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EU ME LEMBRO...

Posted by Clenio on 17:24 in

Ultimamente, sem nenhuma razão aparente, venho me surpreendendo pensando na minha infância. Quando menos espero me surge uma memória dos meus "anos inocentes", seja ela olfativa, ou sonora, ou simplesmente emotiva.

Lembro do nariz gelado da minha mãe nas noites de inverno, quando ela vinha me cobrir e me dar um beijo de boa-noite. Lembro do gosto dos pasteis feitos no clube onde meu pai me levava, e a meus irmãos, em todas as terças e quintas-feiras. Lembro de ter medo do lobisomem de "Saramandaia". Lembro do cheiro bom do carreteiro da tia Nilza, que ninguém consegue fazer igual.

Recordo como se tivesse comido ontem o gosto dos churros vendidos na beira da praia em Pinhal. Recordo de brincadeiras bizarras com irmãos, primos e amigos. Tento entender como dormiam 3 crianças de personalidades diferentes em um quarto onde hoje uma pessoa ocupa todo o espaço. Recordo nitidamente do cheiro que tinha minha sala de aula no jardim de infância, assim como lembro também dos colegas que nunca mais vi e dos quais tenho notícias apenas esporadicamente.

Me vem à cabeça com extremo grau de detalhismo cada peça da primeira casa onde morei (e que eu achava enorme apesar das negativas da minha mãe). Lembro da árvore com quem conversava longamente antes que ela fosse derrubada para a construção de uma estatal (sim, eu conversava com uma árvore, José Mauro de Vasconcellos me entenderia...) Lembro de um colega de aula que um dia, durante uma pausa nas brincadeiras me disse que eu era seu melhor amigo (e que o tempo e outros acontecimentos afastaram de mim).

Lembro dos Natais com toda a família reunida (tios, tias, primos, primas e muita, muita gente) e de como eles eram melhores porque menos tristes e mais festivos. Lembro das aulas de catequese com uma irmã com o dedo pela metade (e vítima do ódio de todos os alunos). Lembro da ocasião em que fiquei sem recreio por não saber a tabuada do 6 (hoje é a que eu mais sei, só de raiva...) E lembro também do Pedro, um gato que tínhamos que morreu depois de perder os movimentos das patas traseiras devido a um acidente.

Lembro da minha pasta escolar com desenhos do Barbapapa (meu Deus, eu lembro DISSO!!!). Também tinha uma vermelha com a Branca de Neve e os sete anões desenhados. E lembro que eu tinha um boneco de estimação que não tinha a cabeça e que eu chamava de Bunda Roxa. Lembro que assistia ao "Sítio do picapau amarelo" bem sentado no sofá, comendo bolacha Maria com leite.

Lembro dos escândalos que eu fazia sempre que precisava arrancar um dente-de-leite ou que era obrigado a lavar a cabeça (crianças!!!!) Lembro do cheiro de um casaco de couro do meu pai e das figurinhas que ele colecionava com mais entusiasmo que nós. E lembro do cheiro bom da acetona com que minha mãe tirava o esmalte das unhas. E, confesso que até hoje gosto do cheiro de gasolina que sempre me lembra das viagens que fazíamos, a família toda reunida (mesmo que tivéssemos que ouvir uma estação de rádio insuportavelmente monocórdia durante os longos quilômetros que nos separavam do nosso destino).

Eu lembro do cheiro das piscinas do clube que frequentávamos e da sensação de deixar entrar água com cloro através do nariz. Da sensação de acordar nas manhãs de Páscoa sabendo que teria que procurar os ovos espalhados pela casa. E do aroma dos livros de Nelson Rodrigues que ficavam escondidos dos alunos na biblioteca da escola. Aliás, do cheiro e do silêncio confortador da biblioteca que eu amava. E como não lembrar também de tudo que representava o imenso auditório da mesma escola e do burburinho dos alunos nas manhãs de apresentações? E do gosto do pão com molho servido na cantina?

