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A MÚSICA NUNCA PAROU

Posted by Clenio on 20:44 in
O nome do psiquiatra Oliver Sacks não é estranho aos fãs de cinema, uma vez que é dele o livro que deu origem ao elogiado "Tempo de despertar" - indicado aos Oscar 1991 de filme, roteiro e ator  - e a história que chegou às telas com o nome de "Amor à primeira vista" - romance estrelado por Val Kilmer e Mira Sorvino em 1999. Apesar do currículo diminuto, porém, Sacks tem a seu favor o dom de contar histórias reais sobre sentimentos verdadeiros, características um tanto raras em uma Hollywood afeita a custos astronômicos, rendas igualmente infladas e tramas que privilegiam a ação em detrimento da emoção. Por isso, não é surpresa que sua nova incursão nas telas tenha como tema central a relação entre pai e filho distanciados por ideologias políticas que se reaproximam graças a uma trágica doença neurológica. "A música nunca parou", dirigido pelo novato Jim Kohlberg, demorou mais de dois anos para estrear no Brasil e, apesar de seu lançamento discreto - para não dizer quase invisível dentre tantas campanhas milionárias de marketing que vendem filmes de ação e vencedores do Oscar - é capaz de agradar ao público que busca alternativas aos blockbusters.

Baseado no ensaio "O último hippie" - parte do livro "Um antropólogo em Marte" - "A música nunca parou" conta a história de Henry Sawyer (J.K. Simmons, surpreendendo em um papel dramático que está a anos-luz de distância de seus personagens tradicionais), um homem arragaido a seus ideais republicanos que, anos depois de afastar-se do filho rebelde, Gabriel (Lou Taylor Pucci), o reencontra sofrendo de um tumor cerebral que o mantém preso a memórias do passado. Incapaz de manter com o rapaz uma relação normal, Henry descobre, através de uma terapeuta (a sumida Julia Ormond), um caminho inesperado para reatar sua ligação: a música. Comunicando-se através de Beatles, Bob Dylan, Cream e principalmente Greatful Dead, pai e filho acabam reatando um relacionamento bruscamente interrompido - e redescobrindo o amor que sentem um pelo outro.

Não há nada de genial ou dramaticamente ousado em "A música nunca parou", que em muitos momentos parece ser um drama realizado para a televisão. No entanto, a forma suave e delicada com que o roteiro se desenvolve - com ocasionais flashbacks que explicam a complicada relação entre pai e filho - conquista o público sem muito esforço, aliada a uma trilha sonora escolhida a dedo e momentos de emoção verdadeira, que podem levar os mais sensíveis às lágrimas. Não é uma obra-prima, tampouco um filme merecedor de um balaio de Oscar, mas é honesto e simples, o que já imediatamente o diferencia da maioria dos ambiciosos filmes que lotam as salas de cinema. Vale dar uma conferida sem compromisso.

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WALT NOS BASTIDORES DE "MARY POPPINS"

Posted by Clenio on 18:22 in
Um dos mais adorados filmes da fase áurea dos estúdios Disney - quando ainda era supervisionado pelo próprio fundador - a comédia musical "Mary Poppins" não deixou que as décadas diminuíssem seu encanto diante das plateias que nunca se cansam de acompanhar as aventuras da babá mágica que conseguiu transformar a família Banks com seu carisma contagiante - e a ajuda de alguns "amigos" pouco convencionais, como pinguins e um guarda-chuva voador. O que pouca gente sabe, no entanto - e aí estão incluídos todos aqueles espectadores que sabem de cor e salteado as canções compostas especialmente para o filme - é que a transposição dos livros da escritora australiana P. L. Travers para o cinema esteve bem longe de ser tão divertido. Firmemente arraigada aos detalhes de sua criação, é Travers, uma solteirona quase irascível em suas convicções, a protagonista de "Walt nos bastidores de 'Mary Poppins'", a despeito do ridículo título nacional que elimina sem dó nem piedade todas as implicações do muito mais interessante "Saving Mr. Banks".

