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UMA VIDA MELHOR

Posted by Clenio on 21:43 in
Ser um ator mexicano praticamente desconhecido, estrelar um filme pequeno de interesse quase restrito e mesmo assim ser indicado ao Oscar, deixando pra trás nomes mais quentes da indústria hollywoodiana não é pra qualquer um. Mas Demián Bichir pode se vangloriar desse raro feito. Por sua esplêndida atuação em "Uma Vida Melhor", ele concorre, aos 48 anos, à estatueta mais cobiçada do cinema, disputando-a com nomes consagrados como George Clooney, Gary Oldman e Brad Pitt. E o melhor disso tudo? Em termos de qualidade de interpretação ele não deve nada a nenhum deles.

Depois de interpretar Fidel Castro na megalomaníaca produção sobre Che Guevara dirigida por Steven Soderbergh, Bichir apresenta, em "Uma Vida Melhor", uma das atuações mais tocantes, humanas e simples da temporada, sem apelar para exageros melodramáticos ou a compaixão fácil por sua personagem (escapando do fato de que o roteiro por si mesmo já se equilibra perigosamente entre o clichê e a sinceridade). Com uma trama que lembra, em certos momentos, o clássico neorealista italiano "Ladrões de Bicicleta", de Vittorio De Sica (guardadas as devidas proporções), o filme de Chris Weitz é um retrato sensível de um grupo ainda não explorado a contento pelo cinema - os imigrantes ilegais - e suas difíceis condições de trabalho nos EUA.

Bichir vive Carlos Galindo, um imigrante mexicano ilegal que vive em Los Angeles trabalhando como jardineiro para manter, a duras penas, o filho de 14 anos, Luís (o promissor José Julían) longe do futuro violento e criminoso que o espera. Em busca de uma vida menos sacrificada, Carlos aceita a ajuda da irmã, Anita (Dolores Heredia), para comprar uma caminhonete que o fará atingir um outro patamar profissional. A compra do automóvel, porém, da realização de um sonho torna-se um problema a mais quando as coisas começam a sair muito errado.

É bom não saber muito a respeito do desenvolvimento da história de "Uma vida melhor". O mais certo é se deixar levar pelo roteiro repleto de cenas comoventes (mas nunca piegas), situações realistas e pela atuação sensacional de Bichir, cujo rosto expressivo é capaz de transmitir, sem muito esforço, uma vasta gama de sentimentos. Suas cenas com José Julían são, sem favor nenhum, dignas de figurar entre as mais emocionantes do ano, graças basicamente à excelente química entre os dois atores.

"Uma Vida Melhor" é simples, honesto e direto. A única surpresa a seu respeito vem do fato de ser dirigido pelo mesmo Chris Weitz que cometeu o tenebroso "Lua Nova". Tudo bem, Chris, depois dessa pequena pérola você está perdoado.

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A INVENÇÃO DE HUGO CABRET

Posted by Clenio on 23:33 in
Só mesmo alguém tão genial e apaixonado quanto Martin Scorsese para conseguir fazer de um pequeno livro infanto-juvenil uma homenagem tão emocionante à sétima arte. Baseado na obra de Brian Selznick, o primeiro filme infantil e em 3D de um dos mais respeitados cineastas nos EUA não é apenas a prova de que o formato pode ser fascinante quando bem realizado, mas é também - e principalmente - um agradecimento em forma de celulóide aos pioneiros dessa arte tão mágica chamada cinema (e em especial ao francês Georges Méliès). Dono de um visual inebriante, "A invenção de Hugo Cabret" só não é ainda mais espetacular porque esbarra em um sério problema: seu roteiro insatisfatório.

O Hugo Cabret do título é um pequeno órfão que vive em uma estação de trens da Paris dos anos 30, consertando relógios, praticando pequenos roubos e fugindo do inspetor do lugar (vivido por um irreconhecível e relativamente discreto Sacha Baron Cohen, o Borat em pessoa). A única lembrança que tem de seu pai (em uma participação rápida de Jude Law) é um autômato que ele estava consertando quando morreu, vítima de um incêndio. Enquanto busca uma chave em formato de coração que fará com que o artefato funcione, o menino conhece a doce Isabelle (Chloe Grace Moretz), também órfã, que é criada pelos carinhosos Georges e Jeanne (Ben Kingsley e Helen McCrory), desde a morte dos pais. Apresentado por Isabelle ao mundo dos livros, ele a apresenta ao cinema e, para surpresa de ambos, eles descobrem que o ranzinza padrinho da garota é, na verdade, Georges Méliès, um dos pais do cinema.