Memórias são estranhas. Se eu tentar recordar do que comi ontem teria que fazer esforço (lembrei, pizza...) Mas essas lembranças que trago de uma infância feliz, saudável e amorosa me surgem sempre que existe a ameaça de eu esquecer de que tive muita sorte na minha vida...

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CAMINHOS CRUZADOS

Posted by Clenio on 19:23 in

"Quando um coração que está cansado de sofrer
Encontra um coração também cansado de sofrer
É tempo de se pensar
Que o amor pode de repente chegar...

Quando existe alguém que tem saudade de alguém
E este outro alguém não entender
Deixa este novo amor chegar
Mesmo que depois
Seja imprescindível chorar

Que tolo fui eu, que em vão tentei raciocinar
Nas coisas do amor que ninguém pode explicar
Vem, nós dois vamos tentar.
Só um novo amor
Pode a saudade apagar"

(Tom Jobim/Dolores Duran)

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CORDA BAMBA

Posted by Clenio on 12:00 in


Para ler ouvindo "My sweet prince", de Placebo

O ser humano é um bicho esquisito. Cheio de incongruências, é capaz de surpreender tanto positivamente quanto negativamente e manter a mesma pose impassível. Tanto pode ser um conquistador como Alexandre, o Grande quanto alguém absolutamente normal cuja maior vitória no final do dia é conseguir manter a família com um mínimo de dignidade. Pode ser um monstro como Hitler ou um quase santo, como Gandhi. Pode ser um exemplo de virtude como Madre Teresa ou a ilustração da lascívia, como a Madonna dos bons tempos. Algumas pessoas são capazes de nos destruir com uma simples palavra enquanto outras conseguem, com um sorriso sincero fazer com que o mundo até pareça um bom lugar para se viver.

Algumas pessoas são vampiros emocionais, que sugam nossas energias mesmo que inconscientemente. Outras nos fazem dar risada e esquecer os nossos problemas. Umas conseguem ser desagradáveis ao dar um "bom dia". Outras são boas companhias até em funerais. Algumas veem o copo sempre meio cheio, outras sempre meio vazio (e às vezes a segunda categoria consegue, paradoxalmente, ser mais interessante que a primeira). Algumas tem medo de nos magoar, enquanto outras não pensam duas vezes em passar por cima de nossos sentimentos (e acham que um pedido pálido de desculpas é o suficiente para apagar as cicatrizes que nos deixam). Algumas pessoas gostam de sexo, outras de conversas intelectuais. Algumas adoram discutir relações, outras preferem dormir de conchinha. Algumas são amigas de verdade, outras só até determinado ponto.

Algumas pessoas acreditam que jamais serão felizes, outras tem a certeza de que já o são, apesar de tudo. Umas gostam de futebol, outras de novela. Algumas gostam de música, outras de axé... Umas adoram chocolate, outras tem delírios terminais diante de um prato de salada. Tem gente bonita, feia, interessante, sem graça... Mas poucas, bem poucas, conseguem enxergar a verdade por trás de nossas idiossincrasias.

Para se conectar com uma pessoa é preciso antes de mais nada algo intangível chamado sintonia. Não só de pensamentos, de bagagem cultural, de objetivos de vida. É indispensável que haja uma conexão de sentimentos, de alma... É necessária uma compreensão além do normal, uma empatia natural, uma sensação de que encontramos um pedaço de nosso espírito. Isso pode acontecer com nossos amigos - e quando ocorre é simplesmente consequência de uma convivência não-compulsória. Mas quando acontece em termos sentimentais é tão raro, mas tão raro que só nos resta duas alternativas: racionalizar ou mandar a razão às favas e pular rumo ao desconhecido.

Racionalizar é uma opção mais, digamos... racional. Pesamos os prós e os contras, lembramos das dores de amores pelas quais passamos, tentamos adivinhar (através de nossa experiência anterior) o futuro da relação, fazemos a lista imaginária de tudo que pode dar errado... Construímos em nossa mente uma equação lógica e exata de uma sensação abstrata como se fosse possível "dançar a respeito de arquitetura". E no final do raciocínio é bem provável que abandonemos a possibilidade de um período de felicidade e sorrisos à-toa por medo de tentar e sofrer.

