EU ME LEMBRO...
Ultimamente, sem nenhuma razão aparente, venho me surpreendendo pensando na minha infância. Quando menos espero me surge uma memória dos meus "anos inocentes", seja ela olfativa, ou sonora, ou simplesmente emotiva.
Lembro do nariz gelado da minha mãe nas noites de inverno, quando ela vinha me cobrir e me dar um beijo de boa-noite. Lembro do gosto dos pasteis feitos no clube onde meu pai me levava, e a meus irmãos, em todas as terças e quintas-feiras. Lembro de ter medo do lobisomem de "Saramandaia". Lembro do cheiro bom do carreteiro da tia Nilza, que ninguém consegue fazer igual.
Recordo como se tivesse comido ontem o gosto dos churros vendidos na beira da praia em Pinhal. Recordo de brincadeiras bizarras com irmãos, primos e amigos. Tento entender como dormiam 3 crianças de personalidades diferentes em um quarto onde hoje uma pessoa ocupa todo o espaço. Recordo nitidamente do cheiro que tinha minha sala de aula no jardim de infância, assim como lembro também dos colegas que nunca mais vi e dos quais tenho notícias apenas esporadicamente.
Me vem à cabeça com extremo grau de detalhismo cada peça da primeira casa onde morei (e que eu achava enorme apesar das negativas da minha mãe). Lembro da árvore com quem conversava longamente antes que ela fosse derrubada para a construção de uma estatal (sim, eu conversava com uma árvore, José Mauro de Vasconcellos me entenderia...) Lembro de um colega de aula que um dia, durante uma pausa nas brincadeiras me disse que eu era seu melhor amigo (e que o tempo e outros acontecimentos afastaram de mim).
Lembro dos Natais com toda a família reunida (tios, tias, primos, primas e muita, muita gente) e de como eles eram melhores porque menos tristes e mais festivos. Lembro das aulas de catequese com uma irmã com o dedo pela metade (e vítima do ódio de todos os alunos). Lembro da ocasião em que fiquei sem recreio por não saber a tabuada do 6 (hoje é a que eu mais sei, só de raiva...) E lembro também do Pedro, um gato que tínhamos que morreu depois de perder os movimentos das patas traseiras devido a um acidente.
Lembro da minha pasta escolar com desenhos do Barbapapa (meu Deus, eu lembro DISSO!!!). Também tinha uma vermelha com a Branca de Neve e os sete anões desenhados. E lembro que eu tinha um boneco de estimação que não tinha a cabeça e que eu chamava de Bunda Roxa. Lembro que assistia ao "Sítio do picapau amarelo" bem sentado no sofá, comendo bolacha Maria com leite.
Lembro dos escândalos que eu fazia sempre que precisava arrancar um dente-de-leite ou que era obrigado a lavar a cabeça (crianças!!!!) Lembro do cheiro de um casaco de couro do meu pai e das figurinhas que ele colecionava com mais entusiasmo que nós. E lembro do cheiro bom da acetona com que minha mãe tirava o esmalte das unhas. E, confesso que até hoje gosto do cheiro de gasolina que sempre me lembra das viagens que fazíamos, a família toda reunida (mesmo que tivéssemos que ouvir uma estação de rádio insuportavelmente monocórdia durante os longos quilômetros que nos separavam do nosso destino).
Eu lembro do cheiro das piscinas do clube que frequentávamos e da sensação de deixar entrar água com cloro através do nariz. Da sensação de acordar nas manhãs de Páscoa sabendo que teria que procurar os ovos espalhados pela casa. E do aroma dos livros de Nelson Rodrigues que ficavam escondidos dos alunos na biblioteca da escola. Aliás, do cheiro e do silêncio confortador da biblioteca que eu amava. E como não lembrar também de tudo que representava o imenso auditório da mesma escola e do burburinho dos alunos nas manhãs de apresentações? E do gosto do pão com molho servido na cantina?
Memórias são estranhas. Se eu tentar recordar do que comi ontem teria que fazer esforço (lembrei, pizza...) Mas essas lembranças que trago de uma infância feliz, saudável e amorosa me surgem sempre que existe a ameaça de eu esquecer de que tive muita sorte na minha vida...