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PONTE DOS ESPIÕES
Posted by Clenio
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18:13
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CINEMA 2016
A última vez em que Steven Spielberg esteve sentado na cadeira de diretor foi quando contou a história de um dos mais admirados presidentes norte-americanos, em "Lincoln" (12), que agradou à crítica, deu o terceiro Oscar de melhor ator à Daniel Day-Lewis mas escorregava implacavelmente em uma narrativa arrastada que nem mesmo sua produção caprichada e a importância histórica conseguiam disfarçar. Por isso, não deixa de ser um alívio perceber, em "Ponte dos espiões", que o cineasta responsável por obras seminais da indústria do entretenimento - "Tubarão", "Contatos imediatos de terceiro grau", "E.T., o extra-terrestre", "Jurassic Park, parque dos dinossauros" e a tetralogia Indiana Jones - e filmes de rigor artístico impecáveis - "A cor púrpura", "Império do sol", "A lista de Schindler", "O resgate do soldado Ryan" - ainda existe e tem pleno domínio de seu ofício. Baseada em fatos reais ocorridos no auge da Guerra Fria, a quarta colaboração entre Spielberg e o ator Tom Hanks está concorrendo a seis estatuetas do Oscar (incluindo melhor filme, roteiro original e ator coadjuvante), mas, diante do favoritismo de "O regresso" e "Mad Max: estrada da fúria" tem poucas chances de sagrar-se vencedor. Uma pena, já que é o melhor trabalho do diretor desde o impecável "Munique", lançado em 2005.
A trama começa em 1957, quando a CIA prende, sob suspeita de espionagem pró-Rússia, o misterioso e calado Rudolf Abel (o magnífico ator inglês Mark Rylance, candidato ao Oscar de coadjuvante). Os EUA não tem a menor dúvida a respeito de sua culpa, mas, para não soarem inclementes, resolvem dar-lhe um "julgamento justo" - leia-se um teatro com veredicto já definido antes mesmo do início dos trabalhos. O advogado escolhido para defendê-lo é James Donovan (Tom Hanks), que foi promotor durante os julgamentos em Nuremberg mas nunca mais praticou Direito Penal. Mesmo contra a vontade da família - e sendo alvo da ira de quem considera Abel um traidor repulsivo - Donovan aceita o caso e, ciente de seus deveres como defensor, se empenha ao máximo para conseguir que seu cliente escape da pena de morte (já que sabe que, independente de seus esforços, jamais conseguirá um veredicto de inocência). As coisas se complicam quando um piloto americano, em missão secreta, tem seu avião abatido e é preso na União Soviética. Donovan, então, é escalado para propor aos inimigos a troca entre os dois homens - negociação que sofre uma nova reviravolta quando outro americano, em intercâmbio na Alemanha recém-dividida, também é preso e vê sua liberdade depender da boa-vontade de seus captores em aceitar Abel como moeda de troca.
O roteiro, digno de um romance de John LeCarré - e co-escrito pelos irmãos Coen e Matt Charman - é um achado. Sério e inteligente, vai envolvendo o espectador aos poucos, oferecendo ao público diálogos ricos e personagens de uma complexidade dramática que permitem a seus atores que brilhem mesmo sem que para isso seja necessário mais do que silêncios significativos, olhares expressivos e duelos constantes de interpretações - em especial entre Hanks (mais uma vez mostrando o excelente ator que sempre foi apesar de seu rosto de bom-moço) e Mark Rylance (ator pouco conhecido que tem aqui a chance de ser descoberto pelo público da mesma forma que o foi Ralph Fiennes depois de sua colaboração com Spielberg em "A lista de Schindler"). Dividindo sua narrativa em dois atos distintos - o segundo começando com a captura do soldado americano logo após a condenação de Abel pelos tribunais - o diretor imprime ritmos opostos a cada um deles, substituindo a urgência da primeira hora pelo suspense inerente à burocracia e à tensão dos salões russos e alemães de sua segunda metade. Amparado pela trilha sonora discreta de Thomas Newman (no primeiro filme do diretor sem John Williams desde "A cor púrpura", de 1985) e por uma reconstituição de época impecável, "Ponte dos espiões" se sustenta como um thriller de espionagem à moda antiga, sem as pirotecnias pós-modernas de Jason Bourne ou James Bond. As armas utilizadas aqui são o cérebro e a emoção - dois ingredientes que Spielberg sempre soube dosar com maestria em sua vitoriosa carreira.
