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CHICO XAVIER / O SEGREDO DOS SEUS OLHOS
Posted by Clenio
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11:12
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CINEMA
Existem no mínimo dois motivos para assistir-se a "Chico Xavier, o filme", de Daniel Filho. Primeiro, para se conhecer um pouco mais a fundo a vida de uma das personalidades mais queridas, admiradas e polêmicas do Brasil, ainda que logo no início a produção tenha se encarregado de explicar que é impossível contar toda a vida do protagonista em apenas duas horas.Segundo, para conferir a atuação de um elenco notável, que brilha além de um roteiro um tanto quanto formulaico mas eficaz em suas intenções.
A figura de Xavier - o médium mais conhecido de um país de origem católica que é também uma das maiores potências espíritas do mundo - já seria suficiente para transformar o novo projeto de Daniel Filho em sucesso absoluto. Mesmo que o filme fosse ruim (e não o é!) já seria um grande êxito. Como está - com a ajuda da mídia, do tema e do carisma do próprio protagonista - se encaminha para tornar-se uma das maiores bilheterias do cinema nacional (já superou, em sua estreia, os números de abertura do fenômeno "Se eu fosse você 2"). Mas o filme vale todo esse auê? Sim e não.
Não, porque não é exatamente GRANDE cinema - ainda que não seja isso que grande parte de seu público-alvo vá procurar nas salas escuras. Daniel Filho é um extraordinário profissional de TV (diria até uma de suas figuras essenciais e um dos responsáveis por transformá-la na potência que é hoje) mas em cinema ainda não parece ter encontrado um caminho - de qualidade, digo, porque em termos de bilheteria não pode se queixar. "Chico Xavier, o filme" não chega a incomodar, apesar de alguns clichês jogados aqui e acolá, mas igualmente não empolga o bastante. Ainda é possível ver alguns vícios televisivos, o que, se não atrapalha o prazer de assistí-lo, também não o eleva à qualidade de um filme inesquecível por suas qualidades cinematográficas. Daniel é um diretor popular, mas não é um cineasta autoral. Isso interessa às pessoas que vem lotando as sessões desde sua estreia em 2 de abril? Possivelmente não.
E sim, vale o auê graças a seu elenco excepcional. Poucas vezes o cinema nacional reuniu um elenco tão bom, repleto de nomes conhecidos da plateia (mais um ingrediente infalível para arrebanhar espectadores) e indubitavelmente talentosos. Mesmo em participações pequenas é possível se encantar com o trabalho de Pedro Paulo Rangel, Paulo Goulart, Giulia Gam, Luis Mello, Letícia Sabatella e até mesmo com Giovanna Antonelli (que, por alguns minutos faz o povo esquecer de seu sofrível desempenho na novela "Viver a vida"). E se Angelo Antonio, o menino Matheus Costa e Nelson Xavier dispensam comentários - interpretando com delicadeza e sutileza o difícil papel principal - é impossível negar que o ápice emocional do filme cabe às personagens de Tony Ramos e Christiane Torloni. Na pele de um casal devastado pela morte acidental do único filho, eles representam os espectadores, tentando lidar com o inexplicável que insiste em lhes fazer presente. Se Chico Xavier é o protagonista absoluto, são Tony e Christiane - em atuações rasgadamente sofridas - quem roubam o filme e fazem com que ele esteja bem mais além de uma simples cinebiografia.
No fim das contas, vale a pena assistir a "Chico Xavier", nem que seja para não ficar de fora do maior evento do cinema nacional dos últimos anos.
E nem tenho palavras para relatar a sensação de voltar a acreditar em bom cinema. E foi preciso um filme argentino - portanto bem longe da mesmice hollywoodiana - para me fazer ter o prazer de assistir a uma história bem contada. "O segredo de seus olhos" ganhou o Oscar de filme estrangeiro, mas nem precisava desse aval da Academia para comprovar seus inúmeros méritos. Dirigido por Juan José Campanella (o mesmo do comovente "O filho da noiva"), "O segredo" é uma aula de como envolver a plateia sem apelar para violência desnecessária ou preocupações supérfluas com o visual. Dividindo sua ação em dois tempos distintos (1974 e 1999), Campanella mostra a obsessão de um homem (vivido magistralmente por Ricardo Darín) com o assassinato de uma jovem professora, enquanto tenta lidar com a paixão que sente por sua superior. O que poderia ser apenas mais um policial corriqueiro nas mãos de um diretor sedento por uma bilheteria milionária transforma-se milagrosamente em um filme de várias nuances sociais, dramáticas e políticas, sem que perca, em momento algum, seu principal objetivo: divertir sua audiência.
Com um roteiro espetacular - repleto de pistas falsas, reviravoltas inesperadas e um humor discreto e eficiente -, o filme carrega seu espectador de forma inteligente, em sequências de cair o queixo (reparem na perseguição em um estádio de futebol lotado) e diálogos sempre fascinantes (nenhuma frase, nenhuma entonação, nenhum detalhe é dispensável). Surpreendente em mais de uma acepção do termo, "O segredo dos seus olhos" é uma pequena obra-prima capaz de devolver a qualquer um a paixão por ir ao cinema.