1

KURT COBAIN, A VOZ DE UMA ALMA

Posted by Clenio on 11:35 in


Em "Monty got a raw deal", uma das canções do magnífico álbum "Automatic for the people", Michael Stipe, o vocalista da banda R.E.M. canta o seguinte verso: "Heroes don't come easy" (heróis não surgem facilmente). A canção é uma homenagem ao ator Montgomery Clift, mas ao ouví-la não posso deixar de pensar em outro merecedor de figurar entre meus ídolos (ao lado de Clift e Stipe, aliás): Kurt Cobain, cujo aniversário de morte acontece hoje. Há 16 anos o corpo do vocalista do Nirvana foi encontrado e há 16 anos o rock tenta, em vão, encontrar alguém que ecoe tão bem os sentimentos de angústia, dor, revolta e inadequação que ele expressava por trás dos acordes barulhentos de sua banda.

Confesso que, na ocasião de sua morte, eu não me importei muito com o suicídio de "mais um roqueirozinho drogado". Estava em uma época de ebulição, preocupado muito mais com meu umbigo do que com o mundo a minha volta (com 20 anos de idade, quem não é assim??) e a morte do líder de uma banda grunge não me abalou nem um pouco (ainda que já então eu gostasse de "Smells like teen spirit", da qual nem mesmo o próprio Cobain era fã...). Foi somente alguns anos depois que a voz rouca de Kurt e suas letras aparentemente desconexas fizeram sentido pra mim. E desde então, sou "Nirvanófilo" de carteirinha.

Me lembro que era uma tarde modorrenta, chata, que não tinha nem sol nem chuva, não fazia calor nem frio. Era uma tarde de folga, daquelas em que nada se tem para fazer nem tampouco pensar. Por um desses milagres que acontecem vez ou outra, liguei a televisão e, zapeando sem entusiasmo por programas ocos, cheguei à MTV. Estava ele lá, com seu visual de Jesus Cristo grunge, entre cruzes, velas e flores, com seus brilhantes olhos azuis cantando suavemente "All apologies" - "I wish I was like you, easily amused. Find my nest of salt, everything is my fault..." Como eu nunca tinha percebido que ali tinha mais do que simples gritos ou atitudes pretensamente rock'n'roll? Como poderia ter me escapado o fato de que alguém como Cobain, mesmo admirado, amado e incensado por tanta gente, tenha cometido suicídio? De que forma eu poderia começar a ouvir de verdade - com o coração mais do que com a razão - os recados que ele havia deixado? A partir daquela tarde, uns bons sete ou oito anos depois de sua morte, Kurt Cobain nascia pra mim.

Para minha sorte justamente naquele momento estava sendo lançado "Heavier than heaven - Mais pesado que o céu" (Ed. Globo), a biografia do músico, escrita por Charles R. Cross. Devorei as mais de 500 páginas em questão de poucos dias, sempre ouvindo Nirvana como música de fundo (sim, comprei os CDS, obviamente, e não os deixava parar de tocar). Me encantei com o livro, me apaixonei ainda mais pela música e como não poderia deixar de ser, passei a amar Cobain e odiar Courtney Love com todas as minhas forças. O livro - imperdível para fãs, neófitos, interessados por música em particular ou biografias em geral - me fez enxergar a pessoa atrás do artista (um clichê inevitável, perdoem-me), me fez entender uma personalidade controversa, íntegra, apaixonada, mas também infeliz, solitária e perdida dentro da própria fama - uma constante para pessoas sensíveis jogadas sem preparação na fogueira das vaidades que é o showbizz.

Convencionou-se dizer que ter uma "atitude rock'n'roll" é encher a cara, tomar todas as drogas disponíveis, xingar o público, causar polêmica. Kurt Cobain fez tudo isso e muito mais. Sua morte em abril de 1994 já era anunciada. Basta prestar atenção aos detalhes de seu "MTV Unplugged" para perceber que no centro do palco não estava mais um rock star egocêntrico e sim um homem desesperado e angustiado (só mesmo um Mr. Magoo para não perceber as implicações óbvias de um cenário que parecia um funeral). Realizado poucos meses antes do tiro fatal que levou o cantor embora (ainda que apenas fisicamente), o especial da MTV é uma obra-prima musical. Até mesmo quem não é fã do movimento grunge (e eu não o sou) é obrigado a concordar que os arranjos são de uma suavidade inédita na discografia da banda e que Cobain nunca cantou melhor (e poucas horas depois ele quase morreria de overdose em um quarto de hotel!). E quem discorda que foi um ato de extrema coragem eles terem banido do set list o seu maior sucesso? Convenhamos, "Smells like teen spirit" levanta qualquer festa hoje em dia - assim como o fez nos anos 90 - mas perto de faixas como "Come as you are" (que Caetano Veloso gravou e assassinou), "Breed", "Something in the way", "Polly" e "Pennyroyal tea", é apenas uma amostra tímida do potencial dos rapazes de Aberdeen (não, eles não são de Seattle...)

Nirvana influenciou muita gente. Nick Hornby, por exemplo, escreveu "Um grande garoto" (cujo título original, "About a boy" emulava a canção "About a girl") utilizando a morte de Cobain como parte fundamental do clímax (mas o filme com Hugh Grant não seguiu o livro à risca, provavelmente devido a problemas com direitos de imagem que a "viúva negra" não cedeu). Michael Stipe queria fazer um dueto com ele, chegando a enviar as passagens aéreas para o encontro (que Cobain não foi, privando o mundo do que provavelmente seria um extraordinário trabalho). E eu mesmo sofri uma certa influência. De vez em quando durmo com uma camiseta com uma imagem de Cobain (sim, eu tenho uma camiseta com ele, por que?) e sempre antes de dormir sua imagem é uma das últimas que vejo, graças ao poster que tenho no meu quarto (sim, tenho um poster dele. Sim, tenho mais de 16 anos, mas minha alma cheira a espírito adolescente). E em determinado momento da minha vida eu tive um peixe chamado Kurt, que por coincidência ou não, também certa feita tentou o suicídio pulando do seu aquário... Foi impedido a tempo, e por alguns bons meses me fez companhia em seu silêncio compreensivo. O mesmo acontece ainda hoje quando ouço Nirvana (em especial o Unplugged): ouvir a voz de Kurt Cobain ainda me soa como um silêncio confortador, mesmo que ele cante sobre estupros, assassinatos e dores existenciais. É a voz de uma alma, que eu não canso de escutar.

|

1 Comments


O pessoal fala: kurt, o desajustado, rebelde, etc. Mas p mim, foi um impulso de vida o q ele fez.

O mundo esta de cabeca p baixo e ninguem percebeu (cassia Eller)

Copyright © 2009 Lennys' Mind All rights reserved. Theme by Laptop Geek. | Bloggerized by FalconHive. Distribuído por Templates