Dirigida por John Lee Hancock - que cometeu o abominável "Um sonho possível", ou seja, tem um currículo pouco recomendável - a história da odisseia que foi convencer Travers a permitir que seus personagens chegassem às telas é contada de maneira bem-humorada e sensível, ainda que muitas vezes escorregue em um sentimentalismo característico do estúdio do Mickey. A boa notícia, porém, é que esse sentimentalismo - ressaltado pela bela trilha sonora indicada ao Oscar - é equilibrado com um senso de humor delicado e puro, valorizado pela química entre Emma Thompson (na pele de Travers) e Tom Hanks (que, obviamente, criou um Walt Disney a milhares de quilômetros de distância do polêmico empresário que, segundo dizem, era xenófobo e misógino). O Disney de Hanks, aliás, é apenas o coadjuvante de uma trama que se concentra basicamente em explicar os motivos pelos quais a escritora era tão resistente em deixar que sua personagem mais famosa fosse "destruída" em uma adaptação - motivos esses que remetem à sua infância e sua relação com seu amoroso mas desajustado pai (interpretado por Colin Farrell).

O roteiro de "Saving Mr. Banks" não foge do previsível, nem se poderia esperar algo assim de um filme nascido sob os auspícios dos estúdios Disney - tradicionalmente avesso a qualquer transgressão moral e pródigo em produções direcionadas à família. No entanto, essa característica funciona às mil maravilhas na obra de Hancock, sublinhando o tom leve e carinhoso do roteiro e da história mesmo quando a infância dolorida de Travers vem à tona, revelando seus tramas e lembranças dramáticas - todas elas transmitidas com maestria por uma Emma Thompson excepcional e injustamente esquecida pelo Oscar, apesar da indicação ao Golden Globe. É Thompson quem carrega o filme nas costas, com uma atuação repleta de nuances e que transita confortavelmente entre o drama e a comédia. É graças a ela que o público - especialmente os fãs da personagem imortalizada por Julie Andrews nas telas - é capaz de se emocionar às lágrimas.

Para resumir, "Walt nos bastidores de 'Mary Poppins'" é uma bela homenagem a um dos filmes mais amados dos estúdios Disney e deve ser visto como tal. O fato de agradar até mesmo a quem não gosta do gênero do clássico - ou a quem nunca o assistiu - é apenas uma prova de que nem sempre é preciso maiores ambições para realizar uma obra sensível e agradável. É um carinho para a alma em uma época tão afeita ao cinismo ululante.

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OSCAR 2014 - PREVISÕES E TORCIDAS

Posted by Clenio on 22:16 in
Apesar do desrespeito da Globo - que comprou os direitos de transmissão apenas para evitar que outras emissoras os comprassem e simplesmente preferiu veicular o Carnaval, em mais um reflexo inconteste da imbecilidade generalizada do país - o mundo (e aqueles que tem sorte de contar com tv por assinatura) irá acompanhar amanhã mais uma edição da festa mais esperada pelos fãs de cinema, o Oscar. Quem não quiser esperar os comentários fúteis de Fernanda Lima e a boçalidade de José Wilker no compacto que a emissora carioca irá apresentar na segunda-feira à tarde (e do qual aparentemente se orgulha como uma Dilma feliz com a Copa do Mundo) terá que apelar para a Internet para saber quem sairá da cerimônia com as mãos vazias e quem terá a sorte de ter um "Academy award winner" como cartão de visitas daqui por diante. E como todo bom viciado em filmes tem suas apostas, torcidas e implicâncias, segue agora o que eu espero/acho/não quero que aconteça amanhã à noite.

MELHOR FILME - Mesmo que o número de nove indicados seja inflacionado pela tentativa da Academia em popularizar sua cerimônia, é lógico que bem poucos filmes tem reais chances de atingir o objetivo máximo de levar a estatueta principal para casa. Este ano, a disputa fica mesmo entre três obras - levando-se em conta que "Trapaça" foi lembrado em inacreditáveis dez categorias mas vem perdendo força com o tempo, que mostrou que ele é apenas um entretenimento correto mas sem nada de brilhante. Sendo assim, quem está realmente vivo na briga é a ficção científica state of art de Alfonso Cuarón ("Gravidade") e o potente e sério retrato de um período nefasto da história mundial feito por Steve McQueen ("12 anos de escravidão"). As probabilidades de que "Gravidade" faça um arrastão nos prêmios técnicos é muito grande - e Cuarón tem muitas chances na categoria de diretor - mas ainda existe a esperança de que "12 anos" surpreenda e leve o prêmio principal. Afinal de contas, se separaram as estatuetas quando não deveriam - "O segredo de Brokeback Mountain" perder para o insosso "Crash" ainda está entalado na garganta de muita gente - podem muito bem repetir o feito agora. Nessa briga feia, é uma pena, porém, que outros excelentes filmes indicados ("O lobo de Wall Street", "Ela", "Nebraska" e "Philomena") tenham chances quase nulas de vitória.

