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ANTES DA MEIA-NOITE
Posted by Clenio
on
20:25
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CINEMA 2013
"Ouça-me bem, amor, preste atenção: o mundo é um moinho. Vai triturar seus sonhos, tão mesquinho, vai reduzir as ilusões a pó..." Certamente o cineasta Richard Linklater não conhece Cartola e uma de suas mais famosas composições, mas de certa forma os versos de "O mundo é um moinho" se encaixam com quase perfeição em "Antes da meia-noite", capítulo final de uma trilogia iniciada em 1995 com "Antes do amanhecer" e que prosseguiu em 2004 com "Antes do pôr-do-sol". Substituindo as altas doses de romantismo dos primeiros filmes por um tom mais amargo - e portanto mais realista - Linklater consegue uma proeza cada vez mais rara no cinema americano: contar uma história de amor que não soa artificial ou banal.
Despojado de qualquer artifício do cinema tradicional
romântico americano, “Antes da meia-noite” se beneficia de sua simplicidade
técnica, concentrando-se, mais uma vez, nos diálogos inteligentes escritos por
Linklater, Ethan Hawke e Julie Delpy – que fizeram o mesmo com “Antes do
pôr-do-sol” e foram indicados ao Oscar por isso. Calcado basicamente nas longas
conversas entre as personagens – e dessa vez até mesmo em uma discussão
dolorida e quase cruel – o filme novamente convida o espectador a uma sessão de
voyeurismo, em que ele assume o papel de testemunha de uma fase crítica na vida
do casal – que se conheceu em uma viagem de trem e só reencontrou-se quase uma
década mais tarde, ainda apaixonados. Se nos dois primeiros capítulos o amor
era o principal ingrediente da receita, no encerramento da trilogia (ao menos
até que um novo projeto surja no horizonte) existe um vasto espaço para o
ressentimento e o desânimo.
Pais de duas lindas meninas gêmeas e morando em
Paris, Jesse e Celine estão passando seus últimos dias de férias em uma ilha
grega, a convite de um veterano escritor e sua família. Depois do retorno do
filho mais velho de Jesse à casa da mãe – que mora em Chicago e mantém uma
relação hostil com o ex-marido – os problemas começam a aparecer: enquanto
Celine está em vias de aceitar um emprego que pode lhe recolocar
satisfatoriamente no mercado de trabalho, o rapaz pensa na possibilidade de
reaproximar-se do filho, que ele julga precisar de sua atenção. Logicamente, essa
diferença de objetivos passa a atormentar ao casal, que aproveita a noite em um
quarto de hotel oferecido de presente por amigos para por a relação em pratos
limpos e despejar, um no outro, suas inseguranças, frustrações e anseios
(sentimentais e sexuais).
Sem medo de estender-se em longos diálogos –
inteligentes e interessantes – Linklater mais uma vez não interfere no desenrolar
de seu filme. Sua câmera é discreta e quase invisível, deixando que todo o
fascínio de sua obra fique a cargo de seu casal de protagonistas, cada vez mais
afiado – e com direito até mesmo a uma cena de nudez, mesmo que esteja longe de
buscar o erotismo. Mantendo-se fiel à marca registrada da trilogia – a
simplicidade visual mascarando a profundidade dramática – “Antes da meia-noite”
só irá decepcionar àqueles que esperam que Jesse e Celine tenham parado no
tempo, sem os problemas que costumam acometer todos os casais de verdade. É
realista, é verdadeiro e é, apesar de tudo, extremamente romântico. Um belo
desfecho para a trilogia.