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JULIE & JULIA / PREMONIÇÃO 4

Posted by Clenio on 22:34 in

Dois filmes no DVD e só pra variar, um deles uma bomba... Mas também, só eu mesmo pra acreditar que "Premonição 4" poderia ser bom... Enfim...

"Julie & Julia" é uma delícia de filme. Inteligente, simples, engraçado. Meryl Streep mais uma vez perfeita (quem já viu qualquer vídeo da verdadeira Julia Child sabe do que estou falando), mas é Amy Adams quem rouba o show. Merecia ao menos uma indicação ao Oscar, já que sua parte no filme me pareceu mais agradável e interessante.

E "Premonição 4" é uma perda de tempo, ainda bem que não fui ao cinema assistir (sim, os outros três eu fui. E gostei!) Dessa vez, no entanto, a coisa desandou. O roteiro é preguiçoso, as cenas de morte são pessimamente filmadas (e os efeitos em 3-D em vídeo são tudo menos interessantes) e a tensão que existia nos primeiros exemplares da série (em especial nos capítulos 1 e 2) não marca presença. Uma nulidade! Ainda bem que é curtinho!

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PARA O BIEL

Posted by Clenio on 15:07 in

Querido Gabriel

Eu sei que normalmente textos como esse começam com o tradicional "Eu me lembro da primeira vez em que o vi..." , mas não vou mentir. A primeira lembrança que tenho de você é meio turva, nada clara. Só o que me lembro é de te pegar no colo, todo enrolado, sério e enorme apesar de ter apenas um ou dois dias. Lembro, no entanto, de pensar em como era estranho ter em meus braços o filho do meu irmão, e como isso de certa forma anunciava que novos tempos estavam chegando, tempos em que as brincadeiras infantis entre irmãos eram coisa do passado. A partir daquele momento específico, você, com poucos centímetros, passaria a ser o centro não só da vida dele, mas de toda a família. O primeiro filho, o primeiro neto, o primeiro sobrinho. Baita responsabilidade! E eu sei disso muito bem!!!!

Se não lembro nitidamente da primeira vez em que vi o seu rostinho me lembro perfeitamente das muitas tardes em que eu, ainda no período pré-responsabilidades empregatícias que me dominariam nos anos seguintes, fiquei cuidando de você, muitas vezes apenas te olhando, tentando te fazer absorver todo o amor que sentia por você. Você não lembra, mas eu lembro, de te fazer dormir cantando "Smile", do Chaplin (não sei se alguém sabia disso, mas agora é abertamente declarado...) enquanto sentia uma paz maior do que você. E não foram poucas as ocasiões em que eu acordava quando alguém te colocava a dormir do meu lado. E também não foram poucas as vezes em que seus gritos na janela (você adorava gritar, por puro prazer) me acordaram. Mas acordar de mau-humor ao te ver sorrindo era impossível.

Sim, me lembro de ter te dado banho e ter deixado shampoo escorrer para seus olhos, uma história que você adora ouvir - pelo menos até a idade adulta chegar e ela se transformar em mais uma daquelas anedotas que pais e mães adoram lembrar, mas que constrangem os protagonistas... Lembro que você adorava comer no meu colo, que chorava quando eu ia embora na hora de dormir e que demorou a dizer meu nome, se contentando em me chamar por um apelido que até hoje dividimos. Lembro de quando você abraçava todo mundo junto na cama, nos raros momentos em que a família inteira conseguia se reunir. E lembro principalmente do carinho que você sempre teve por mim, me acordando aos beijos quando eu voltava pra casa nos finais de semana. E recentemente descobri entre minhas coisas um cartão de Natal que você me fez há alguns anos que me emocionou profundamente.

Hoje você está quase um homem, e conversamos sobre "O poderoso chefão" assim como falávamos sobre "Toy story"... Quinze anos não é uma data qualquer! Mas sei que o que nos une não tem data, não tem tempo, não tem idade que apague. Mais do que um tio eu espero que você me considere seu amigo de todas as horas, em qualquer situação. Te amo muitíssimo!

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HEART OF THE HOUSE

Posted by Clenio on 23:31 in ,

Era uma vez uma linda mulher de olhos e cabelos negros que gostava da Jovem Guarda, de Rock Hudson e que, quando criança, pobre e sonhadora, tinha como sonho de consumo ganhar uma boneca - a ponto de dormir de braço estendido esperando acordar com ela a seu lado.

Era uma vez uma mulher que, afastada dos pais e ao lado da irmã mais nova, trabalhou e estudou para terminar a escola porque tinha, entre seus inúmeros planos, formar-se e provar a si mesma sua capacidade de superar-se.

Era uma vez uma mulher que, como todas da sua geração, casou-se romanticamente esperando uma vida inteira de felicidade, amor e companheirismo ao lado do marido e da família que tinha certeza que iria construir.

Era uma vez uma mulher que deu a seu primeiro filho todo o amor, a atenção, o carinho que uma mãe de primeira viagem apaixonada pelo seu bebê poderia dar. Uma mãe cuidadosa, amorosa, dedicada e linda como poucas.

Era uma vez uma mulher que, mãe de três filhos, deixou a preguiça de lado e voltou a estudar. Acabou o magistério e foi à luta pra começar uma faculdade. Era uma mulher que, trabalhando como professora, ainda arrumava tempo pra cuidar - bem - da família, do marido e da casa.

Era uma vez uma mulher forte, determinada, decidida, que mantinha a família toda unida, como uma cola que os impedisse de separar-se ou ruir. Uma mulher que escondia sua fragilidade por trás da fachada de uma fortaleza através da qual não deixava ninguém vislumbrar suas noites tristes.