Com uma fotografia espetacular (mais uma vez) de Janusz Kaminski, injustamente esquecida pela Academia, "Ponte dos espiões" consegue até mesmo escapar da tradicional pitada de patriotismo que Spielberg sempre acrescenta a seus filmes. Mesmo que vez por outra ele não resista a mostrar uma certa superioridade da democracia norte-americana em relação aos problemas políticos da Alemanha pós-II Guerra (em especial nos momentos finais), é impossível deixar de notar uma crítica bem contundente à maneira com que o julgamento de Abel foi realizado e ao jogo de interesses nos bastidores do poder - uma dualidade que Tom Hanks tira de letra com sua imensa capacidade de conquistar a simpatia do espectador sem fazer muito esforço. Basta que ele entre em cena para que a plateia saiba, sem sombra de dúvidas, para que lado torcer: um trunfo a mais em um filme de enormes qualidades e que merecia não só estar entre os favoritos ao Oscar (Spielberg ter sido deixado de lado para a inclusão de Lenny Abrahmson, de "O quarto de Jack", chega a ser um insulto) como ter tido mais sorte nas bilheterias (rendeu pouco mais de 70 milhões de dólares no mercado doméstico, o que não chega a ser um fracasso, já que custou apenas 40 milhões, mas também não faz dele um sucesso). É, indiscutivelmente, um dos melhores filmes da temporada, ao menos para quem procura cinema de qualidade e não apenas produções superestimadas e ocas.
A trama começa em 1957, quando a CIA prende, sob suspeita de espionagem pró-Rússia, o misterioso e calado Rudolf Abel (o magnífico ator inglês Mark Rylance, candidato ao Oscar de coadjuvante). Os EUA não tem a menor dúvida a respeito de sua culpa, mas, para não soarem inclementes, resolvem dar-lhe um "julgamento justo" - leia-se um teatro com veredicto já definido antes mesmo do início dos trabalhos. O advogado escolhido para defendê-lo é James Donovan (Tom Hanks), que foi promotor durante os julgamentos em Nuremberg mas nunca mais praticou Direito Penal. Mesmo contra a vontade da família - e sendo alvo da ira de quem considera Abel um traidor repulsivo - Donovan aceita o caso e, ciente de seus deveres como defensor, se empenha ao máximo para conseguir que seu cliente escape da pena de morte (já que sabe que, independente de seus esforços, jamais conseguirá um veredicto de inocência). As coisas se complicam quando um piloto americano, em missão secreta, tem seu avião abatido e é preso na União Soviética. Donovan, então, é escalado para propor aos inimigos a troca entre os dois homens - negociação que sofre uma nova reviravolta quando outro americano, em intercâmbio na Alemanha recém-dividida, também é preso e vê sua liberdade depender da boa-vontade de seus captores em aceitar Abel como moeda de troca.
O roteiro, digno de um romance de John LeCarré - e co-escrito pelos irmãos Coen e Matt Charman - é um achado. Sério e inteligente, vai envolvendo o espectador aos poucos, oferecendo ao público diálogos ricos e personagens de uma complexidade dramática que permitem a seus atores que brilhem mesmo sem que para isso seja necessário mais do que silêncios significativos, olhares expressivos e duelos constantes de interpretações - em especial entre Hanks (mais uma vez mostrando o excelente ator que sempre foi apesar de seu rosto de bom-moço) e Mark Rylance (ator pouco conhecido que tem aqui a chance de ser descoberto pelo público da mesma forma que o foi Ralph Fiennes depois de sua colaboração com Spielberg em "A lista de Schindler"). Dividindo sua narrativa em dois atos distintos - o segundo começando com a captura do soldado americano logo após a condenação de Abel pelos tribunais - o diretor imprime ritmos opostos a cada um deles, substituindo a urgência da primeira hora pelo suspense inerente à burocracia e à tensão dos salões russos e alemães de sua segunda metade. Amparado pela trilha sonora discreta de Thomas Newman (no primeiro filme do diretor sem John Williams desde "A cor púrpura", de 1985) e por uma reconstituição de época impecável, "Ponte dos espiões" se sustenta como um thriller de espionagem à moda antiga, sem as pirotecnias pós-modernas de Jason Bourne ou James Bond. As armas utilizadas aqui são o cérebro e a emoção - dois ingredientes que Spielberg sempre soube dosar com maestria em sua vitoriosa carreira.
Com uma fotografia espetacular (mais uma vez) de Janusz Kaminski, injustamente esquecida pela Academia, "Ponte dos espiões" consegue até mesmo escapar da tradicional pitada de patriotismo que Spielberg sempre acrescenta a seus filmes. Mesmo que vez por outra ele não resista a mostrar uma certa superioridade da democracia norte-americana em relação aos problemas políticos da Alemanha pós-II Guerra (em especial nos momentos finais), é impossível deixar de notar uma crítica bem contundente à maneira com que o julgamento de Abel foi realizado e ao jogo de interesses nos bastidores do poder - uma dualidade que Tom Hanks tira de letra com sua imensa capacidade de conquistar a simpatia do espectador sem fazer muito esforço. Basta que ele entre em cena para que a plateia saiba, sem sombra de dúvidas, para que lado torcer: um trunfo a mais em um filme de enormes qualidades e que merecia não só estar entre os favoritos ao Oscar (Spielberg ter sido deixado de lado para a inclusão de Lenny Abrahmson, de "O quarto de Jack", chega a ser um insulto) como ter tido mais sorte nas bilheterias (rendeu pouco mais de 70 milhões de dólares no mercado doméstico, o que não chega a ser um fracasso, já que custou apenas 40 milhões, mas também não faz dele um sucesso). É, indiscutivelmente, um dos melhores filmes da temporada, ao menos para quem procura cinema de qualidade e não apenas produções superestimadas e ocas.