loja especializada em produtos de bebê que finalmente, depois de anos de tentativa,  consegue engravidar de Gary (Ben Falcone) e precisa lidar com o fato de que seu sogro (Dennis Quaid) também será pai novamente, dessa vez graças à sua relação com uma mulher muito mais jovem. A ótima Anna Kendrick faz o que pode com sua Rosie, a dona de um trailer de alimentação que engravida depois de uma única noite com o "rival" e colega de escola Marco (Chace Crawford) e se sente na obrigação de formar uma família. E, por fim, Jennifer Lopez e Rodrigo Santoro vivem um casal que, sem conseguir engravidar, busca na adoção de um bebê etíope a solução para seu desejo de ser pais.

Essas histórias são jogadas na tela sem maior delicadeza ou inteligência, cansando a paciência do espectador mais bem-humorado. E, se como comédia o filme funciona pouco, como drama, então, chega a ser sofrível. Um exemplo claro acontece perto do final da projeção, quando as roteiristas - sim, são mais de uma - achando que não tinham sido suficientes sádicas, resolvem forçar uma tragédia (para resolvê-la em menos de dois minutos e de forma sonolenta). A única coisa que se salva em todo o filme - e mesmo assim apenas em comparação com o restante - é o Clube dos Pais, onde um grupo de homens se reúne para cuidar dos filhos pequenos e proporcionar à plateia os poucos diálogos engraçados (e, para surpresa de todos, entre esses pais encontra-se um comportado Chris Rock).

"O que esperar quando você está esperando" é um saco. Talvez as mulheres consigam rir e se identificar, mas só elas. De vingança, os homens podem arrastá-las para uma sessão de "Batman, o cavaleiro das trevas ressurge". Almas serão salvas.

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KATY PERRY - PART OF ME

Posted by Clenio on 03:08 in
A afirmação soará óbvia, mas é indispensável: o misto de documentário e musical "Katy Perry - Part of Me" é nada mais do que um veículo para sua estrela, sem maiores pretensões além de divertir a plateia de fãs e eventuais curiosos. Como tal, funciona que é uma maravilha. Está longe de ser um trabalho memorável dentro da história do cinema, mas quem busca duas horas de música pop de qualidade - e uma certa dose de voyeurismo - vai encontrar o programa ideal, coroado com uma bela edição em 3D.

Seguindo a mesma receita do famigerado "Na cama com Madonna" - bastidores de uma turnê milionária intercalados com apresentações de inúmeras canções - o filme co-dirigido por Dan Cuthforth e Jane Lipsitz deixa de lado as polêmicas que fizeram a glória da material girl para concentrar-se no lado família e dedicado de Perry, retratada no documentário como uma moça talentosa, carismática, de boa base familiar e extremamente atenciosa com os fãs. A julgar pelo que é mostrado, a moça que invadiu as paradas de sucesso cantando que beijou uma garota - e nunca mais saiu delas - é praticamente um exemplo de tudo que uma artista deve ser, sem defeitos aparentes e vítima da eterna sina que se abate sobre as mulheres bem-sucedidas: o fracasso na vida amorosa.

Em um ato de coragem - alguns diriam exibicionismo - Perry se deixa flagrar aos prantos praticamente na hora de iniciar seu show em São Paulo, abalada com o pedido de divórcio do marido Russell Brand (uma figurinha detestável bastante popular nos EUA mas um ilustre desconhecido no Brasil) via torpedo de celular. Isso não a impede de realizar um espetáculo memorável e caloroso - que culmina com uma bela versão de "The one that got away" - aplaudido entusiasticamente pela plateia, formada em sua maioria por adolescentes que, segundo os depoimentos que abrem e fecham o filme, veem na cantora um exemplo a ser seguido em termos de autoestima e perseverança.

E perseverança nunca faltou na vida de Perry, a filha caçula de um pastor que viajava pelos EUA pregando a palavra de Deus e contando com as duas filhas para fazer parte de sua caravana. Cansada de entoar cânticos gospel, ela encontrou inspiração nas letras confessionais e contundentes da canadense Alanis Morrissete e, com a bênção de seu produtor musical Glen Ballard, foi à luta. Dois anos demoraram até que "I kissed a girl" estourasse e, seguindo-se a ela, meia dúzia de deliciosas canções que falam basicamente de amor, autoconfiança, alto astral e crises existenciais apropriadas para a faixa etária que é seu alvo. O filme conta sua trajetória de maneira despretensiosa e leve, equilibrando depoimentos carinhosos de seus colegas de trabalho e família com números musicais dançantes e com o carisma incontestável da protagonista. Nada muito denso, como convém a um produto confessamente comercial.

Recomendado a todos aqueles que não resistem à simpatia da cantora (ou não são fãs xiitas de rock pesado) "Katy Perry - Part of Me" é nada mais do que isso: um produto a ser consumido com voracidade, como um pedaço de bolo de chocolate. É delicioso, mas dá uma culpa danada de gostar.

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NA ESTRADA

Posted by Clenio on 01:18 in
Demorou mais de meio século para que a obra-símbolo da cultura beatnik chegasse às telas. Depois de projetos frustrados de gente como Francis Ford Coppola - que teria Johnny Depp no papel central - "On the road", adaptado do romance homônimo de Jack Kerouak finalmente saiu do papel, com a direção do brasileiro Walter Salles (e com a assinatura de Coppola como um dos produtores executivos) e com a desnecessária "tradução" de "Na estrada". A boa notícia? Poucos cineastas seriam tão apropriados quanto Salles para contar a epopeia de Kerouak (haja visto sua paixão por road movies, como os merecidamente incensados "Central do Brasil" e "Diários de motocicleta"). A má notícia? O resultado é bem chatinho.