Era uma vez uma mulher que lutou contra todos os reveses de sua vida, mantendo sempre de pé a sua fé inabalável em Deus. Uma mulher que encontrava forças em lugares inimagináveis para seguir em frente e dar o exemplo aos filhos. Que ficava ao lado deles nos momentos mais cruéis, e passava por cima de suas decepções para provar seu amor incondicional.

Era uma vez uma professora por vocação. Uma mestra que tinha centenas de discípulos apaixonados, que fazia cursos mil (e gravava canções infantis horrorosas para ensinar aos coitados...) Uma profissional reconhecida, ainda que mal-remunerada como todas as colegas de ofício.

Era uma vez uma mulher linda, vaidosa, que adorava rir das piadas mais bobas, que tinha entre seus filmes preferidos coisas tão variadas quanto "Platoon", "A cor púrpura", "Uma linda mulher" e "O guarda-costas".

Esta mulher - exemplo absoluto de todas as qualidades que uma mulher pode ter - não é uma lenda. É uma verdade (e nessas horas até dá pra acreditar que Deus existe). É uma mulher deslumbrantemente linda, doce, forte, sensivel e como todas as mães, um tanto quanto paranóica e especializada em chantagens sentimentais.

Esta mulher - a quem eu amo mais do que tudo - é a minha amada mãe, que está de aniversário hoje.



Queria estar mais perto dela, não só hoje, mas sempre. Queria dividir com ela minhas alegrias, meus problemas, minhas dúvidas. Mas a distância física nos impede de um contato mais próximo. Sabemos, no entanto, que nossos corações estão sempre intimamente unidos, porque o que nos liga é um amor muito, muito forte.

Só tenho a agradecer à minha mãe por tudo que ela me ensinou e ainda ensina, por todos os meus erros que ela perdoou e ainda perdoa, por todo o carinho e o amor que ela sempre me deu e ainda dá.

Se existe alguém que merece ser a pessoa mais feliz do mundo, ela se chama Zoir.
Te amo, mãe, mais do que tudo! Feliz aniversário!

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TUDO PODE DAR CERTO

Posted by Clenio on 16:39 in

Woody Allen é, definitivamente, um cineasta que exige um alto grau de comprometimento com seu público (normalmente bastante fiel). Mesmo quando seus filmes não atingem o grau de excelência de suas obras-primas (e recentemente ele nos brindou com pelo menos duas delas, "Match point" e "Vicky Cristina Barcelona"), seus fãs acabam gostando do resultado final por pelo menos uma razão: mesmo quando não é excepcional, Allen é muito acima da média. E mesmo filmes como "Tudo pode dar certo" (estreando no Brasil quase um ano depois da estreia nos EUA, o que é uma vergonha inominável!), que estão longe do brilhantismo conquistam pelo humor inusitado, por alguns diálogos geniais e pela fotogenia habitual de Nova York, para onde o cineasta voltou depois de alguns anos filmando na Europa.

"Tudo pode dar certo" não conta com a atuação do cineasta, mas não é difícil de imaginá-lo na pele de seu protagonista, Boris Yelnnikoff, vivido por Larry David, da extinta série de TV "Curb your enthusiasm". Boris é um cientista especializado em mecânica quântica, quase indicado ao Nobel de Ciência e que vive de ensinar xadrez a crianças que ele considera, textualmente, "zumbis de cabeça-oca". Julgando-se superior à quase toda raça humana, com exceção de alguns poucos amigos, ele tem uma visão negativa ao extremo da vida, das relações, e das pessoas em geral. Sua misantropia sofre um revés quando ele conhece a jovem Melodie Celestine (Evan Rachel-Wood), uma bela fugitiva de casa, que abandonou uma cidadezinha do interior para tentar a sorte em NY. Ela convence o ranzinza, manco e mau-humorado Boris a deixá-la ficar em seu apartamento por um tempo - tempo esse em que ele aproveita para ensinar à jovem e um tanto ignorante beldade sua visão pessimista do mundo a seu redor. Quando percebe que ela realmente está aprendendo, se apaixona por ela e os dois se casam. O casamento, no entanto, parece estar com os dias contados quando a mãe da garota, a socialite religiosa e certinha Marietta (a ótima Patricia Clarkson) surge em seu apartamento. Enquanto redescobre a vida e a sexualidade, Marietta tenta convencer a filha a abandonar o marido e cair nos braços do belo ator inglês Randy Lee James (Henry Cavill).

"Tudo pode dar certo" é mais do mesmo. Woody Allen mais uma vez usa e abusa de todas as características de sua filmografia (personagens neuróticos e verborrágicos, humor afiado e intelectual, jazz na trilha sonora, cenários naturais fotografados com carinho e naturalidade) para proporcionar à sua plateia momentos de uma diversão inteligente e sutil. Boris Yelnnikoff é provavelmente a personagem mais desagradável de toda a sua obra, mas mesmo assim entrega ao público (com quem fala diretamente por boa parte do filme) alguns insights dos mais interessantes escritos pelo diretor/roteirista. E, ao contrário do tom quase fatalista de seus últimos trabalhos, Allen encerra seu filme com um final feliz quase inédito em sua carreira (ainda que uma das primeiras linhas de seu roteiro previna o espectador de que este não é um filme para levantar o astral).

Em todo caso, fãs de Woody Allen, não percam! E aqueles que não gostam do estilo do cineasta... "Alice" já estreou. Peguem seus óculos 3D e divirtam-se! Cada um com seus problemas!