Pular rumo ao desconhecido... bom, é arriscado. Tudo por que já passamos pode se repetir (principalmente quando conhecemos pouco a pessoa em questão), podemos chorar, dispender energia e tempo em algo sem muita vida útil, gastar dinheiro e pior ainda... acumularmos mais uma decepção em nossos coraçõezinhos sensíveis. Mas ao mesmo tempo, é adrenalina pura, é vida direto na veia, é sonhar acordado, é ouvir música romântica, é esperar ansiosamente o fim do dia... Em outras palavras, pode até dar errado, mas enquanto funciona é a oitava maravilha do mundo!

Foda é ter mais de 1700km nos separando. Fisicamente, lógico, uma vez que a conexão mental e de alma nem anos-luz são capazes de separar.

Cheab, if you jump, I jump...

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"500 DIAS COM ELA" E UMA EPIFANIA

Posted by Clenio on 16:57 in


Já perdi a conta de quantas vezes assisti ao delicioso "500 dias com ela". A comédia romântica de Marc Webb (futuro diretor de "Homem-aranha") me atinge de maneira indescritível, uma vez que sempre vejo, na tela à minha frente, uma história de amor bastante semelhante a maior que eu vivi (e que deu origem inclusive à peça de teatro "Como dizia o poeta", que ontem, coincidentemente completou um ano desde sua estreia). O romance hesitante entre Joseph Gordon-Levitt (com um timing cômico e dramático perfeitos) e Zooey Deschannel (linda, etérea e carismática) me emociona, me faz rir, e recentemente me fez pensar - e muito - sobre algumas das certezas que eu tinha e agora não tenho mais (thanks, Webb e cia...)

Mas o que foi que eu vi apenas agora no filme que me fez pensar tanto assim? Explico; a cena em questão foi deletada para sua exibição nos cinemas, constando apenas como extra no dvd (sim, eu compro dvds. Originais!!!). Sem querer estragar o prazer daqueles que ainda não assistiram ao filme (que eu recomendo fervorosamente) narro rapidamente a cena para chegar ao ponto. Depois do fim do namoro com sua amada Summer, Tom marca um encontro às escuras com outra garota, chamada Alison. Os dois conversam sobre o final do romance do rapaz, que não está nem aí para sua nova companhia. Na versão do cinema a cena acaba aí. Na versão estendida, o diálogo continua mais ou menos assim:

ALISON - Ela traiu você?
TOM - Não.
ALISON - Ela abusou de você, financeiramente falando ou coisas do tipo?
TOM - Não, claro que não.
ALISON - E ela não deixou claro desde o início que não queria um relacionamento sério?
TOM - Sim.
ALISON - ENTÃO QUEM PARTIU SEU CORAÇÃO NÃO FOI ELA. FOI VOCÊ MESMO.

GENIAL!!!

Quando ouvi esse diálogo juro que me deu vontade de sair gritando, ou chorando, ou rindo feito um louco. Estava ali, em uma cena deletada de um filme a que assisti umas quinze vezes, uma verdade que nem mesmo eu queria saber: ninguém tem o poder de partir nosso coração a não ser nós mesmos. Tudo bem, às vezes as pessoas nos magoam, mas normalmente isso ocorre porque esperamos delas coisas que provavelmente elas não podem nos oferecer. Nem todo mundo tem a dar o que nós temos. Infelizmente julgar os outros por nós mesmos é um erro!

