3

O PROFETA

Posted by Clenio on 22:03 in

Não costumo utilizar muito a palavra "obra-prima", principalmente ao me referir a filmes feitos nos últimos anos, onde a criatividade e a ousadia parecem ingredientes cada vez mais raros. Sintomaticamente, as últimas vezes em que ela me veio à cabeça em relação à cinema foi graças a produções off-Hollywood - ou pelo menos que fogem do padrão idiotizado que o cinema americano vem adotando como regra há um bom tempo. Sendo assim, não tenho medo de utilizá-la ao referir-me a "O profeta", uma pérola vinda da França que foi indicado ao Oscar de filme estrangeiro, ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes do ano passado e faturou nada menos do que 9 Cesar (o Oscar francês), além de ter concorrido em outras 4 categorias. Poucas vezes o cinema recente foi capaz de mostrar um filme tão consistente e surpreendente quanto este, que, a despeito de suas duas horas e meia de duração mantém o interesse da plateia aceso do seu início avassalador até seu final sutil e extremamente inteligente.

O claustrofóbico roteiro co-escrito pelo diretor Jacques Audiard se passa em sua maioria esmagadora dentro de um presidío francês, onde vai parar o jovem Malik El Djebena (Tahar Rahim). Com 19 anos e semi-analfabeto, o rapaz é condenado a seis anos de prisão por agredir um policial. Dentro da cadeia, ele não tarda a perceber que as coisas são bastante parecidas com o que acontece nos reformatórios onde passou boa parte da vida. Procurado pelo italiano Cesar Luciani (Neils Arestrup), ele se vê obrigado a assassinar um desafeto do poderoso manda-chuva do presídio, para assim ficar sob sua proteção. No entanto, devido a sua origem árabe, nunca é visto como mais que um empregadinho, que realiza as tarefas mais insignificantes do grupo de carcamanos. Tudo começa a mudar quando, ao perceber a solidão de Luciani, ele espertamente passa a ser seu braço-direito, utilizando inclusive seu direito à saídas do aprisionamento para resolver os problemas do chefe. Aos poucos, depois de estudar e observar o que acontece à sua volta, Malik começa a fazer suas próprias jogadas, ambicionando um poder que a vida honesta não é capaz de proporcionar-lhe.

O que mais surpreende em "O profeta" é sua total falta de medo em ser violento e amoral. Mesmo sabendo que Malik não é um homem honesto - pelo menos na concepção mais convencional do termo - é impossível à plateia deixar de torcer por ele, talvez porque de certa forma ele é uma espécie de vira-lata, um Davi tentando se impor contra um Golias truculento e impiedoso (que tanto pode ser o italiano quanto a própria sociedade preconceituosa e racista que ele conhece). Há pelo menos duas sequências impressionantes de uma violência quase inacreditável para aqueles acostumados com a sanguinolência de papel que Hollywood oferece a cada semana: o primeiro assassinato cometido por Malik com uma gilete e a quase chacina - perto do final - onde tiros são realmente ouvidos e sentidos como tiros por uma audiência boquiaberta e silenciosa. É mérito do diretor, inclusive, fazer com que Malik não se torne uma máquina assassina fria e sem compaixão no decorrer do filme. Mesmo com toda a violência que o cerca, ele sabe ser carinhoso, leal e amoroso, além de nunca deixar pra trás a lembrança traumática de seu primeiro homicídio.

Mas a genialidade do roteiro, da direção e da edição primorosa seriam inúteis sem a atuação do protagonista Tahar Rahim. Em uma interpretação desconcertante, ele consegue transmitir toda a vasta gama de emoções de sua complexa personagem com uma segurança admirável, dizendo com o olhar muito mais do que dezenas de Bens Afflecks tentam dizer com horas de discursos verborrágicos. Sem medo de entregar-se a cenas angustiantes e chocantes, ele mostra que seu Cesar de melhor ator não foi absolutamente imerecido. Um filme imperdível!

|

3 Comments


Oi Clênio!
Não vi "O profeta" mas dentre os detalhes que vc escreveu, me interessou bastante.
Gosto de trabalhos assim, que as vezes tem tudo para "ser mais um" mas que nos causam um impacto singular.

Ótima semana, abraços!


Este blog é incrível. Adoro.


Clênio,

seu gosto pelo cinema é estupendo.

Melhor resenha que li sobre este filme.

Audiard pode ser o novo Truffaut.

Abs,
Rodrigo

Copyright © 2009 Lennys' Mind All rights reserved. Theme by Laptop Geek. | Bloggerized by FalconHive. Distribuído por Templates