0

FIM

Posted by Clenio on 21:46 in
Que Fernanda Torres é uma atriz superlativa o mundo todo sabe desde que ela, aos meros 20 aninhos, abocanhou a Palma de Ouro de melhor atriz no Festival de Cannes, pelo filme "Eu sei que vou te amar", de Arnaldo Jabor. O que talvez pouca gente soubesse é que a eterna Vani do seriado "Os Normais" tem também o talento das letras. Não só escreveu o roteiro do filme "Redentor" - dirigido por seu irmão Cláudio - como é colaboradora da Revista Piauí e colunista da Folha de São Paulo e da Veja Rio. Sua estreia como romancista, portanto, não é apenas questão de ego, e sim uma consequência natural. "Fim", publicado pela Companhia das Letras - uma editora que não publica qualquer coisa, como sabe quem é leitor voraz - é um dos mais apaixonantes livros nacionais dos últimos anos, escrito com a inteligência, o senso de humor e uma bem dosada sensação de melancolia que raramente se consegue enxergar em um mercado editorial saturado de obras vazias e escritas com o olho na máquina registradora.


Típico livro que deixa no leitor a vontade quase irresistível de recomeçar a leitura assim que acaba a última página, "Fim" acompanha - como o título sugere - os momentos finais de um grupo de cinco amigos de sessenta e muitos anos que, depois de vidas regadas a muitas farras e aventuras amorosas das mais diversas estirpes, se veem às voltas com a visita nada desejada da senhora da foice. Logicamente, dependendo de sua personalidade, cada um deles lida de maneira diferente com seu destino, mas, em comum, todos aproveitam seus últimos momentos para passar a limpo suas existências. E é aí, nessa estrutura complexa e intrincada - em que fluxos de consciência se misturam a sacadas irônicas e sarcásticas sobre a vida, o sexo e a velhice - que Fernanda mostra que não está para brincadeira. Assim como Chico Buarque fez em seu brilhante "Leite derramado", a atriz tornada escritora utiliza-se da situação extrema da morte para obrigar seus personagens a fazerem um inventário de suas culpas, desilusões e até mesmo de seus momentos de prazer absoluto - que envolvem, além deles, suas esposas, também descritas com uma generosidade de detalhes deliciosa.

Imprimindo personalidade e maturidade em cada página de seu livro, Fernanda Torres criou uma pequena obra-prima, capaz de encantar o leitor desde seu primeiro parágrafo e de lhe arrebanhar fãs em outras esferas artísticas. Não é exagero afirmar que uma grande escritora nasceu com as mortes de Ciro, Sílvio, Neto, Ribeiro e Álvaro. Que venham os próximos livros.

|
0

ALABAMA MONROE

Posted by Clenio on 21:28 in
O bluegrass é um dos gêneros musicais característicos do sul dos EUA e se utiliza basicamente de instrumentos acústicos como violão, banjo e baixo acústico. Tendo suas raízes na música tradicional das ilhas britânicas, na música rural negra, no jazz e nos blues, ele é relativamente pouco conhecido no Brasil, mas é um das bases dramáticas de "Alabama Monroe", representante oficial da Bélgica na corrida pelo último Oscar - e que perdeu a estatueta para o italiano "A grande beleza". Baseado em uma peça teatral de Mieke Dobbels e Johan Heldenbergh (que interpreta o principal papel masculino), o filme de Felix Van Groeningen acabou se tornando o favorito popular ao prêmio graças principalmente à sua impressionante comunicação com a audiência, que, sem exceção, termina a sessão aos prantos, emocionada com um filme que equilibra com maestria uma devastadora história de amor e perda com uma trilha sonora impactante e uma discussão sempre pertinente sobre a importância da fé e da religião nas relações interpessoais - sem que para isso precise abdicar de uma estrutura dramática das mais interessantes e envolventes dos últimos anos.