Quando estamos apaixonados tendemos a achar que somos super-poderosos, que iremos mudar os defeitinhos da pessoa amada, que nossa história de amor será diferente das demais, que vamos sim ficar juntos pra sempre. Fazemos milhões de planos, escolhemos os nomes dos filhos - ou dos cachorros ou dos peixes - imaginamos as viagens que faremos e muitas vezes cronometramos cada segundo de nossa vida conjunta. O problema é que muitas vezes não consultamos o outro lado do casal e quando descobrimos que todo esse planejamento é unilateral nosso coração explode de dor. E fazer o que quando, pior ainda, descobrimos que NOSSO AMOR é uma via de mão única??? Há culpados? Sim, mas não é quem você pensa.

É fácil esquivar-nos da culpa quando um relacionamento afunda. É cômodo responsabilizar a outra pessoa por ser tão fria, insensível, um robô sem sentimentos... Quase nunca olhamos pra dentro de nós mesmos e percebemos que, se nosso castelo desabou é porque o construímos sobre uma base de areia e não de concreto. Ilusão é bom, ajuda a viver, mas não segura relações. É preciso que saibamos ler corretamente as pessoas para que não criemos fantasias a seu respeito, o que fatalmente nos levará a um trágico final.

Na minha experiência pessoal, vendo agora, cinco anos depois, eu deveria ter percebido os sinais desde o princípio. Não fui traído, nem abusado financeiramente. E sim, fui avisado de que a paixão de hoje pode acabar amanhã sem aviso prévio. Aceitei os termos, não posso reclamar. Só o que posso fazer hoje é esperar menos das pessoas e apaixonar-me por elas sem as irreais expectativas desleais de que fala Vanessa da Mata.

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EWAN MCGREGOR EM DOSE DUPLA

Posted by Clenio on 16:03 in

Se essa semana teve pontos altos - como a notícia do casamento da Alanis Morissette com o rapper Souleye (um ilustre desconhecido mas se a faz feliz, também me faz...) - certamente um deles foi a oportunidade que tive de assistir a DOIS filmes com um dos meus atores preferidos e que andava meio sumido, Ewan McGregor. Totalmente opostos em ambições e gêneros, eles mostram a sua versatilidade: a comédia "O golpista do ano" e o suspense político "O escritor fantasma".

Juro que adoraria conhecer a pessoa que escolhe os títulos em português de alguns filmes que chegam até nós. Porque eu gostaria muito de saber porque esse tal cidadão acha que um filme originalmente intitulado "I love you, Phillip Morris" deve se chamar, aqui em terra brasilis, "O golpista do ano". Se sua intenção era fazer com que o filme passasse em brancas nuvens pelo público menos informado, ele merece os parabéns. Por detrás desse ridículo título genérico, no entanto, esconde-se uma comédia que, se não é capaz de arrancar gargalhas histéricas, ao menos é interessante o suficiente para manter o interesse do espectador até seu final inacreditável.

Baseado no livro escrito por Steve Mcvicker - e que é uma história verdadeira - o filme, dirigido pela dupla de estreantes John Requa e Glenn Ficarra é estrelado por Jim Carrey, mas passa longe das bobagens sem nexo que fizeram a glória do ator nos anos 90. Ainda que ele volta e meia surja em cena fazendo as caretas que lhe angariaram tanto fãs quanto detratores, sua atuação está mais discreta do quem em seu filme anterior, "Sim, senhor". Mas não esperem uma interpretação delicada e melancólica como a apresentada por ele em "Brilho eterno de uma mente sem lembranças Aqui, ele dá vida a um trambiqueiro gay que faz o possível e o impossível para manter o estilo de vida caro e luxuoso que mantém ao lado do homem que ama, o Phillip Morris do título original (interpretado por um McGregor caminhando na tênue linha entre a caricatura e o naturalismo, sem cair nas armadilhas que isso impõe). Funciona como comédia inteligente e até faz rir com alguns absurdos - incrivelmente verdadeiros. Alguns o declararam corajoso (leia-se "fazer papel de gay é um risco..." mas é um exagero. É apenas uma divertida sessão da tarde que nem mesmo os americanos assistiram ainda (existe inclusive a possibilidade de ele ser lançado direto em DVD nos EUA).