PS - Aproveito para explicitar meu apoio incondicional aos proprietários do Cine Guion, que estão batalhando valorosamente pela manutenção do cinema mesmo com toda a falta de consideração e boa-vontade da prefeitura de Porto Alegre, que não toma nenhma atitude em relação às cenas inacreditáveis que os moradores da Cidade Baixa são obrigados a presenciar todo domingo. Será que vai ser preciso uma tragédia para que alguma coisa seja feita quanto a isso? Enfim, em outro post mais apropriado me estendo mais sobre o assunto. Tenho dito!

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JOINING YOU

Posted by Clenio on 12:57 in

Se eu realmente acreditasse que vocês são felizes assim, juro que me juntaria a vocês. Se algum de vocês me provasse, ainda que sem muita firmeza, que passar as noites errando de corpo em corpo, de boca em boca, de cama em cama fazem de vocês pessoas mais realizadas e mais leves, certamente as suas vidas tornariam-se as minhas.

Se vocês me prometessem que isso faria de mim alguém mais feliz, menos angustiado, menos ansioso e com menos expectativas em relação aos outros e a mim mesmo, eu faria isso. Eu deixaria de todos os livros, músicas, filmes e experiências que fazem de mim o que sou hoje para me juntar a vocês.

Se vocês me mostrassem uma maneira de me desobrigar a ser tão falsamente educado, gentil e atencioso... Se vocês abrissem para mim a porta de um lugar onde sorrisos forjados pela necessidade de ser bem aceito são desnecessários... Se vocês me proporcionassem um lugar silencioso, onde só poderia ouvir os agradáveis sons das vozes das pessoas amadas... Eu abandonaria tudo e me uniria a todos vocês.

Eu me juntaria a vocês se isso curasse a minha vontade de morrer, meu desejo de sumir, minha saudade dos momentos que não voltam mais... Se estar ao seu lado me incentivasse a ver o lado bom das coisas ao invés de perceber sempre a escuridão sem fim de uma vida apática e indiferente, eu juro que carimbaria meu passaporte rumo à sua companhia.

Mas vocês não prometem nada. Vocês são pessoas tão perdidas quanto eu, que disfarçam sua agonia e vazio bebendo, se drogando, trepando inconsequentemente, magoando quem quer que passe por seu caminho equivocado e oco. Juntar-me a sua quadrilha de sádicos sentimentais seria abdicar de mim mesmo, de minha visão romântica/utópica/irreal da vida. Isso seria bom? Isso seria ruim? Quem pode dizer?

Se eu pudesse fazer isso comigo, me abandonar, a mim e a meus conceitos sem que tivesse vergonha de me olhar no espelho, certamente eu me juntaria a vocês. Mas um resquício de esperança ainda sobrevive em meio aos destroços que recolho diariamente.

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FILMES DO FINAL DE SEMANA

Posted by Clenio on 01:58 in
Quatro filmes eu assisti nesse final de semana. Dos quatro, três brasileiros. Desses três, dois com Andréa Beltrão. E de todos eles a constatação de que tecnicamente o cinema brazuca está se saindo bem, mas ainda precisa de roteiros mais bem trabalhados para equilibrar todos os fatores que fazem um bom filme.

Comecei com "Tempos de paz", adaptação de Daniel Filho da peça de teatro escrita por Bosco Brasil "Novas diretrizes em tempos de paz". O próprio dramaturgo escreveu a transição de sua peça para o cinema e, se não ousou muito - mesmo porque não precisava, uma vez que o texto é primoroso - pelo menos também não estragou o que era bom. Daniel Filho realizou o que é, a meu ver, seu melhor trabalho cinematográfico até agora, deixando de lado muitos vícios televisivos para apresentar um filme enxuto e extremamente bem realizado - a fotografia é belíssima, a reconstituição de época é louvável e a trilha sonora de Egberto Gismonti é muito apropriada. Mas é no duelo de interpretações entre Tony Ramos e Dan Stulzbach que o filme - assim como o era nos palcos - se sustenta. E que sustentação! Mesmo separados por uma geração, Tony e Dan entregam atuações viscerais e impactantes. Logicamente não impressiona tanto quanto no teatro, mas é cinema, sim, e dos bons, finalmente um produto digno de levar a assinatura de alguém tão talentoso quanto Daniel Filho (sintomaticamente, é seu filme menos rentável, talvez por ser o que alcança maior qualidade artística). E Tony Ramos é um dos maiores atores do Brasil, tenho dito!

O festival nacional continuou com "Salve geral", tentativa pífia do Brasil em voltar a concorrer ao Oscar. Ao assistir-se ao filme fica evidente o porquê de não termos ficado entre os finalistas ao prêmio da Academia. Ainda que tenha cenas extremamente bem realizadas (inclusive sequências de ação bastante convincentes), o filme - baseado em uma história real - não se decide entre ser um violento filme policial ou um drama familiar (o diretor Sérgio Rezende volta a lidar com o tema de uma mãe sacrificando-se em prol de um filho, assim como em "Zuzu Angel"). No meio do caminho entre essa dúvida, apresenta um elenco bastante fraco (a vilã Denise Weinberg chega a ser constrangedora), o que sublinha ainda mais o desempenho extraordinário de Andréa Beltrão no papel principal. É Andréa quem carrega o filme nas costas, ignorando a esquizofrenia do roteiro.

Andréa também é a razão de ser de "Verônica", dirigido por seu marido, Maurício Farias. Aqui, ela vive o papel-título, uma professora desencantada com a profissão que se vê obrigada a proteger, de traficantes e policiais corruptos, um aluno que teve os pais violentamente assassinados e que carrega consigo um pen-drive com informações que podem levá-los à cadeia. Com ecos de "Central do Brasil" (mas sem sua carga emocional), o filme é um policial banal, sem maiores lances de genialidade mas com algumas boas ideias visuais e um trabalho magistral de Andréa, cada vez mais se firmando com uma das melhores profissionais de sua geração. É impossível não acreditar em todas as nuances de Verônica quando elas são apresentadas por ela, tamanha sua entrega em cada cena, em cada momento. Fica a vontade de ver Beltrão em um papel consagrador, que a faça assumir de vez seu posto de grande atriz.