Com a narrativa fora de ordem cronológica - artifício cada vez mais comum no cinema moderno, masque  quase nunca é utilizado de maneira orgânica como aqui - "Alabama Monroe" conta a história de amor improvável entre Didier (Heldenbergh), integrante de uma banda de bluegrass, ateu e romântico e Elise (a ótima e expressiva Veerle Baetens), uma tatuadora católica realista e que tem no corpo as marcas de seus antigos amores. Juntos, os dois vivem uma relação passional e feliz, que é abençoada com a chega de uma filha - a encantadora Maybelle - e ameaçada com a sombra de um câncer agressivo que balança suas crenças e certezas. Forçados a lidar com uma situação triste e inesperada, eles também precisam entender um ao outro - o que parece ser um desafio ainda mais complicado e frustrante.

Contando com um roteiro inteligente cujas engrenagens não são tão óbvias como acontece com a grande maioria dos filmes que buscam a emoção do espectador, "Alabama Monroe" não se propõe apenas a comover ou contar sua história. Por trás do drama vivido por Didier e Elise encontra-se uma profunda discussão teológica que contrapõe - sem julgamentos de valor - o ateísmo renitente do músico e a arraigada fé da tatuadora, assim como também levanta questionamentos sobre o amor, a perda e as variadas formas de lidar com a dor e a desilusão. A edição ágil - que mescla flashbacks com fast- forwards - não impede, no entanto, que alguns diálogos fortes e crus fiquem escondidos: ao contrário, é pouco provável que a audiência esqueça facilmente a brutal discussão entre os protagonistas sobre suas possíveis culpas na tragédia que se abate sobre eles ou o discurso abertamente crédulo de Didier depois de um show - e que acaba preparando o terreno para o final devastador, capaz de estraçalhar qualquer coração.

Talvez "Alabama Monroe" seja um tanto depressivo e pessimista para quem busca apenas um divertimento rápido. Mas aquele público que procura no cinema algo mais do que entretenimento certamente sairá da sala de exibição com o coração transbordando - de tristeza, de dor e principalmente de uma boa dose de realismo que só a sétima arte (com seu poder de embelezar o desespero com poesia) consegue proporcionar. É um dos grandes filmes de 2014.

|
1

GRANDE IRMÃO

Posted by Clenio on 20:07 in
Quando o livro "Precisamos falar sobre o Kevin" foi lançado no Brasil, o furor causado pela obra de Lionel Shriver suscitou também uma questão: será que essa escritora americana era tão boa quanto demonstrava na trágica história do adolescente responsável por uma chacina em sua escola ou era tudo apenas mais um golpe de sorte. Essa dúvida foi desaparecendo aos poucos, conforme outros títulos eram lançados. Em "O mundo pós-aniversário" e "Dupla falta", ela analisava os meandros dos relacionamentos amorosos, repletos de idiossincrasias e inconstâncias. Em "Tempo é dinheiro", desferiu um duro golpe na indústria dos planos de saúde nos EUA ao narrar a odisseia de um homem para manter o tratamento médico da esposa. E em seu novo trabalho - lançado novamente pela editora Intrínseca - ela volta os olhos a um problema cada vez mais premente na sociedade americana (e por que não em todas as sociedades ocidentais): a obesidade mórbida. Sem nenhuma relação com "1984", de George Orwell ou o famigerado reality show de sucesso, "Grande irmão" comprova o talento de Shriver em criar personagens críveis em situações aparentemente banais - mas que na verdade são extremas e decisivas.

 Escrito na ressaca moral decorrente do irmão da escritora, Greg, que morreu vítima de problemas ligados à obesidade em 2009 - antes que ela tivesse a chance de cuidá-lo como a protagonista de seu livro - "Grande irmão" reitera o estilo de prosa direta e quase irônica da autora que, a julgar por sua obra, não é exatamente uma entusiasta da raça humana em geral. Mais uma vez, ela aproveita para desfiar um rosário de críticas à família, à sociedade, aos bastidores da arte e principalmente à forma equivocada com que grande parte do mundo trata a alimentação. Descrevendo de maneira realista e coerente a relação entre obesidade e depressão - e suas consequências quase sempre dramáticas - Shriver não hesita em manipular as certezas do leitor, questionando as escolhas dos personagens sem soar condescendente ou fazer julgamentos morais. Pelo contrário, Pandora, a protagonista, é dotada de todas as dúvidas que constroem uma grande personagem literária.

