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GRANDE IRMÃO
Posted by Clenio
on
20:07
in
LITERATURA
Quando o livro "Precisamos falar sobre o Kevin" foi lançado no Brasil, o furor causado pela obra de Lionel Shriver suscitou também uma questão: será que essa escritora americana era tão boa quanto demonstrava na trágica história do adolescente responsável por uma chacina em sua escola ou era tudo apenas mais um golpe de sorte. Essa dúvida foi desaparecendo aos poucos, conforme outros títulos eram lançados. Em "O mundo pós-aniversário" e "Dupla falta", ela analisava os meandros dos relacionamentos amorosos, repletos de idiossincrasias e inconstâncias. Em "Tempo é dinheiro", desferiu um duro golpe na indústria dos planos de saúde nos EUA ao narrar a odisseia de um homem para manter o tratamento médico da esposa. E em seu novo trabalho - lançado novamente pela editora Intrínseca - ela volta os olhos a um problema cada vez mais premente na sociedade americana (e por que não em todas as sociedades ocidentais): a obesidade mórbida. Sem nenhuma relação com "1984", de George Orwell ou o famigerado reality show de sucesso, "Grande irmão" comprova o talento de Shriver em criar personagens críveis em situações aparentemente banais - mas que na verdade são extremas e decisivas.
Escrito na ressaca moral decorrente do irmão da escritora, Greg, que morreu vítima de problemas ligados à obesidade em 2009 - antes que ela tivesse a chance de cuidá-lo como a protagonista de seu livro - "Grande irmão" reitera o estilo de prosa direta e quase irônica da autora que, a julgar por sua obra, não é exatamente uma entusiasta da raça humana em geral. Mais uma vez, ela aproveita para desfiar um rosário de críticas à família, à sociedade, aos bastidores da arte e principalmente à forma equivocada com que grande parte do mundo trata a alimentação. Descrevendo de maneira realista e coerente a relação entre obesidade e depressão - e suas consequências quase sempre dramáticas - Shriver não hesita em manipular as certezas do leitor, questionando as escolhas dos personagens sem soar condescendente ou fazer julgamentos morais. Pelo contrário, Pandora, a protagonista, é dotada de todas as dúvidas que constroem uma grande personagem literária.
Empresária bem-sucedida, esposa amorosa e madrasta bem quista pelos enteados, Pandora vive em uma pequena cidade do Iowa e tem sua rotina pacífica drasticamente alterada quando recebe a visita de seu irmão mais velho. Músico de extremo talento e outrora um homem sedutor e carismático, Edison chega à casa da irmã pesando mais de 170kg, sem dinheiro, sem emprego, sem auto-estima e principalmente sem expectativas. Chocada com a nova situação do único familiar com quem mantém uma relação amorosa - o pai é um ex-astro de televisão dedicado a cultuar o passado, e a irmã caçula só dá notícias em datas festivas - Pandora arrisca o próprio casamento em uma missão quase impossível: dividir um apartamento com o irmão para ajudá-lo a recuperar a antiga forma e assim salvar sua vida.
A trajetória de Pandora na busca pelo sucesso de sua missão é narrada com precisão e um senso de humor surpreendente - e disfarçado pela amargura - e o desfecho da história é, mais uma vez, um de seus pontos altos, ao desconstruir muitas das suas afirmações. Sem cair na tentação de paternalizar seus personagens - e gostar de Edison requer muito boa-vontade, já que ele não é exatamente adorável e suas atitudes frequentemente são desagradáveis e autodestrutivas - Shriver se mostra novamente uma mestra da ficção contemporânea, utilizando temas relevantes como panos-de-fundo para histórias humanas e emocionantes.
Escrito na ressaca moral decorrente do irmão da escritora, Greg, que morreu vítima de problemas ligados à obesidade em 2009 - antes que ela tivesse a chance de cuidá-lo como a protagonista de seu livro - "Grande irmão" reitera o estilo de prosa direta e quase irônica da autora que, a julgar por sua obra, não é exatamente uma entusiasta da raça humana em geral. Mais uma vez, ela aproveita para desfiar um rosário de críticas à família, à sociedade, aos bastidores da arte e principalmente à forma equivocada com que grande parte do mundo trata a alimentação. Descrevendo de maneira realista e coerente a relação entre obesidade e depressão - e suas consequências quase sempre dramáticas - Shriver não hesita em manipular as certezas do leitor, questionando as escolhas dos personagens sem soar condescendente ou fazer julgamentos morais. Pelo contrário, Pandora, a protagonista, é dotada de todas as dúvidas que constroem uma grande personagem literária.
Empresária bem-sucedida, esposa amorosa e madrasta bem quista pelos enteados, Pandora vive em uma pequena cidade do Iowa e tem sua rotina pacífica drasticamente alterada quando recebe a visita de seu irmão mais velho. Músico de extremo talento e outrora um homem sedutor e carismático, Edison chega à casa da irmã pesando mais de 170kg, sem dinheiro, sem emprego, sem auto-estima e principalmente sem expectativas. Chocada com a nova situação do único familiar com quem mantém uma relação amorosa - o pai é um ex-astro de televisão dedicado a cultuar o passado, e a irmã caçula só dá notícias em datas festivas - Pandora arrisca o próprio casamento em uma missão quase impossível: dividir um apartamento com o irmão para ajudá-lo a recuperar a antiga forma e assim salvar sua vida.
A trajetória de Pandora na busca pelo sucesso de sua missão é narrada com precisão e um senso de humor surpreendente - e disfarçado pela amargura - e o desfecho da história é, mais uma vez, um de seus pontos altos, ao desconstruir muitas das suas afirmações. Sem cair na tentação de paternalizar seus personagens - e gostar de Edison requer muito boa-vontade, já que ele não é exatamente adorável e suas atitudes frequentemente são desagradáveis e autodestrutivas - Shriver se mostra novamente uma mestra da ficção contemporânea, utilizando temas relevantes como panos-de-fundo para histórias humanas e emocionantes.