Já em "O escritor fantasma", a coisa é mais séria, com menos espaço para brincadeiras. McGregor vive um jovem escritor que recebe a missão de terminar de escrever a biografia de um ex-primeiro ministro britânico (Pierce Brosnan) depois que o primeiro contratado morreu afogado antes do final do trabalho. Convivendo com o carismático político e com sua trupe - que inclui a esposa (Olivia Williams) e uma secretária dedicada (Kim Cattrall) - logo ele descobre que o objeto de seu livro não é tão limpo como parece e que a morte de seu antecessor pode estar ligada a descobertas que ele fez no decorrer das pesquisas. A partir daí, é questão de tempo até passar a ser, ele mesmo, um provável alvo para quem quer esconder alguns segredos.
Dirigido por Roman Polanski e extremamente elogiado pela crítica e baseado em um livro de Robert Harris, o filme cumpre o que promete, entregado ao público uma trama consistente, com um clima apropriado e interpretações bem acima da média. Apesar de seu final um tanto abrupto, é uma prova de que Polanski ainda tem o domínio das técnicas cinematográficas que pareciam ter lhe abandonado depois de coisas como "O último portal".

Em ambos os casos, foi um prazer rever McGregor...

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EM TEU NOME

Posted by Clenio on 19:26 in

O cinema brasileiro, que há anos vem demonstrando um crescimento e um amadurecimento inegáveis ainda tem um grave problema: distribuição. É injusto, pra dizer o mínimo, que filmes como "Se eu fosse você" e "Lula, o filho do Brasil" sejam lançados com tanto alarde e com tantas cópias país afora (a despeito de sua qualidade duvidosa) enquanto obras como "Em teu nome", dirigido por Paulo Nascimento, estream discretamente (quando estream), não dando a oportunidade ao público de conhecê-los e admirá-los. "Em teu nome" é um belo filme, feito com coração, sentimento e emoção, ainda que em nenhum momento descuide da técnica e do que ela pode oferecer.

Baseado em uma história real, o filme começa em 1970, quando o jovem estudante de engenharia Boni (Leonardo Machado, merecidamente premiado como melhor ator no Festival de Gramado de 2009) ingressa na luta armada contra a ditadura brasileira. Mesmo tendo dúvidas a respeito da eficácia dos métodos de seu grupo revolucionário, no entanto, ele passa a participar de ações cada vez mais perigosas. Preso, torturado e mais tarde exilado no Chile, ele passa por todas as situações dramáticas da época, sem nunca deixar de ter a paixão pela causa e pela esposa, Cecilia (Fernanda Moro).

Empolgante como drama político - ainda que não apresente maiores novidades ao tema - e emocionante como história humana, "Em teu nome" se privilegia de algumas qualidades berrantes: a fotografia de Roberto Laguna e a trilha sonora de André Trento são parte essencial da narrativa do diretor, estando bem acima da média dos produtos nacionais (especialmente quando se trata de um filme de orçamento menor do que os "Chico Xavier" da vida). Mas é em seu elenco que o filme tem seus maiores trunfos: Nelson Diniz como Professor, o líder do grupo revolucionário de Boni e Silvia Buarque como Lenora (uma integrante do time) estão econômicos, discretos e eficientes como sempre. E apesar de muitas vezes contracenar com uma péssima Fernanda Moro, Leonardo Machado entrega-se de corpo e alma a sua personagem, apresentando uma das atuações mais admiráveis do cinema nacional dos últimos anos. O Kikito em 2009 apenas reitera o que qualquer espectador do filme constata logo de cara: Machado tem carisma, inteligência e talento suficientes pra tornar-se um dos grandes nomes do nosso cinema. E "Em teu nome" é um excepcional cartão de visitas.

