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A BALADA DE ADAM HENRY
Posted by Clenio
on
17:33
in
LITERATURA
De um lado, Fiona Maye, juíza do Tribunal Superior especializada em casos de família e passando por uma grave crise matrimonial às vésperas de completar sessenta anos de idade. De outro, Adam Henry, um adolescente de dezessete anos, diagnosticado com leucemia e impedido pelos pais - testemunhas de Jeová - de receber uma transfusão de sangue que poderá salvar sua vida. Entre eles, dogmas religiosos rígidos, leis nem sempre flexíveis aos novos tempos e a sensação de que não há verdades absolutas na vida - e que cada decisão, por mais dolorosa que pareça, pode deflagrar consequências imprevisíveis. Dotados de extrema sensibilidade e verossimilhança, Fiona e Adam são os protagonistas de "A balada de Adam Henry" (Ed. Companhia das Letras), mais uma emocionante obra do inglês Ian McEwan, já acostumado a brindar os fãs de sua prosa com tramas simples aliadas a personagens complexos e fascinantes. Em menos de 200 páginas, o homem por trás de "Reparação" e "Na praia" e "Amor sem fim" - entre outros romances marcantes e inteligentes - consegue um feito e tanto: tira seus personagens das páginas e os coloca diante do leitor, transcendendo suas limitações como obra de ficção para se que tornem pessoas reais, passíveis de todos os defeitos e qualidades que fazem da raça humana matéria-prima ideal para escritores de talento.
Quando o livro começa, Fiona está sendo abandonada pelo marido, que parte em busca de realização sexual e romântica com uma mulher mais jovem e menos comprometida a mudar o mundo como ela faz em sua profissão. Amargurada com o fim do relacionamento mas dotada de uma mea-culpa que a impede de afundar em depressão, ela dá continuidade à sua rotina, que consiste em dar o veredicto em casos que envolvem frequentemente disputas de guarda de menores, pensões e divórcios complicados. Um caso mais complicado, porém, surge em sua frente quando um hospital londrino entra na justiça para garantir o tratamento de um jovem cuja crença religiosa pode levá-lo à morte. A decisão é difícil: não apenas os pais de Adam Henry apelam para a Bíblia para justificar sua recusa em aceitar a transfusão de sangue que poderá salvar sua vida, mas o próprio paciente insiste em seguir à risca a palavra de Deus que aprendeu desde os primeiros anos de vida. Para tomar uma decisão tão importante, Fiona resolve visitar o rapaz no hospital e surge entre eles uma empatia que ultrapassa os limites do tribunal. E a partir desse primeiro encontro, ambas as vidas passarão por transformações quase radicais.
Ian McEwan não é um escritor que se utiliza de grandes acontecimentos ou grandes viradas em seus romances. Sua inspiração são os sentimentos mais profundos, os pequenos detalhes transformados em turbilhões emocionais, a força que tem origem no medo e no desespero. "A balada de Adam Henry" é norteado por tais características, entremeadas pela música que acompanha Fiona em sua jornada e pela descrição de casos importantes julgados por ela em sua carreira - assim como de outros colegas que dividem com ela a responsabilidade de julgar com imparcialidade os destinos de pessoas desconhecidas e em estado de tensão absoluta. Intercalando longos momentos de introspecção da protagonista com alguns diálogos brilhantes acerca de assuntos tão díspares quanto poesia, vida, religião e direito, McEwan parece não ter dificuldade em seduzir o leitor mesmo quando não faz nada a não ser descrever poeticamente as ruas e edifícios por onde transitam seus personagens. O que em alguns escritores soa como prolixidade, em suas mãos se revela como parte essencial da narrativa, o reflexo da alma dos personagens em sutis metáforas de só mesmo um autor do seu porte é capaz.
"A balada de Adam Henry" pode parecer pequeno a um leitor desavisado e acostumado com calhamaços que muito papel usam e pouco dizem ao intelecto. Mas sua aparência engana muito. É (mais um) grande livro de Ian McEwan, para ler e reler sempre.
Quando o livro começa, Fiona está sendo abandonada pelo marido, que parte em busca de realização sexual e romântica com uma mulher mais jovem e menos comprometida a mudar o mundo como ela faz em sua profissão. Amargurada com o fim do relacionamento mas dotada de uma mea-culpa que a impede de afundar em depressão, ela dá continuidade à sua rotina, que consiste em dar o veredicto em casos que envolvem frequentemente disputas de guarda de menores, pensões e divórcios complicados. Um caso mais complicado, porém, surge em sua frente quando um hospital londrino entra na justiça para garantir o tratamento de um jovem cuja crença religiosa pode levá-lo à morte. A decisão é difícil: não apenas os pais de Adam Henry apelam para a Bíblia para justificar sua recusa em aceitar a transfusão de sangue que poderá salvar sua vida, mas o próprio paciente insiste em seguir à risca a palavra de Deus que aprendeu desde os primeiros anos de vida. Para tomar uma decisão tão importante, Fiona resolve visitar o rapaz no hospital e surge entre eles uma empatia que ultrapassa os limites do tribunal. E a partir desse primeiro encontro, ambas as vidas passarão por transformações quase radicais.
Ian McEwan não é um escritor que se utiliza de grandes acontecimentos ou grandes viradas em seus romances. Sua inspiração são os sentimentos mais profundos, os pequenos detalhes transformados em turbilhões emocionais, a força que tem origem no medo e no desespero. "A balada de Adam Henry" é norteado por tais características, entremeadas pela música que acompanha Fiona em sua jornada e pela descrição de casos importantes julgados por ela em sua carreira - assim como de outros colegas que dividem com ela a responsabilidade de julgar com imparcialidade os destinos de pessoas desconhecidas e em estado de tensão absoluta. Intercalando longos momentos de introspecção da protagonista com alguns diálogos brilhantes acerca de assuntos tão díspares quanto poesia, vida, religião e direito, McEwan parece não ter dificuldade em seduzir o leitor mesmo quando não faz nada a não ser descrever poeticamente as ruas e edifícios por onde transitam seus personagens. O que em alguns escritores soa como prolixidade, em suas mãos se revela como parte essencial da narrativa, o reflexo da alma dos personagens em sutis metáforas de só mesmo um autor do seu porte é capaz.
"A balada de Adam Henry" pode parecer pequeno a um leitor desavisado e acostumado com calhamaços que muito papel usam e pouco dizem ao intelecto. Mas sua aparência engana muito. É (mais um) grande livro de Ian McEwan, para ler e reler sempre.