DIRETOR - É quase certo que Alfonso Cuarón sairá vitorioso da disputa contra McQueen, haja visto o histórico de premiações até agora favorável ao comandante de "Gravidade". Mesmo com Scorsese - que imprimiu uma contagiante energia em seu "O lobo de Wall Street" -, Alexander Payne - diretor do sensível "Nebraska" - e David O. Russell - o inexplicável queridinho da Academia dirigiu "Trapaça" - no páreo, o cineasta mexicano só é ameaçado mesmo pelo diretor de "12 anos de escravidão". E não seria fantástico que o primeiro Oscar de direção a um afro-descendente fosse justamente pela triste história contada por McQueen? Torcer não é pecado.

ATOR - Matthew McConaughey já está com um Oscar nas mãos por seu trabalho em "Clube de Compras Dallas", graças à tendência preguiçosa da Academia em premiar atores e atrizes que sofrem impressionantes transformações físicas para encarnar seus papéis. Em algumas ocasiões o prêmio é justo - Robert De Niro, Marion Cottilard, Charlize Theron, Tom Hanks - mas muitas vezes soa como um vício sem a menor graça para o espectador. Por mais que McConaughey esteja conseguindo se reinventar e deixar de lado a imagem de galã, porém, ele ainda está longe de ser ator melhor do que Bruce Dern ("Nebraska"), por exemplo, ou de ter tido uma atuação mais forte que a de Chiwetel Ejiofor ("12 anos de escravidão"). Porém, como o Oscar é um prêmio comercial acima de tudo, suas chances de vitória são imensas. Mas seria bem interessante uma virada e Leonardo DiCaprio ("O lobo de Wall Street") finalmente levar o Oscar que seus fãs pedem enlouquecidamente há milênios.

ATRIZ - Cate Blanchett. Sem mais. A atriz australiana dá um show de talento em "Blue Jasmine" e nem mesmo as acusações sórdidas (e a meu ver mentirosas) contra seu diretor, Woody Allen, devem atrapalhar seu caminho rumo ao palco para levar seu segundo Oscar - o primeiro foi como coadjuvante em "O aviador". A única atuação capaz de estragar os planos de Blanchett é a da fantástica Judi Dench ("Philomena"), mas é pouco provável. Quanto às outras candidatas é preciso dizer que Meryl Streep dispensa comentários e Amy Adams, por melhor que seja, não achou ainda um papel que justificasse uma estatueta. Sandra Bullock nem merece comentários.

ATOR COADJUVANTE - Seguindo a mesma linha de raciocínio da categoria de melhor ator, o prêmio de coadjuvante certamente será de Jared Leto por sua transformação física em "Clube de Compras Dallas". Leto está melhor do que o próprio McConaughey, e sua vitória será justa. Mas mesmo assim, dá uma dó que seu favoritismo absoluto eclipse o desempenho fenomenal do ainda subestimado Michael Fassbender - de "12 anos de escravidão". E é inexplicável que Daniel Bruhl - excelente como Nikki Lauda em "Rush" - tenha sido deixado de fora dos indicados para a inclusão de um Bradley Cooper nada brilhante em "Trapaça" (indicação que veio por osmose junto com a chuva de outras lembranças do filme).