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NO PRESSURE OVER CAPPUCCINO

Posted by Clenio on 15:31 in ,


Para Tulio, que entende meu ponto de vista

Eu não sou uma pessoa moderada. Não adianta, não sou. Em nada. Em nenhum aspecto da minha vida eu sou água morna. Sigo praticamente à risca a frase magistral de William Blake que diz "O caminho do excesso conduz ao palácio da sabedoria". Não tenho a menor ideia se estou me tornando mais sábio sendo tão intenso em tudo que sinto, mas pelo menos não tenho vergonha de me olhar no espelho quando vou fazer a barba. Há pessoas que dormem tranquilas porque levam vidas tranquilas. Eu prefiro noites mal dormidas desde que bem aproveitadas - física, psicologica ou intelectualmente falando.

Não consigo entender gente "fogo-brando". Pessoas incapazes de grandes alegrias ou maiores tristezas me irritam, pra dizer o mínimo. Gente que não canta músicas bregas quando está apaixonado ou chora lágrimas de sangue quando está sofrendo - pela causa que for - me causam desprezo. Esse tipo de gente não conhece a definição da palavra "auge" porque nunca estiveram no auge de nada. Nunca torceram desesperadamente por um time de futebol, nem odiaram a vilã da novela das oito. Nunca pensaram em ficar o resto da vida com alguém. Nunca sentiram ciúmes, nem nunca passou pela sua cabeça cometer um assassinato. Nelson Rodrigues dizia que pouco amor não é amor. Assino embaixo.

Jamais me peçam para ser razoável. Quando eu gosto de alguém, eu gosto muito. Quando não gosto, eu odeio (ou desprezo, o que às vezes é muito mais divertido...) Não acho um filme "legal" ou "mais ou menos": é genial ou uma porcaria. Não consigo separar um artista de sua obra (sei que é errado, mas depois de muito tentar cheguei à conclusão que não está em mim esse discernimento). Não tente me convencer a gostar de Scarlett Johansson, porque ela magoou Alanis Morissete e sou adepto da máxima "fez pra ela, fez pra mim..." Não apenas torço pelo Internacional: eu ODEIO o Grêmio. Não me considere um namorado legal: eu quero ser um amante ardente, um companheiro leal e a pessoa mais importante da sua vida. E nem tente não corresponder a essas minhas expectativas: meu imenso amor pode se transformar em ódio num piscar de olhos.

Eu sei que muita intensidade assusta a pessoas que não tem essa mesma tendência. Sei que é mais fácil lidar com pessoas que levam a vida em ponto morto, mas devo confessar que pessoas com esse grau de mediocridade me cansam facilmente. Entendo que viver eternamente com a adrenalina em alta deve cansar um pouco, mas será que não é mais cansativo ficar contemplando um lago parado? Não quero uma vida cheia de sobressaltos, mas surpresas positivas são e sempre serão bem-vindas. Pessoas que não gostam de desafios, que não gostam de se arriscar, que tem medo de sofrer não merecem perdão, como tão bem cantou Vinícius de Moraes. Uma vida sem paixão é como cerveja sem álcool, capuccino sem espuma, balada gay sem Madonna, Oscar sem injustiça. Uma vida sem paixão nem vida é!

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O PROFETA

Posted by Clenio on 22:03 in

Não costumo utilizar muito a palavra "obra-prima", principalmente ao me referir a filmes feitos nos últimos anos, onde a criatividade e a ousadia parecem ingredientes cada vez mais raros. Sintomaticamente, as últimas vezes em que ela me veio à cabeça em relação à cinema foi graças a produções off-Hollywood - ou pelo menos que fogem do padrão idiotizado que o cinema americano vem adotando como regra há um bom tempo. Sendo assim, não tenho medo de utilizá-la ao referir-me a "O profeta", uma pérola vinda da França que foi indicado ao Oscar de filme estrangeiro, ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes do ano passado e faturou nada menos do que 9 Cesar (o Oscar francês), além de ter concorrido em outras 4 categorias. Poucas vezes o cinema recente foi capaz de mostrar um filme tão consistente e surpreendente quanto este, que, a despeito de suas duas horas e meia de duração mantém o interesse da plateia aceso do seu início avassalador até seu final sutil e extremamente inteligente.