Para quem não leu o livro - e talvez até mesmo para eles - fica difícil entender as motivações de Sal Paradise (o competente Sam Riley, que encarnou o roqueiro Ian Curtis na cinebiografia "Control") para sair de casa e cair no mundo ao lado do carismático e inconsequente Dean Moriarty (em uma interpretação visceral de Garrett Hedlund, visto ao lado de Gwyneth Paltrow como um cantor country em "Onde o amor está"). Em tese, ele o faz para dar asas à imaginação e finalmente escrever seu livro. Para quem assiste ao filme, a impressão que se tem é que ele quer mesmo é se divertir, bebendo todas, se drogando e participando de noites selvagens regadas a sexo (e que incluem até mesmo a mulher de Dean, a liberada Marylou, interpretada por Kristen Stewart). Nem Sal nem Dean são desenvolvidos satisfatoriamente pelo roteiro de Jose Rivera (que concorreu ao Oscar pela conversão às telas dos diários de viagem de Che Guevara, no filme anterior de Salles): enquanto o primeiro surge como uma mera testemunha quase apática de sua própria jornada, o segundo nunca mostra sua real personalidade, soando como um estereótipo dos mais batidos. E nem mesmo a narrativa episódica - que muitas vezes ajuda a impor um ritmo mais ágil em filmes do gênero - consegue ser feliz: assim como os protagonistas, os coadjuvantes que cruzam seu caminho são igualmente irritantes, apesar dos trabalhos dos sempre competentes Viggo Mortensen, Terrence Howard, Kirsten Dunst e Amy Adams.

É inegável que os valores de produção são merecedores de amplos elogios, desde a fotografia de Eric Gautier até a trilha sonora de Gustavo Santaolalla (colaboradores habituais do diretor). Mas, com exceção dos fãs do livro - e da literatura beatnik em si - é pouco provável que os frequentadores eventuais das salas de exibição consigam se emocionar com a "jornada espiritual" do protagonista, alter-ego do próprio Kerouak. Excessivamente longo e com personagens sem maior empatia, é um filme que merece a divisão que causou entre os críticos. A expectativa era grande e a decepção foi proporcional. Walter Salles é um diretor de extremo talento. Mas seu filme é muito chato.

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AQUI É O MEU LUGAR

Posted by Clenio on 16:09 in
A estranheza que o rosto maquiado e envelhecido de Sean Penn causa quando se vê o cartaz de "Aqui é o meu lugar" não deixa de ser um aperitivo para o que vem pela frente quando se arrisca a conferir a obra dirigida pelo italiano Paolo Sorrentino. Melancólico e um tanto perdido em suas intenções, o roteiro do filme é exatamente como seu protagonista, um homem em busca de raízes, tentando sobreviver em um mundo hostil ao qual ele parece não mais pertencer. Interpretado por um ator menos capaz, o roqueiro ultrapassado Cheyenne seria nada mais do que irremediavelmente patético. Na pele do sempre grande Penn ele também é muito triste e, apesar de bizarro e deslocado no tempo e no espaço, bastante humano.

Cheyenne é um roqueiro das antigas, ao estilo Robert "The Cure" Smith, que, depois de aposentado, tem um dia-a-dia modorrento e tedioso em Dublin, ao lado da esposa carinhosa (Frances McDormand) e de vizinhos que não conseguem deixar de estranhar seu visual atípico. Tendo também que lidar com a culpa que carrega devido ao suicídio de um adolescente fã de sua música, Cheyenne vaga pelo mundo sem maiores arroubos de felicidade ou entusiasmo. A pasmaceira de sua rotina é quebrada inesperadamente, porém, quando ele fica sabendo que seu pai está à beira da morte em Nova York. Afastado do convívio com o pai há três décadas, ele resolve tentar uma reconciliação, mas, chegando tarde demais, descobre que a única maneira de conseguir atingir seu objetivo é vingar as humilhações sofridas por seu progenitor quando prisioneiro de um campo de concentração durante a II Guerra. Ignorante até então da extensão do sofrimento de seu pai, o cantor resolve então vingar-se do carrasco nazista responsável e parte em busca de revanche. No meio do caminho, como sempre acontece em road movies, ele passa a questionar suas próprias raízes, convicções e objetivos, principalmente quando encontra, durante o trajeto, pessoas capazes de fazê-lo enxergar coisas até então invisíveis para seus olhos um tanto egocêntricos.


Resumido dessa forma, "Aqui é o meu lugar" soa como a mais reles autoajuda. No entanto, Sorrentino consegue escapar muitas vezes dos clichês que assolam o gênero, equilibrando com inteligência uma boa dose de ironia com toneladas de melancolia. Como sempre ocorre em filmes do estilo, o destino é menos importante do que a jornada - ainda que o embate final entre Cheyenne e o nazista seja bem resolvido e forte. É no desenrolar da viagem de Cheyenne que o filme encontra sua razão de ser, assim como o protagonista também encontra nesse mergulho em si mesmo a força para deixar o passado pra trás e encarar o futuro do qual tanto fugia. E é Sean Penn, do alto de seu talento avassalador, que dá sentido a tudo. Com mais uma atuação corajosa em sua carreira, Penn arrasta a plateia para sua angústia, para oferecer-lhe, ao final da projeção, uma experiência bem mais enriquecedora do que se poderia pressupor. É estranho, é bizarro, é triste. Mas é, também, imperdível, nem que seja para se confirmar o que já se sabe há um bom tempo: Penn é um dos melhores atores americanos em atividade.

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