ATRIZ COADJUVANTE - É aqui que o bicho pega. Jennifer Lawrence levou o Golden Globe por sua atuação em "Trapaça", mas Lupita Nyong'O vem correndo por fora por seu trabalho fascinante em "12 anos de escravidão" - e sua vitória seria absolutamente justa. Porém, como as categorias de coadjuvante sempre são as que mais surpreendem, não é errado sonhar que June Squibb ("Nebraska") leve o prêmio. Julia Roberts, por melhor que esteja em "Álbum de família" é quase carta fora do baralho, assim como Sally Hawkins, de "Blue Jasmine". Mas é uma categoria onde tudo pode acontecer.

ROTEIRO ORIGINAL - "Ela", de Spike Jonze, é um dos roteiros mais incríveis dos últimos anos, especialmente por sua originalidade (coisa rara nos cada vez mais previsíveis scripts hollywoodianos). Só por isso já mereceria o Oscar - e essa possibilidade é bem grande, só ameaçada pelo fato de "Trapaça" tê-lo como prêmio de consolação. "Blue Jasmine" e "Nebraska" são geniais e também mereceram a indicação. Só "Clube de Compras Dallas" soa deslocado.

ROTEIRO ADAPTADO - "12 anos de escravidão" perdeu o prêmio do sindicato de roteiristas somente porque não pode ser indicado, já que seu autor não é sindicalizado. Como o Oscar é mais democrático nesse ponto, pode ser que o filme de McQueen consiga se sobressair sobre o energético "O lobo de Wall Street" e o doce "Philomena". E não seria bacana ver "Antes da meia-noite" sair premiado como uma espécie de reconhecimento à qualidade rara da trilogia de Richard Linklater?

FOTOGRAFIA - Por mais que "Gravidade" dispare como líder na categoria, é inegável que "Inside Llewyn Davis" e "Nebraska" devem muito de seus climas a suas diretores de fotografia, que sublinham com precisão os sentimentos dos personagens - assim como acontece também com a iluminação do veterano Roger Deakins para "Os suspeitos". O filme de Cuarón, porém, ainda tem a vantagem de ser tecnicamente inovador, o que diminui, infelizmente, as chances dos demais candidatos.

MONTAGEM - Mais um prêmio que deve ir para a conta de "Gravidade". Só quem pode estragar a festa é "Capitão Philips", que vem sendo muito elogiado e que tem muito de sua força na edição ágil e claustrofóbica. "Trapaça" também pode surpreender - e sua vitória contra "Gravidade" seria bastante interessante.

TRILHA SONORA ORIGINAL - Mais uma estatueta para "Gravidade"? É possível, já que é bem provável que o filme de Cuarón seja o autor de um arrastão na festa de amanhã (um exagero, diga-se de passagem). Se eu pudesse escolher, o prêmio ficaria entre "Ela" e "Philomena".

CANÇÃO - "Let it go", da animação "Frozen", é a favorita, até porque desenhos sempre tem boas chances na categoria. A possível zebra seria a vitória do U2 com sua "Ordinary love", do filme "Mandela". A banda irlandesa merece um prêmio desde que foi surpreendida com a derrota para Eminem, em 2003.

FIGURINO - "O grande Gatsby", de Baz Luhrmann foi praticamente ignorado pela Academia. Uma estatueta que reflita uma de suas maiores qualidades seria bastante justo, já que os demais indicados não chegam ao brilhantismo da equipe do australiano. O que pode lhe atrapalhar é a boa vontade dos votantes em "Trapaça".

DIREÇÃO DE ARTE & CENÁRIOS - Mais uma estatueta que deveria parar nas mãos de "O grande Gatsby", ainda que "Gravidade" e "Trapaça" estejam no páreo, com seus lobbies assustadores. "Ela" e "12 anos de escravidão" são trabalhos bastante superiores.

EDIÇÃO DE SOM & MIXAGEM DE SOM & EFEITOS VISUAIS - Mais três estatuetas que provavelmente serão de "Gravidade", já que sua parte técnica vem sendo louvada unanimemente como inovadora. Qualquer outro filme que surpreenda nessas categorias pode ser considerado um heroi.

MAQUIAGEM - "Clube de Compras Dallas" deve sair-se vitorioso aqui, também, já que não seria nada bom ver "O cavaleiro solitário" e "Vovô sem-vergonha" com uma estatueta no final da festa, certo?


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