Empresária bem-sucedida, esposa amorosa e madrasta bem quista pelos enteados, Pandora vive em uma pequena cidade do Iowa e tem sua rotina pacífica drasticamente alterada quando recebe a visita de seu irmão mais velho. Músico de extremo talento e outrora um homem sedutor e carismático, Edison chega à casa da irmã pesando mais de 170kg, sem dinheiro, sem emprego, sem auto-estima e principalmente sem expectativas. Chocada com a nova situação do único familiar com quem mantém uma relação amorosa - o pai é um ex-astro de televisão dedicado a cultuar o passado, e a irmã caçula só dá notícias em datas festivas - Pandora arrisca o próprio casamento em uma missão quase impossível: dividir um apartamento com o irmão para ajudá-lo a recuperar a antiga forma e assim salvar sua vida.

A trajetória de Pandora na busca pelo sucesso de sua missão é narrada com precisão e um senso de humor surpreendente - e disfarçado pela amargura - e o desfecho da história é, mais uma vez, um de seus pontos altos, ao desconstruir muitas das suas afirmações. Sem cair na tentação de paternalizar seus personagens - e gostar de Edison requer muito boa-vontade, já que ele não é exatamente adorável e suas atitudes frequentemente são desagradáveis e autodestrutivas - Shriver se mostra novamente uma mestra da ficção contemporânea, utilizando temas relevantes como panos-de-fundo para histórias humanas e emocionantes.

|
0

TUDO POR JUSTIÇA

Posted by Clenio on 18:35 in
Não se deixe iludir pelo desfile de grandes nomes dos créditos: apesar de ter Ridley Scott e Leonardo DiCaprio entre os produtores e ter no elenco gente acima de qualquer suspeita, como Christian Bale, Woody Harrelson, Forest Whitaker e Willem Dafoe, o drama policial "Tudo por justiça" - dirigido pelo mesmo Scott Cooper de "Coração louco", que deu o Oscar de melhor ator a Jeff Bridges - é um filme que muito ambiciona mas pouco consegue atingir. Não é um drama com a potência que poderia nem tampouco o filme policial que a sinopse faz pensar. E nem mesmo o talento inegável de Bale consegue apagar a sensação de tempo perdido quando a sessão acaba.

Bale - competente como sempre, apesar da fragilidade do roteiro - interpreta Russell Baze, um rapaz sério, que tem uma relação de amor e companheirismo com a namorada, Lena (Zoe Saldana), além de ser um filho dedicado e o protetor irmão do rebelde Rodney (Casey Affleck), veterano de guerra propenso a entrar em encrencas a cada esquina. Preso depois de um acidente de carro, ele retorna à sua cidade natal a tempo de encontrar Rodney envolvido em lutas clandestinas organizadas pelo violento Harlan DeGroat (Woody Harrelson), mas não consegue impedir que uma tragédia o obrigue a deixar de lado seus ideais pacíficos e éticos.

A trama é óbvia e sem maiores emoções. O desenvolvimento é lento sem necessidade. Os personagens não tem carisma o bastante para conquistar o espectador. Esses problemas ficam ainda mais ampliados quando o final anticlimático chega, deixando na plateia um sabor amargo de perda de tempo. O início promissor se esvazia a cada minuto, fazendo com que nem mesmo o talento superlativo de Christian Bale seja suficiente. Uma pena.

|

Copyright © 2009 Lennys' Mind All rights reserved. Theme by Laptop Geek. | Bloggerized by FalconHive. Distribuído por Templates