E o quarto filme do final de semana foi uma espécie de decepção. "Por uma vida melhor" (Away we go) é dirigido por Sam Mendes, um dos cineastas mais brilhantes de Hollywood, mas que nunca mais conseguiu o mesmo brilho de sua estreia no cinema, com "Beleza americana". Seus filmes seguintes, "Estrada para Perdição", "Soldado anônimo" e o excepcional "Foi apenas um sonho" não tiveram a mesma recepção de "Beleza", ainda que fossem de qualidade muito acima da média. Esse seu filme mais recente nem passou nos cinemas brasileiros e eu estava considerando isso uma injustiça inominável. Até assistir ao filme. "Por uma vida melhor" não é ruim, mas é chatinho que só ele. Tem alguns bons momentos de humor (em especial graças a Allison Janney e Maggie Gyllenhaal) mas não encanta - o cuidado visual com que Mendes brindava seu público não aparece em nenhum momento e sua dupla de protagonistas carece de química (John Krasinski, da série "The office", parece desconfortável em cena e Maya Rudolph tem zero de carisma). Nem é muito longo (97 minutos), mas parece eterno, o que para uma pretensa comédia é uma sentença de morte. Recomendo apenas porque suas qualidades não o fazem cair na vala comum de filmes de nulidade intelectual: seu roteiro tem algumas ideias interessantes e as personagens coadjuvantes são suficientemente engraçadas e/ou comoventes na medida certa. Com um casal carismático nos papéis centrais poderia ter se saído bem melhor em suas pretensões. Sam Mendes brincou de "indie", mas sua alma é definitivamente mais ambiciosa.

Pode não ter sido um sucesso o meu festival de filmes do fim-de-semana, mas achar lançamentos quentinhos em uma locadora em um sábado à noite é trabalho para milagreiros. Mas pelo menos consegui chegar ao fim de todos eles, o que nem sempre vem me acontecendo.

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O ALICIADOR

Posted by Clenio on 18:20 in

Fãs da boa literatura policial, regozijai-vos! Em meio às dezenas de títulos que enfeitam as livrarias - e que faz com que seja cada vez mais difícil discernir qualidade de oportunismo - acaba de ser lançado o que provavelmente seja o mais faacinante romance do gênero dos últimos anos: "O aliciador" (Ed Record), escrito pelo italiano Donato Carrisi é absolutamente imperdível para os entusiastas do gênero - e se bobear até mesmo para aqueles que se interessam por bons livros, independentemente dos rótulos que eles carregam.

É difícil resumir a trama inicial de "O aliciador" sem estragar o prazer que suas surpresas proporcionam ao leitor no decorrer de suas 433 páginas (que parecem meia dúzia depois que se acaba a leitura). Tudo começa com a descoberta dos braços esquerdos de cinco meninas que haviam desaparecido misteriosamente em circunstâncias diversas. A cena, macabra por si só, fica ainda mais revoltante quando a polícia descobre o braço de uma sexta vítima, cuja identidade é desconhecida até mesmo para os investigadores do caso. A partir dai, junta-se à equipe do criminologista Goran Gavila a detetive Mila Vasquez, especialista em localizar crianças desaparecidas e o temido serial killer começa a brincar com todos, espalhando pistas nas mais inesperadas formas.

É bom parar de resumir tudo por aqui mesmo, mesmo porque acontece tanta coisa durante a ação do livro - TANTA MESMO!! - que seria desperdício de tempo tentar explicá-lo em poucas linhas. O que se deve dizer é que "O aliciador" é o tipo de livro que, uma vez nas mãos, não se consegue mais abandonar até a última linha - e acreditem quando eu digo que reviravoltas acontecem não apenas nos últimos capítulos, mas no decorrer de toda a intrigante trama criada pelo advogado e agora escritor Carrisi.

Sem medo de exagerar, "O aliciador" é para o suspense de serial killers na literatura o que "Seven - os sete crimes capitais" foi para o gênero no cinema. Para ler em questão de horas e nunca mais esquecer!

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CORAÇÃO LOUCO

Posted by Clenio on 21:55 in

Jeff Bridges é um cara do bem! Mesmo após tantas anos de carreira, nunca se soube de um escândalo envolvendo seu nome, e embora nem sempre ele tenha acertado nas suas escolhas profissionais (vide coisas como "Contagem regressiva" e "Nadine"), tem um currículo respeitável e íntegro. Por isso não seria injusto que a Academia resolvesse lhe conceder um Oscar em homenagem ao conjunto de sua obra, como normalmente faz (e quase sempre com as pessoas erradas). Mas seria injusto - pra dizer o mínimo - afirmar que foram razões políticas que fizeram com que Briges tenha levado sua estatueta de melhor ator, este ano. Ao contrário do que aconteceu com Sandra Bullock (que foi premiada mais por seus méritos de chamariz de público do que por seu talento como atriz), o trabalho do caçula do clã Bridges em "Coração louco" é irretocável e, caso perdesse a disputa era bem provável que a credibilidade dos eleitores do Oscar ficasse seriamente comprometida (se é que já não está com a vitória de Bullock).

