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OS SUSPEITOS

Posted by Clenio on 21:10 in
Realizar um filme de gênero é sempre um desafio para um grande diretor: é preciso jogar com os elementos clássicos de forma inteligente, de maneira a prender a atenção de um público mal-acostumado com os clichês e ainda assim imprimir uma marca que o distingua de dezenas de outros lançamentos. Para sorte dos cinéfilos, vários mestres conseguiram esse feito: Pedro Almodovar fez isso magistralmente em "Má educação". David Fincher também, em "Zodíaco". Scorsese idem, em "A época da inocência" e Woody Allen em "Match point". A lista, agora, tem um novo nome: Dennis Villeneuve, o canadense do sublime "Incêndios" (2010). Seu "Os suspeitos" foge da simples definição de filme policial para transformar-se, em suas mãos, em um sério e claustrofóbico estudo sobre a culpa, a justiça pelas próprias mãos e o sentimento de perda.

O título original - "Prisioners" - pra variar tem muito mais camadas do que a tradução preguiçosa escolhida pela distribuidora, que já havia batizado outro grande filme, dirigido por Bryan Singer em 1995 e que deu o primeiro Oscar a Kevin Spacey. No filme de Villeneuve, os protagonistas são realmente prisioneiros, cada um a seu modo, das consequências do desaparecimento de duas meninas no feriado de Ação de Graças em Boston. O pai de uma delas, Keller Dover (Hugh Jackman) parte em uma busca obsessiva por seu paradeiro, que ele julga ser de conhecimento de Alex Jones (Paul Dano), um rapaz com problemas mentais visto nas redondezas do rapto. O policial Locki (Jake Gyllenhaal), encarregado do caso, sente-se em dívida de honra com o desesperado pai, especialmente quando o principal suspeito é liberado apesar de sua promessa de mantê-lo sob vigilância. E, logicamente, as duas famílias também estão aprisionadas à dúvida sobre a vida ou morte de suas crianças.

Os desdobramentos da trama, criada pelo roteirista Aaron Guzikowski, não valem a pena ser mencionados, sob pena de estragar a diversão - se é que "diversão" é o adjetivo adequado a um filme que mantém a tensão da plateia à flor da pele. No pleno domínio de seu trabalho como cineasta, Villeneuve constroi um suspense crescente, espalhando pistas sobre a resolução do caso (quase simplista, mas coerente) pelas cenas, dirigidas com economia de movimentos de câmera e atenção redobrada aos detalhes. A fotografia úmida e noir do mestre Roger Deakins colabora para o tom sombrio da narrativa, que não dá espaço para momentos desnecessários (e o faz com tanta competência que as duas horas e meia passam sem que se perceba). O roteiro segue o padrão que todos conhecem - o crime, a investigação, as pistas falsas, o clímax, o desenlace - mas o faz com uma propriedade ímpar, que faz com que tudo soe como novidade aos olhos da plateia, principalmente por dar uma importância rara às consequências dramáticas dos atos de seus personagens.

Ao contrário da maioria dos filmes policiais, onde os personagens existem somente para empurrar a história, em "Os suspeitos" é a história que empurra os personagens. Interessa a Villeneuve, cineasta com um olho cuidadoso para as mazelas do ser humano, mais a violência psicológica que se passa no subterrâneo da mente de Dover, Jones e Locki do que a violência física que porventura possa estar ocorrendo no cativeiro das meninas sequestradas. É a forma com que o pai angustiado e o policial dedicado lidam com o caso que eleva o filme a um patamar acima de seus congêneres, e para tal conta com um elenco brilhante, liderado por Hugh Jackman na melhor atuação de sua carreira - muito superior à sua interpretação indicada ao Oscar pelo modorrento "Os miseráveis" - e Jake Gyllenhaal, que constrói seu Locki com uma expressão corporal sutil e eficaz. O cada vez melhor Paul Dano e a oscarizada Melissa Leo também tem interpretações de destaque, em papéis que exploram a contento suas melhores qualidades.

Forte, intenso e digno de figurar entre os indicados ao próximo Oscar - o que infelizmente não deve ocorrer, haja visto sua ausência nas listas divulgadas até o momento - "Os suspeitos" é uma estreia alvissareira do diretor Dennis Villeneuve em Hollywood. Que se mantenha assim.

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