O claustrofóbico roteiro co-escrito pelo diretor Jacques Audiard se passa em sua maioria esmagadora dentro de um presidío francês, onde vai parar o jovem Malik El Djebena (Tahar Rahim). Com 19 anos e semi-analfabeto, o rapaz é condenado a seis anos de prisão por agredir um policial. Dentro da cadeia, ele não tarda a perceber que as coisas são bastante parecidas com o que acontece nos reformatórios onde passou boa parte da vida. Procurado pelo italiano Cesar Luciani (Neils Arestrup), ele se vê obrigado a assassinar um desafeto do poderoso manda-chuva do presídio, para assim ficar sob sua proteção. No entanto, devido a sua origem árabe, nunca é visto como mais que um empregadinho, que realiza as tarefas mais insignificantes do grupo de carcamanos. Tudo começa a mudar quando, ao perceber a solidão de Luciani, ele espertamente passa a ser seu braço-direito, utilizando inclusive seu direito à saídas do aprisionamento para resolver os problemas do chefe. Aos poucos, depois de estudar e observar o que acontece à sua volta, Malik começa a fazer suas próprias jogadas, ambicionando um poder que a vida honesta não é capaz de proporcionar-lhe.

O que mais surpreende em "O profeta" é sua total falta de medo em ser violento e amoral. Mesmo sabendo que Malik não é um homem honesto - pelo menos na concepção mais convencional do termo - é impossível à plateia deixar de torcer por ele, talvez porque de certa forma ele é uma espécie de vira-lata, um Davi tentando se impor contra um Golias truculento e impiedoso (que tanto pode ser o italiano quanto a própria sociedade preconceituosa e racista que ele conhece). Há pelo menos duas sequências impressionantes de uma violência quase inacreditável para aqueles acostumados com a sanguinolência de papel que Hollywood oferece a cada semana: o primeiro assassinato cometido por Malik com uma gilete e a quase chacina - perto do final - onde tiros são realmente ouvidos e sentidos como tiros por uma audiência boquiaberta e silenciosa. É mérito do diretor, inclusive, fazer com que Malik não se torne uma máquina assassina fria e sem compaixão no decorrer do filme. Mesmo com toda a violência que o cerca, ele sabe ser carinhoso, leal e amoroso, além de nunca deixar pra trás a lembrança traumática de seu primeiro homicídio.

Mas a genialidade do roteiro, da direção e da edição primorosa seriam inúteis sem a atuação do protagonista Tahar Rahim. Em uma interpretação desconcertante, ele consegue transmitir toda a vasta gama de emoções de sua complexa personagem com uma segurança admirável, dizendo com o olhar muito mais do que dezenas de Bens Afflecks tentam dizer com horas de discursos verborrágicos. Sem medo de entregar-se a cenas angustiantes e chocantes, ele mostra que seu Cesar de melhor ator não foi absolutamente imerecido. Um filme imperdível!

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NÓS JÁ FICAMOS ANTES... NÃO LEMBRA???

Posted by Clenio on 20:35 in

A festa está muito boa. Boa música, cerveja gelada, temperatura ambiente adequada, espaço pra dançar. E amigos divertidos, porque sem eles não é a mesma coisa. O rapaz está disposto a se divertir até o amanhecer: folga no domingo - coisa rara - e a necessidade premente de esquecer os contratempos que a vida vinha lhe oferecendo de maneira sistemática. Sendo assim, dá-lhe cerveja - nada de misturar fermentados com destilados, as experiências anteriores nesse sentido já lhe haviam alertado para os males subsequentes desse ato impensado. O tempo vai passando. Lá está aquele cara lindo que estava no teatro assistindo "Terça insana" e que é o sonho máximo de consumo do rapaz - pelo menos até que ele descubra que não existe nada ali além de um belo corpo e um charme indescritível. Lá está, dançando alucinadamente, um rapazinho bastante interessante - e é fato quase comprovado cientificamente que quem dança bem faz outras coisas mais excitantes com igual talento. Lá está uma gracinha que parece com o ator principal de "500 dias com ela" - e, segundo a melhor amiga do rapaz, parecido também com aquele que é o grande amor da sua vida (mas isso ela só dirá na segunda-feira, a caminho da aula de teatro...) É definitivamente uma possibilidade bastante interessante mas o nível etílico lhe faz quase cair e isso, definitivamente, não empolga nosso herói.

