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NÓS
Posted by Clenio
on
17:08
in
LITERATURA
Conhecido dos leitores principalmente graças ao lírico "Um dia", que virou filme estrelado por Anne Hathaway e Jim Sturgess em 2011, o inglês David Nicholls tem uma formação em teatro, televisão e cinema, o que explica a maneira fluida e ágil de sua narrativa, que seduz o leitor pela construção bem-humorada e sensível de seus personagens - invariavelmente pessoas normais, com problemas e alegrias banais que se tornam maiores que a vida graças ao verniz de carinho e compaixão com que ele as reveste. Seguindo a trilha aberta pelo conterrâneo Nick Hornby nos anos 90 - uma mistura acertada entre cultura pop contemporânea, histórias leves mas nunca rasas e um olhar atento às grandezas e mesquinharias do ser humano - Nicholls chega agora à sua quarta obra publicada no Brasil, novamente pela editora Intrínseca. "Nós" apresenta mais uma vez todas as qualidades de suas obras anteriores, e ainda convida o leitor a embarcar em uma jornada cultural por uma Europa que, mais que mero cenário, é um reflexo dos altos e baixos de uma história de amor e perda capaz de ressoar a qualquer um que já tenha se apaixonado na vida.
Em uma escrita que praticamente obriga o leitor a imaginar um filme em sua mente, David Nicholls apresenta logo em seu curto e preciso primeiro capítulo o dilema que irá atravessar toda a trama de seu novo livro: o bioquímico Douglas Petersen é acordado no meio da madrugada por sua esposa Connie, com quem vive há mais de vinte e cinco anos, para receber a notícia de ela "acha que quer se separar" - uma notícia melhor do que assaltantes invadindo sua casa, certamente, mas chocante o bastante para que ele passe a considerar a viagem à Europa programada pela família - completada pelo irascível adolescente Albie, em vias de começar a faculdade - como sua grande chance de mudar o jogo. Enquanto Connie vê as férias como a possibilidade de apresentar ao filho fotógrafo as grandes obras de arte expostas no museu do Velho Mundo (apesar do desinteresse explícito do rapaz), Douglas se agarra a elas como a uma tábua de salvação. Longe de sua rotina e das prováveis causas da frustração de sua esposa - por quem é ainda loucamente apaixonado - ele acredita cegamente que tudo poderá mudar e, para isso, inicia uma incansável jornada pessoal para reconquistá-la e ao amor de seu filho, com quem mantém um relacionamento mais distante do que gostaria.
De Paris à Barcelona - passando por Amsterdã, Munique, Veneza, Florença e Madri - Douglas Petersen se mostra dono de um inesgotável e quase patético otimismo, enquanto relembra todo o caminho que percorreu até chegar ao presente e triste momento. Enquanto tenta reconstruir a base de seu casamento (uma relação forjada a momentos de intensa felicidade e dolorosas provas de amor), ele divide com o leitor todos os seus sentimentos de desespero, angústia e medo, sem jamais, porém, perder um senso de humor mordaz e quase melancólico. Deslocado do universo do filho rebelde e ameaçado seriamente de perder para sempre a mulher que ama, ele acaba por se munir de uma força gigantesca para unir os pedaços da família, que parece tão destruída quanto as ruínas do velho continente. E como se não bastasse, até mesmo as obras de arte - cujo significado ele conhece apenas pelos guias impressos que carrega como talismãs - parecem comentar sua via-crúcis, como bizarras e irônicas ilustrações de seus pensamentos mais íntimos.
Divertido e emocionante, terno e sarcástico, profundo e ligeiro, "Nós" confirma, sem sombra de dúvida, o talento de Nicholls em transformar o banal em épico. Sem apelar para clichês piegas e conseguindo até mesmo criar um final surpresa coerente e caloroso, ele mais uma vez conquista pela simplicidade e pela leveza dos sentimentos humanos mais primevos. David Nicholls fala de pessoas, portanto fala de todos nós. Nós, os leitores, agradecemos sorridentes e felizes.
Em uma escrita que praticamente obriga o leitor a imaginar um filme em sua mente, David Nicholls apresenta logo em seu curto e preciso primeiro capítulo o dilema que irá atravessar toda a trama de seu novo livro: o bioquímico Douglas Petersen é acordado no meio da madrugada por sua esposa Connie, com quem vive há mais de vinte e cinco anos, para receber a notícia de ela "acha que quer se separar" - uma notícia melhor do que assaltantes invadindo sua casa, certamente, mas chocante o bastante para que ele passe a considerar a viagem à Europa programada pela família - completada pelo irascível adolescente Albie, em vias de começar a faculdade - como sua grande chance de mudar o jogo. Enquanto Connie vê as férias como a possibilidade de apresentar ao filho fotógrafo as grandes obras de arte expostas no museu do Velho Mundo (apesar do desinteresse explícito do rapaz), Douglas se agarra a elas como a uma tábua de salvação. Longe de sua rotina e das prováveis causas da frustração de sua esposa - por quem é ainda loucamente apaixonado - ele acredita cegamente que tudo poderá mudar e, para isso, inicia uma incansável jornada pessoal para reconquistá-la e ao amor de seu filho, com quem mantém um relacionamento mais distante do que gostaria.
De Paris à Barcelona - passando por Amsterdã, Munique, Veneza, Florença e Madri - Douglas Petersen se mostra dono de um inesgotável e quase patético otimismo, enquanto relembra todo o caminho que percorreu até chegar ao presente e triste momento. Enquanto tenta reconstruir a base de seu casamento (uma relação forjada a momentos de intensa felicidade e dolorosas provas de amor), ele divide com o leitor todos os seus sentimentos de desespero, angústia e medo, sem jamais, porém, perder um senso de humor mordaz e quase melancólico. Deslocado do universo do filho rebelde e ameaçado seriamente de perder para sempre a mulher que ama, ele acaba por se munir de uma força gigantesca para unir os pedaços da família, que parece tão destruída quanto as ruínas do velho continente. E como se não bastasse, até mesmo as obras de arte - cujo significado ele conhece apenas pelos guias impressos que carrega como talismãs - parecem comentar sua via-crúcis, como bizarras e irônicas ilustrações de seus pensamentos mais íntimos.
Divertido e emocionante, terno e sarcástico, profundo e ligeiro, "Nós" confirma, sem sombra de dúvida, o talento de Nicholls em transformar o banal em épico. Sem apelar para clichês piegas e conseguindo até mesmo criar um final surpresa coerente e caloroso, ele mais uma vez conquista pela simplicidade e pela leveza dos sentimentos humanos mais primevos. David Nicholls fala de pessoas, portanto fala de todos nós. Nós, os leitores, agradecemos sorridentes e felizes.