Despido de qualquer vaidade, Bridges entrega o trabalho de sua carreira no papel de Bad Blake, um cantor country em franca decadência que vê uma luz no fim do túnel de sua vida desregrada e triste quando se apaixona pela jovem repórter Jean Craddock (Maggie Gyllenhaal),a mãe solteira de um adorável menino de quatro anos de idade. Por causa dela ele decide parar de beber, volta a compor e aceita até mesmo voltar a apresentar-se ao lado de um pupilo, o popular Tommy Sweet (um surpreendentemente contido Colin Farrell).

Apesar de trama esbarrar perigosamente no clichê em alguns momentos, seu diretor, Scott Cooper demonstra segurança bastante para evitar que eles dominem sua narrativa tranquila, plácida e carregada de uma melancolia quase palpável. A trilha sonora, repleta de belas canções country (uma delas chegou a levar o Oscar da categoria) ajuda a emoldurar a atuação fascinante de Jeff Bridges, que foge magistralmente da armadilha de provocar pena na plateia. Sua personagem é falível, constantemente decepcionante, mas nunca deixa de parecer humano e encantador, além de possuir uma força própria que o talento de seu intérprete sublinha com perfeição. O que se vê, em "Coração louco" é a fotografia sem retoques da alma de um homem perdido dentro de seu instinto de autodestruição mas que consegue vislumbrar uma nesga de sol dentro de sua escuridão, mesmo que talvez seja tarde demais - dependendo do ponto de vista.

Contando com a ajuda pontual de Maggie Gyllehaal (indicada ao Oscar de coajduvante), Robert Duvall (co-produtor do filme) e Colin Farrell, Bridges apresentou ao público uma prova inconteste de seu imenso talento. Felizmente seu esforço foi percebido e um filme pequeno como "Coração louco" chegou aos cinemas e aos corações de seu público.

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MAIS UMA IGNORÂNCIA DO VATICANO...

Posted by Clenio on 00:12 in

E o Vaticano, do alto de sua sabedoria milenar e de seu impecável histórico veio com mais uma pérola. Seu secretário de Estado, Tarcisio Bertone, declarou, em uma entrevista coletiva, que a pedofilia entre os sacerdotes tem mais a ver com a homossexualidade do que com o celibato, ou seja, mais uma vez tirou o Vaticano da reta utilizando de sofismas irresponsáveis, preconceituosos e burros.

Não é preciso dizer que tal declaração causou indignação em qualquer pessoa com um mínimo de bom-senso, que exigem que o religioso prove cientificamente suas declarações. Mas o fato faz, novamente, com que se volte a questionar o papel do Vaticano no mundo. Não é de se admirar que alguém com tanto poder como o Papa - e seus asseclas/capangas/cúmplices - utilize seu poder para disseminar ainda mais o preconceito e a discriminação? Será que não são idiotices assim que reiteram junto a grupos neonazistas e afins sua visão distorcida e doente? Jesus Cristo não pregava o amor sem olhar a quem? Quando se ouve pataquadas como a do excelentíssimo Tarcisio Bertone é de se duvidar que um dia ele tenha lido a Bíblia ou frequentado alguma aula de religião.

Será que não é hora do Vaticano descer do seu pedestal de dono da verdade e retomar o trem da história? Não adianta Bento XVI aparecer na janelinha da Basílica de São Pedro e pedir que Deus abençoe o Haiti - seria mais útil se ele transformasse as toneladas de ouro que o cerca em donativos. Pedir perdão pelo silêncio imperdoável que a Igreja mostrou durante o Holocausto não conserta a tragédia que Hitler e seus colegas causaram ao mundo. Ignorar um passado sangrento - que inclui as Cruzadas e a Santa Inquisição - não é suficiente para fazer com que pessoas menos suscetíveis a lavagens cerebrais esqueçam que, por detrás de belas cerimônias se escondem esqueletos assustadores.

Pedófilos são criminosos - doentes, talvez. Homossexuais são pessoas tão dignas de respeito quanto qualquer padre, bispo, cardeal ou papa (e levando-se em consideração os frequentes escândalos libidinosos que ocorrem por trás dos altares, até mais dignas, porque assumem seus desejos). É hora da Igreja rever seus conceitos, antes que um novo holocausto surja no horizonte...

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MINHA FAMA DE MAU

Posted by Clenio on 18:00 in

Hoje em dia já é quase unanimidade dizer que se é fã de Roberto Carlos (e eu o sou, sem vergonha de admitir, a ponto de volta e meia cantarolar algumas de suas canções, em especial as mais dor-de-corno possível). O que pouca gente reconhece - e o motivo ainda me é desconhecido - é ser fã da outra metade de Roberto: o Tremendão Erasmo Carlos. Talvez por ter seguido outra vertente dentro da música brasileira (o rock), o co-autor de clássicos absolutos do romantismo musical nacional não desfruta do mesmo prestígio e do mesmo sucesso que o Rei. Uma injustiça, principalmente levando-se em consideração que, ao contrário de seu velho amigo, Erasmo parece ser muito mais "gente como a gente". Pelo menos essa é a impressão que fica depois do término da leitura de "Minha fama de mau" (Ed Objetiva), autobiografia do cantor e compositor.

Enquanto Roberto Carlos (nem tanto por sua culpa, mas devido a circunstâncias outras) hoje ocupa o lugar de cantor mais popular do país, recebendo homenagens por onde quer que passe e mantendo-se sempre em voga, seu parceiro/irmão/amigo Erasmo foi relegado a um melancólico segundo plano no panorama da MPB. Pouco se sabe hoje em dia de sua carreira, poucas músicas suas (pelo menos cantadas por ele) tem espaço na mídia e é pouco provável que mulheres suspirem por seus cabelos grisalhos. No entanto, se os corações apaixonados ainda suspiram ao som de belas músicas como "Detalhes", "Cavalgada", "Emoções", "Fera ferida" e centenas de outras canções, metade da responsabilidade é dele, um cidadão da Tijuca que, sobrevivendo a uma infância pobre - mas bastante pródiga de diversão, segundo o livro - virou ídolo da juventude, conviveu com a nata da MPB e nunca deixou de amar a primeira e única mulher, Narinha, que morreu em 1995.