Aos poucos os amigos vão indo embora. A noite já não é mais uma criança - talvez uma adolescente que adora encher a cara. A música continua ótima. Agora já é possível vislumbrar a pista inteira e perceber realmente quem está na festa. O rapaz se encosta em uma das paredes do fundo da pista, com o objetivo de tomar o copo imenso de cerveja que tem em mãos. E é aí que ele vê um outro rapaz, que lhe cumprimenta sorridente e se aproxima. Nosso protagonista o examina cuidadosamente e gosta do que vê: belo sorriso, altura apropriada, um corpo sem excessos... Os dois começam um papo. Conversa vai, conversa vem... e acontece o esperado. Um beijo. Bom, sem aquela pressa que arruina tudo mas também sem a lerdeza característica daqueles que se consideram românticos e são apenas sem graça. O rapaz se empolga, a música continua boa e a cerveja já não está mais no copo e sim em sua corrente sanguínea. E aí as coisas começam a parecer um episódio de "Sex and the city", com nosso protagonista assumindo o papel da devoradora Samantha Jones. O belo sorriso fala, boca com boca:

- E o teatro? Ainda fazendo?
- Ué, eu te falei que eu faço teatro?
- Hoje não... Falou quando a gente se conheceu, há alguns meses.

Bastaram essas poucas linhas de diálogo pra todo o álcool que corria por entre as veias do rapaz simplesmente evaporar.

- Nós já nos conhecemos?
- Sim, ficamos juntos há alguns meses. Você estava com a camiseta de um time de futebol, acompanhado de um amigo. Tenho o seu telefone aqui, no meu celular.

O rapaz olha estarrecido para o seu número estampado na agenda do belo sorriso. É o número novo, o que significa que a noite a que seu novo/antigo ficante estava se referindo não devia fazer mais do que cinco meses. No entanto, o rapaz não tem a menor ideia de com quem está lidando. O belo sorriso continua falando, explicando seu silêncio por esse tempo - entre as razões existe aquele velho trauma do rapaz, chamado pela ciência de "ex-namorado" - mas nosso amigo só consegue passar em uma revista apressada seu arquivo visual, de nomes, rostos e corpos pelos quais passou nos últimos 150 dias. E nada vem à cabeça.

- Você deve estar estranhando porque estou sem barba, hoje.

Barba!!! Uma pista! O rapaz tenta visualizar uma barba em torno daquele belo sorriso, mas nada acontece. E nesse exato momento percebe que aquele que dança enlouquecidamente não para de lhe encarar. Pra variar isso só acontece depois que ele está acompanhado. Seu pensamento agora divide-se entre tentar lembrar detalhes de sua noite com o belo sorriso e decidir se toma alguma atitude em relação ao Nijinski de subúrbio que não para de olhar-lhe.

Toma então, uma decisão: dá um último beijo no belo sorriso (como é que ele pôde esquecer um beijo daqueles, tão tecnicamente perfeito?? Talvez por ser apenas técnico... mas não é uma época propícia para definições na vida do rapaz, que está disposto a deixar seu romantismo para quando assistir aos filmes baseados nos livros de Nicholas Sparks). Dá um último beijo e vai embora. O belo sorriso tem seu número (há meses, segundo parece) e se quiser, sabe como lhe encontrar. O dançarino... perdeu a chance de conhecê-lo...

E a noite está simpática. Faz frio, uma garoa chata cai... mas nosso amigo só quer saber de sua cama e de uma boa noite de sono. Sua memória já começou a pregar-lhe peças...

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