A história de "A invenção de Hugo Cabret" é apenas o meio que Scorsese encontrou para dar uma verdadeira aula de cinema. Ele atinge seus fins com louvor, proporcionando ao público algumas das cenas mais deslumbrantes já vistas nas últimas décadas (cortesia dos efeitos visuais competentes, da direção de arte impecável e da fotografia espetacular), sublinhadas pelo uso inteligente e coerente do 3D. Ao contrário de dezenas de produções que utilizam o formato apenas para fazer mais dinheiro, em "Hugo" tudo surge com naturalidade e parcimônia, valorizando cada mínimo detalhe dos planos elaborados com extremo cuidado pelo cineasta. Se em sua vasta filmografia essa dedicação a cada frame já era notável, nesse trabalho que pode lhe render um segundo e merecido Oscar, Scorsese deita e rola com todos os recursos à sua disposição, embasbacando o espectador com sequências da mais pura poesia. Assim como Giuseppe Tornatore fez com seu aclamado "Cinema Paradiso", Marty aplaude o cinema como arte em si, como fuga, como espetáculo e como mágica. Não há um único fã de cinema (fã de verdade, não apenas frequentadores esporádicos de multiplexes) que não se sinta arrepiado quando desfilam pela tela cenas clássicas do cinema mudo, com Buster Keaton, Louise Brooks, Chaplin e Harold Lloyd dando o ar da graça com seu talento incontestável. Mas, apesar da emoção (e da absoluta convicção de que se está diante de um trabalho excepcional de um maestro no auge de seu poder criativo e do domínio de sua arte), falta algo a "A invenção de Hugo Cabret": uma história mais forte.

Sempre que o cinema assume a protagonização do filme, a obra cresce, se agiganta. Quando a trama que envolve Hugo e suas relações familiares fica em primeiro plano, porém, há uma queda de interesse, talvez porque o roteirista John Logan (o mesmo de "O aviador") não consegue sublimar o fato de que, no fundo, a história é para crianças e, logicamente, o público-alvo não está exatamente preocupado com todas as deliciosas referências estéticas e nominais lançadas por um diretor com o conhecimento enciclopédico de Scorsese, e sim com as piadas visuais a cargo de Sacha Baron Cohen e com as aventuras dramáticas do protagonista (vivido por um encantador Asa Butterfield). As crianças não perceberão a alta qualidade da performance magistral de Ben Kingsley como Méliès nem compreenderão as sutilezas pictórias da bela fotografia de Robert Richardson. Elas talvez prefiram acompanhar as aventuras insuportáveis de meia dúzia de esquilos cantantes. Mas os pais, em especial aqueles que veem no escurinho do cinema um caminho para onde os sonhos se realizam, sairão de boca aberta e brilho nos olhos.

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O ESPIÃO QUE SABIA DEMAIS

Posted by Clenio on 23:40 in

Para se assistir a "O espião que sabia demais" duas coisas são imprescindíveis: paciência e atenção. Paciência porque o filme, baseado em um romance de John LeCarré - que já rendeu uma minissérie de TV - tem um ritmo próprio, mais lento do que as habituais produções hollywoodianas centradas em espionagem que mal dão tempo ao espectador para respirar (como a excepcional trilogia Bourne, estrelada por Matt Damon). E atenção porque, apesar de nunca atropelar as informações, o roteiro de Peter Straughan e Bridget O'Connor(que morreu antes do lançamento do filme e a quem ele é dedicado) é tão recheado de pequenos detalhes e silêncios reveladores que, se o espectador der uma piscadela corre o risco de perder o fio da meada e se confundir irremediavelmente.

Em uma época em que tudo chega ao público da maneira mais mastigadinha possível, um filme como "O espião que sabia demais" é um estranho no ninho. Dirigida com uma elegância e uma quase frieza que trai as origens nórdicas de seu diretor Tomas Alfredson (cujo cartão de visitas é a ótima versão original do terror "Deixe ela entrar"), a trama - complexa e um tanto anacrônica nos dias de hoje, em que a Guerra Fria é apenas um fantasma longínquo - quase que serve mais como um show de atores do que exatamente um thriller convencional de espionagem. Na pele do protagonista George Smiley, finalmente Gary Oldman tem o reconhecimento que merece há décadas, em uma atuação construída em cima de sutilezas e movimentos delicados. Mesmo cercado de atores de talento comprovado - Colin Firth, Toby Jones, Ciarán Hinds, Kathy Burke, Tom Hardy - o inglês que deu intensidade ímpar ao protagonista de "Drácula de Bram Stoker" cria uma personagem de personalidade ambígua, mantendo o interesse do público desde as primeiras cenas até o final coerente e inteligente.