Apesar de ser um letrista de talento inquestionável - atire a primeira pedra quem não acha linda nenhuma de suas composições - Erasmo não é um grande escritor e nem ao menos um biógrafo brilhante como Ruy Castro e Fernando Morais, como bem mostra "Minha fama de mau". Suas lembranças não seguem uma linha cronológica rígida, indo e vindo no tempo ao sabor de sua memória afetiva. E por ser afetiva, logicamente não é exatamente objetiva ou tem o distanciamento necessário para revelar aos leitores segredos de bastidores mais apimentados. Desfilam pelas páginas do livro nomes como Tim Maia, Jorge Ben, Wanderlea, Alcione, João Nogueira e, é claro, Roberto Carlos, mas sempre lembrados com carinho, admiração e amizade pelo autor. O público perde por não descobrir nada de pervertido nos camarins da Jovem Guarda (talvez um buraco com vista para o vestiário feminino...) mas tem mais uma prova do bom caráter e da generosidade de Erasmo, que, ao contar sua vida até agora preferiu lembrar bons momentos a fazer fofoca sobre a vida alheia.

Ler "Minha fama de mau" é mais ou menos como ouvir Erasmo Carlos contar, com sua voz suave e sotaque carioca, as aventuras e desventuras de seus quase 70 anos de existência. É como uma conversa amigável, engraçada em alguns momentos, comovente em outros. Mas é, antes de mais nada, um necessário resgate de uma personalidade incrível e de importância fundamental na música brasileira.

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SEPARAÇÃO?!

Posted by Clenio on 23:45 in

Estreou hoje na Globo - e muito bem! - a nova série escrita por Alexandre Machado e Fernanda Young, chamada "Separação?!". A dupla, que já legou ao humorismo inteligente televisivo os geniais "Os normais" e "Os aspones" agora investiga, com seu sarcasmo característico, os meandros e pequenos acontecimentos cotidianos que levam um casal à separação. Dirigido pelo mesmo José Alvarenga Jr. que comandava as aventuras de Ruy e Vani no primeiro seriado, o episódio de estreia acena com a garantia de muita diversão nas noites de sexta-feira - uma pena que antes seremos obrigados a assistir ao cada vez mais morno "Globo repórter" (será que não seria mais acertado substituir esse programa um tanto arcaico por algo mais inovador e refrescante como o ótimo "Profissão repórter" de Caco Barcellos?).

Os protagonistas de "Separação?!" são Agnaldo e Karen, vividos pelos cada vez melhores Vladimir Brichta e Deborah Bloch. No início do episódio, segundo uma irônica narração, eles estão comendo seu milésimo frango em oito anos de casamento, momento em que, aparentemente, as relações começam a azedar sem possibilidade de volta. É aí que Karen revela a Agnaldo que tem vergonha do barulho que ele faz quando mastiga e ele, revoltado, também confessa ficar humilhado com o dedão do pé da esposa. O que antes parecia não incomodá-los tanto (conforme um engraçado flashback) passa a atormentá-los, acusações surgem a cada momento e aí é ir ladeira abaixo. Segundo os criadores, a intenção do programa é mostrar o inexorável caminho rumo ao divórcio de forma engraçada. A julgar pelo capítulo de estreia, estão no rumo certo.

O texto, como de costume, é um primor. Machado e Young tem a capacidade de esmiuçar a mente da classe média assim como o fazia Luis Fernando Veríssimo em seus áureos tempos (e taí "A comédia da vida privada" que não me deixa mentir). Suas personagens são tão reais que é difícil não haver a identificação imediata com a platéia, a quem resta apenas rir das próprias contradições e pequenos defeitos. Mas de nada adiantaria o texto hilário sem bons atores para defendê-lo. E aí "Separação?!" ganha ainda mais preciosos pontos positivos.

Se Cristina Mutarelli roubou a cena nesse primeiro episódio como Cinira, a diretora do jardim de infância onde Karen trabalha (com uma expressão facial e um tom de voz absolutamente adequados a suas aparições), não há como negar que a química entre Vladimir Brichta e Deborah Bloch é de uma obviedade ululante. Se Deborah já tem uma cancha irresistível ("TV Pirata", "A comédia da vida privada" e algumas participações em "Os normais") e um timing acima de qualquer suspeita, não deixa de ser surpreendente como Brichta assume seu papel com segurança e desenvoltura. Tanto no humor físico quanto nas sutilezas de um humor mais sofisticado, o marido de Adriana Esteves tem tudo para conquistar seu merecido lugar ao sol como um ator de respeito.

Aguardo ansiosamente o segundo episódio de "Separação?!" para comprovar minha teoria de que um novo clássico do humor inteligente está surgindo.

PS - Essa semana também estreou "A vida alheia", criado por Miguel Falabella. Fugindo do formato sitcom (onde o autor brilhou com "Sai de baixo" e "Toma lá, dá cá") a série ainda não demonstrou a que veio. Confio no talento de Falabella e acho que um programa que tem Marilia Pera e Claudia Jimenez no elenco tem tudo pra dar certo (sem falar que ele critica a indústria das fofocas). Mas ainda não me encantei.

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CHICO XAVIER / O SEGREDO DOS SEUS OLHOS

Posted by Clenio on 11:12 in

Existem no mínimo dois motivos para assistir-se a "Chico Xavier, o filme", de Daniel Filho. Primeiro, para se conhecer um pouco mais a fundo a vida de uma das personalidades mais queridas, admiradas e polêmicas do Brasil, ainda que logo no início a produção tenha se encarregado de explicar que é impossível contar toda a vida do protagonista em apenas duas horas.Segundo, para conferir a atuação de um elenco notável, que brilha além de um roteiro um tanto quanto formulaico mas eficaz em suas intenções.

A figura de Xavier - o médium mais conhecido de um país de origem católica que é também uma das maiores potências espíritas do mundo - já seria suficiente para transformar o novo projeto de Daniel Filho em sucesso absoluto. Mesmo que o filme fosse ruim (e não o é!) já seria um grande êxito. Como está - com a ajuda da mídia, do tema e do carisma do próprio protagonista - se encaminha para tornar-se uma das maiores bilheterias do cinema nacional (já superou, em sua estreia, os números de abertura do fenômeno "Se eu fosse você 2"). Mas o filme vale todo esse auê? Sim e não.

Não, porque não é exatamente GRANDE cinema - ainda que não seja isso que grande parte de seu público-alvo vá procurar nas salas escuras. Daniel Filho é um extraordinário profissional de TV (diria até uma de suas figuras essenciais e um dos responsáveis por transformá-la na potência que é hoje) mas em cinema ainda não parece ter encontrado um caminho - de qualidade, digo, porque em termos de bilheteria não pode se queixar. "Chico Xavier, o filme" não chega a incomodar, apesar de alguns clichês jogados aqui e acolá, mas igualmente não empolga o bastante. Ainda é possível ver alguns vícios televisivos, o que, se não atrapalha o prazer de assistí-lo, também não o eleva à qualidade de um filme inesquecível por suas qualidades cinematográficas. Daniel é um diretor popular, mas não é um cineasta autoral. Isso interessa às pessoas que vem lotando as sessões desde sua estreia em 2 de abril? Possivelmente não.

E sim, vale o auê graças a seu elenco excepcional. Poucas vezes o cinema nacional reuniu um elenco tão bom, repleto de nomes conhecidos da plateia (mais um ingrediente infalível para arrebanhar espectadores) e indubitavelmente talentosos. Mesmo em participações pequenas é possível se encantar com o trabalho de Pedro Paulo Rangel, Paulo Goulart, Giulia Gam, Luis Mello, Letícia Sabatella e até mesmo com Giovanna Antonelli (que, por alguns minutos faz o povo esquecer de seu sofrível desempenho na novela "Viver a vida"). E se Angelo Antonio, o menino Matheus Costa e Nelson Xavier dispensam comentários - interpretando com delicadeza e sutileza o difícil papel principal - é impossível negar que o ápice emocional do filme cabe às personagens de Tony Ramos e Christiane Torloni. Na pele de um casal devastado pela morte acidental do único filho, eles representam os espectadores, tentando lidar com o inexplicável que insiste em lhes fazer presente. Se Chico Xavier é o protagonista absoluto, são Tony e Christiane - em atuações rasgadamente sofridas - quem roubam o filme e fazem com que ele esteja bem mais além de uma simples cinebiografia.

No fim das contas, vale a pena assistir a "Chico Xavier", nem que seja para não ficar de fora do maior evento do cinema nacional dos últimos anos.

E nem tenho palavras para relatar a sensação de voltar a acreditar em bom cinema. E foi preciso um filme argentino - portanto bem longe da mesmice hollywoodiana - para me fazer ter o prazer de assistir a uma história bem contada. "O segredo de seus olhos" ganhou o Oscar de filme estrangeiro, mas nem precisava desse aval da Academia para comprovar seus inúmeros méritos. Dirigido por Juan José Campanella (o mesmo do comovente "O filho da noiva"), "O segredo" é uma aula de como envolver a plateia sem apelar para violência desnecessária ou preocupações supérfluas com o visual. Dividindo sua ação em dois tempos distintos (1974 e 1999), Campanella mostra a obsessão de um homem (vivido magistralmente por Ricardo Darín) com o assassinato de uma jovem professora, enquanto tenta lidar com a paixão que sente por sua superior. O que poderia ser apenas mais um policial corriqueiro nas mãos de um diretor sedento por uma bilheteria milionária transforma-se milagrosamente em um filme de várias nuances sociais, dramáticas e políticas, sem que perca, em momento algum, seu principal objetivo: divertir sua audiência.
Com um roteiro espetacular - repleto de pistas falsas, reviravoltas inesperadas e um humor discreto e eficiente -, o filme carrega seu espectador de forma inteligente, em sequências de cair o queixo (reparem na perseguição em um estádio de futebol lotado) e diálogos sempre fascinantes (nenhuma frase, nenhuma entonação, nenhum detalhe é dispensável). Surpreendente em mais de uma acepção do termo, "O segredo dos seus olhos" é uma pequena obra-prima capaz de devolver a qualquer um a paixão por ir ao cinema.

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KURT COBAIN, A VOZ DE UMA ALMA

Posted by Clenio on 11:35 in


Em "Monty got a raw deal", uma das canções do magnífico álbum "Automatic for the people", Michael Stipe, o vocalista da banda R.E.M. canta o seguinte verso: "Heroes don't come easy" (heróis não surgem facilmente). A canção é uma homenagem ao ator Montgomery Clift, mas ao ouví-la não posso deixar de pensar em outro merecedor de figurar entre meus ídolos (ao lado de Clift e Stipe, aliás): Kurt Cobain, cujo aniversário de morte acontece hoje. Há 16 anos o corpo do vocalista do Nirvana foi encontrado e há 16 anos o rock tenta, em vão, encontrar alguém que ecoe tão bem os sentimentos de angústia, dor, revolta e inadequação que ele expressava por trás dos acordes barulhentos de sua banda.