Ah, sim, a história... Passado nos anos 70, "O espião que sabia demais" começa quando Control (o ótimo John Hurt), chefe do Serviço de Inteligência Britânico é obrigado a se demitir depois de uma missão tragicamente equivocada na Hungria. Junto com ele, sai do serviço seu braço-direito, George Smiley (Oldman, econômico em gestos e palavras), que, algum tempo depois, é procurado pelo governo para investigar a acusação do jovem agente Ricki Tarr (Tom Hardy em papel herdado de Michael Fassbender), que, ecoando uma suspeita de seu antigo chefe, afirma que existe um agente duplo entre os agentes do grupo. Smiley, de fora da agência, tenta descobrir a partir daí, quem é o real culpado (e se ele realmente existe).

O filme de Alfredson é construído a partir de detalhes, de pequenas coisas, de mentiras e meias-verdades que só serão esclarecidas em seus minutos finais. O ritmo lento talvez afugente o público acostumado a ação desenfreada, mas, fotografado com discrição e apresentando uma reconstituição de época impecável, é um filme sério, feito para adultos que prezam o cérebro e os olhos.

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MONEYBALL - O HOMEM QUE MUDOU O JOGO

Posted by Clenio on 17:55 in
A crítica aprovou. Os eleitores do Oscar idem (está concorrendo inclusive ao Prêmio de Melhor Filme). O público até que deu seu aval, deixando mais de 70 milhões de dólares nas bilheterias americanas. Mas o fato é que "Moneyball - O Homem Que Mudou o Jogo" é bem chatinho. Convencional ao extremo e quase derivativo, o novo filme de Bennett Miller (que concorreu ao Oscar por "Capote", em 2005) jamais chega a empolgar, ainda que dificilmente possa ser considerado ruim. Porém, se for levado em consideração a equipe de ouro por trás do projeto - além de Miller os créditos apresentam os nomes de Brad Pitt, Philip Seymour Hoffman, dos roteiristas oscarizados Steven Zaillian e Aaron Sorkin e do fotógrafo Wally Pfister (dos novos "Batman") - não deixa de ser um tanto decepcionante.

Talvez a culpa seja mesmo do tema. Popularíssimo nos EUA mas praticamente ignorado no Brasil, o baseball é a espinha dorsal da trama, baseada em fatos reais. Ainda que a história pudesse ser transposta sem muito prejuízo para qualquer outro esporte coletivo, a maneira com que ela é contada não dá muito espaço para emoções reais, chegando a ser quase fria em determinados momentos. Nem mesmo Brad Pitt (que a essa altura nem precisa provar que é um bom ator) está particularmente bem, apesar da indicação ao Oscar. Sua personagem, Billy Beane, é o responsável por gerenciar um time de baseball que perdeu seus maiores nomes para outros clubes e precisa voltar a seus melhores momentos. Com a ajuda de um nerd especialista em análises matemáticas (vivido pelo enjoado Jonah Hill, inexplicavalmente indicado ao Oscar de coadjuvante), ele resolve contratar jogadores mais por suas potenciais qualidades do que por seus talentos já demonstrados. Com pouco dinheiro, Beane constrói um time que, apesar de desacreditado, torna-se um sucesso.

Logicamente, "Moneyball" é um tanto previsível, e justamente por isso não consegue fugir do gênero "vença suas dificuldades". Brad Pitt desfila seu carisma pela tela sem fazer muito esforço e é, de certa forma, a principal razão para se assistir ao filme. Mas, em um ano com filmes tão bons e fortes como "Millennium - Os Homens Que Não Amavam As Mulheres", não deixa de ser anticlimático vê-lo entre os indicados ao Oscar de Melhor Filme.

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A DAMA DE FERRO

Posted by Clenio on 00:16 in
Uma das principais características de um grande ator é a sua possibilidade de transformar qualquer filme, por pior que ele seja, em uma experiência menos dolorosa. Jack Nicholson faz isso como ninguém. Kevin Spacey idem. E é exatamente isso que Meryl Streep faz com "A dama de ferro". A cinebiografia de Margareth Thatcher, primeira-ministra britânica que esteve no poder entre 1979 e 1990 é de uma mediocridade tão grande que chega a fazer com que o trabalho anterior de sua diretora, o musical "Mamma Mia" - que era divertido e solar mas só isso! - soe como um "Cantando na chuva". Mas Streep é tão, tão soberana em seu ofício que é a única coisa que impede o filme de naufragar solenemente sem deixar sobreviventes.