Confesso que, na ocasião de sua morte, eu não me importei muito com o suicídio de "mais um roqueirozinho drogado". Estava em uma época de ebulição, preocupado muito mais com meu umbigo do que com o mundo a minha volta (com 20 anos de idade, quem não é assim??) e a morte do líder de uma banda grunge não me abalou nem um pouco (ainda que já então eu gostasse de "Smells like teen spirit", da qual nem mesmo o próprio Cobain era fã...). Foi somente alguns anos depois que a voz rouca de Kurt e suas letras aparentemente desconexas fizeram sentido pra mim. E desde então, sou "Nirvanófilo" de carteirinha.

Me lembro que era uma tarde modorrenta, chata, que não tinha nem sol nem chuva, não fazia calor nem frio. Era uma tarde de folga, daquelas em que nada se tem para fazer nem tampouco pensar. Por um desses milagres que acontecem vez ou outra, liguei a televisão e, zapeando sem entusiasmo por programas ocos, cheguei à MTV. Estava ele lá, com seu visual de Jesus Cristo grunge, entre cruzes, velas e flores, com seus brilhantes olhos azuis cantando suavemente "All apologies" - "I wish I was like you, easily amused. Find my nest of salt, everything is my fault..." Como eu nunca tinha percebido que ali tinha mais do que simples gritos ou atitudes pretensamente rock'n'roll? Como poderia ter me escapado o fato de que alguém como Cobain, mesmo admirado, amado e incensado por tanta gente, tenha cometido suicídio? De que forma eu poderia começar a ouvir de verdade - com o coração mais do que com a razão - os recados que ele havia deixado? A partir daquela tarde, uns bons sete ou oito anos depois de sua morte, Kurt Cobain nascia pra mim.

Para minha sorte justamente naquele momento estava sendo lançado "Heavier than heaven - Mais pesado que o céu" (Ed. Globo), a biografia do músico, escrita por Charles R. Cross. Devorei as mais de 500 páginas em questão de poucos dias, sempre ouvindo Nirvana como música de fundo (sim, comprei os CDS, obviamente, e não os deixava parar de tocar). Me encantei com o livro, me apaixonei ainda mais pela música e como não poderia deixar de ser, passei a amar Cobain e odiar Courtney Love com todas as minhas forças. O livro - imperdível para fãs, neófitos, interessados por música em particular ou biografias em geral - me fez enxergar a pessoa atrás do artista (um clichê inevitável, perdoem-me), me fez entender uma personalidade controversa, íntegra, apaixonada, mas também infeliz, solitária e perdida dentro da própria fama - uma constante para pessoas sensíveis jogadas sem preparação na fogueira das vaidades que é o showbizz.

Convencionou-se dizer que ter uma "atitude rock'n'roll" é encher a cara, tomar todas as drogas disponíveis, xingar o público, causar polêmica. Kurt Cobain fez tudo isso e muito mais. Sua morte em abril de 1994 já era anunciada. Basta prestar atenção aos detalhes de seu "MTV Unplugged" para perceber que no centro do palco não estava mais um rock star egocêntrico e sim um homem desesperado e angustiado (só mesmo um Mr. Magoo para não perceber as implicações óbvias de um cenário que parecia um funeral). Realizado poucos meses antes do tiro fatal que levou o cantor embora (ainda que apenas fisicamente), o especial da MTV é uma obra-prima musical. Até mesmo quem não é fã do movimento grunge (e eu não o sou) é obrigado a concordar que os arranjos são de uma suavidade inédita na discografia da banda e que Cobain nunca cantou melhor (e poucas horas depois ele quase morreria de overdose em um quarto de hotel!). E quem discorda que foi um ato de extrema coragem eles terem banido do set list o seu maior sucesso? Convenhamos, "Smells like teen spirit" levanta qualquer festa hoje em dia - assim como o fez nos anos 90 - mas perto de faixas como "Come as you are" (que Caetano Veloso gravou e assassinou), "Breed", "Something in the way", "Polly" e "Pennyroyal tea", é apenas uma amostra tímida do potencial dos rapazes de Aberdeen (não, eles não são de Seattle...)

Nirvana influenciou muita gente. Nick Hornby, por exemplo, escreveu "Um grande garoto" (cujo título original, "About a boy" emulava a canção "About a girl") utilizando a morte de Cobain como parte fundamental do clímax (mas o filme com Hugh Grant não seguiu o livro à risca, provavelmente devido a problemas com direitos de imagem que a "viúva negra" não cedeu). Michael Stipe queria fazer um dueto com ele, chegando a enviar as passagens aéreas para o encontro (que Cobain não foi, privando o mundo do que provavelmente seria um extraordinário trabalho). E eu mesmo sofri uma certa influência. De vez em quando durmo com uma camiseta com uma imagem de Cobain (sim, eu tenho uma camiseta com ele, por que?) e sempre antes de dormir sua imagem é uma das últimas que vejo, graças ao poster que tenho no meu quarto (sim, tenho um poster dele. Sim, tenho mais de 16 anos, mas minha alma cheira a espírito adolescente). E em determinado momento da minha vida eu tive um peixe chamado Kurt, que por coincidência ou não, também certa feita tentou o suicídio pulando do seu aquário... Foi impedido a tempo, e por alguns bons meses me fez companhia em seu silêncio compreensivo. O mesmo acontece ainda hoje quando ouço Nirvana (em especial o Unplugged): ouvir a voz de Kurt Cobain ainda me soa como um silêncio confortador, mesmo que ele cante sobre estupros, assassinatos e dores existenciais. É a voz de uma alma, que eu não canso de escutar.

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