Quando o filme começa Thatcher já está aposentada e apresentando alguns sinais de demência, chegando a conversar com Denis (Jim Broadbent, subaproveitado), o marido que já morreu. Enquanto se prepara para doar suas roupas, ela relembra sua trajetória política, desde a juventude - quando, filha do humilde dono de uma mercearia era humilhada pelas colegas - até a maturidade, passando por sua eleição para o Parlamento inglês e por todos os momentos mais importantes de seu mandato. O problema maior do roteiro (que utiliza de forma preguiçosa o batido recurso do flashback) é que tudo é muito confuso e superficial, não se detendo satisfatoriamente a nenhum aspecto da vida de sua protagonista. Pontos importantes da carreira de Thatcher (como sua firmeza durante a Guerra das Malvinas e seu confronto com os atentados do IRA, que tiraram a vida de seu porta-voz) passam pela tela de forma desordenada, sem dar ao público nem a oportunidade de conhecer um pouco melhor a história política do país durante essa fase tão importante nem de travar conhecimento com o ser humano por trás da persona política engendrada pela primeira-ministra. Ao tentar equilibrar esses dois pontos, Phillyda Lloyd tropeça em sua falta de experiência.

Enquanto "Mamma Mia" não precisava mais do que o carisma de seu elenco e das canções conhecidas desde sempre do grupo ABBA, "A dama de ferro" necessitava de uma mão mais firme em seu comando. Ao contrário do que Stephen Frears fez em "A rainha" - dar à sua protagonista um senso de humanidade quase desconhecido do grande público ao narrar um período específico de seu reinado - Lloyd tenta abraçar uma trajetória de vida inteira em um filme de menos de duas horas e se perde em suas pretensões. Sua Margaret Thatcher não é nem a bruxa que muitos pintam nem a idealista que seus correligionários sempre tentaram vender, mas não é questão de equilíbrio e sim de um roteiro esquizofrênico e sem foco que dá pouco espaço até mesmo para o brilho de sua atriz central. Mas mesmo assim, com todos os problemas, Streep brilha avassaladora no papel que deve lhe dar o esperado terceiro Oscar (se o politicamente correto não for mais forte e Viola Davis levar o prêmio).

Ajudada por uma maquiagem competente (que deveria servir de exemplo aos profissionais de "J. Edgar"), a mais respeitada atriz americana em atividade faz o possível e o impossível para dar credibilidade ao filme, convencendo em todas as fases da personagem, com um sotaque perfeito e todas as qualidades que fazem dela o mito vivo que é. Mesmo trabalhando em cima de um material quase oco, Streep dá vida e consistência à sua personagem e salva o filme de ser absoluta e irremediavelmente ruim. Salve Meryl!

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CONVERSAS COM SCORSESE

Posted by Clenio on 13:17 in
Ser fã de cinema e não ter nenhum Martin Scorsese como filme de cabeceira é uma espécie de incoerência imperdoável. Afinal, um cineasta tão acostumado a gerar obras-primas - que vão desde o violento "Os Bons Companheiros" ao romântico "A Época da Inocência" - deveria ter seu nome em qualquer lista de melhores diretores da história. Nas vésperas da possibilidade de levar seu segundo Oscar (por seu primeiro filme infantil - e em 3D - "A Invenção de Hugo Cabret"), o homem que apresentou ao mundo personagens como Travis Bickle e Max Cady é o tema de "Conversas com Scorsese", um volume obrigatório para todos aqueles que tem a sétima arte como hobby ou paixão. Publicado pela Cosac Naify (dando seguimento à coleção que já teve Woody Allen como protagonista), o livro, na verdade, tem Scorsese apenas como convidado: sua personagem central é o cinema.

Ávido espectador desde a infância em uma Nova York bem mais parecida com a que retratou em filmes como "Taxi Driver" do que a romantizada na obra de Allen, Scorsese é também uma enciclopédia viva. Por mais de 500 páginas, o cineasta discorre sobre o assunto com erudição de um professor e um entusiasmo de iniciante, citando obras que até mesmo o mais renitente cinéfilo é capaz de desconhecer.  Assim como já havia feito na genial série de documentários "Uma viagem pessoal pelo cinema americano" (ainda inédita em DVD no Brasil, vergonhosamente), Marty dá ao leitor uma visão muito mais abrangente sobre a arte de fazer cinema do que simplesmente falar sobre sua filmografia (o que por si só já seria interessante o bastante, diga-se de passagem). E dá sua própria versão sobre os bastidores de cada um de seus trabalhos, proporcionando aos interessados um compêndio sobre o melhor do cinema realizado nos EUA nas últimas décadas.

Organizado pelo crítico Richard Schickel (que é amigo pessoal do homenageado), "Conversas com Scorsese" é exatamente o que o título define: um longo, interessante e inteligente bate-papo que, além de tudo, ainda lança luz sob toda a obra de um dos mais íntegros e energéticos diretores de nossa época. Indispensável!

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