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JULIET, NUA E CRUA
Posted by Clenio
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12:09
in
LITERATURA
Talvez eu fizesse isso por John Lennon, ou Kurt Cobain, se tivesse a oportunidade. Provavelmente faria se Michael Stipe abandonasse a carreira e me privasse de suas belas e muitas vezes raivosas canções. Certamente faria por Alanis Morissette se um dia ela resolvesse sair de circulação sem uma explicação decente e me deixasse órfão de seus insights sobre relacionamentos frustrados. Por isso eu, de certa forma, me identifico com Duncan, o protagonista - ou um dos - do novo romance de Nick Hornby, "Juliet, nua e crua" (Ed.Rocco).
Duncan é um homem que já chegou à casa dos quarenta e vive em uma cidadezinha modorrenta da Inglaterra ao lado da esposa - não oficial, mas ainda assim esposa - Annie, que trabalha em um museu sem maiores atrativos. Duncan seria uma pessoa absolutamente normal não fosse sua obsessão por Tucker Crowe, um roqueiro americano que, durante os anos 80 lançou um álbum cultuado chamado "Juliet" - em homenagem a seu rompimento com uma bela modelo - e depois simplesmente desapareceu no vácuo, abandonando carreira, fãs e shows. Participando ativamente de um site dedicado ao músico - cuja lenda tornou-se maior do que sua fama - ele passa horas e mais horas de seu dia analisando, ouvindo, discutindo e conversando sobre a obra do ídolo com outras poucas pessoas tão fanáticas quanto ele, que chega ao extremo de planejar suas férias para passar nos mesmos lugares que seu ídolo um dia passou - nem que seja um banheiro sujo nos EUA. Um dia, chega a suas mãos uma fita demo intitulada "Juliet, nua e crua" - nada mais nada menos do que a versão acústica de seu disco favorito. Ele adora a novidade, mas, depois de uma briga com Annie - por ela ter escutado o álbum antes dele - ela escreve uma resenha desancando o trabalho. Seu texto enfurece os fãs do cantor, mas agrada justamente a quem ela menos esperava; o próprio Tucker Crowe, que passa a se comunicar com ela por emails. Nesse meio tempo, Duncan se envolve com uma colega de trabalho e Annie - cada vez mais frustrada com sua vida - começa um relacionamento - primeiro epistolar e depois mais físico - com o roqueiro, que depois de vários divórcios e inúmeros filhos espalhados também está numa fase de repensar a existência e igualmente odeia a versão desplugada de seu mais famoso trabalho.
Como fã incondicional de Hornby - que recentemente escreveu a ótima adaptação para o cinema do livro "Educação" - devo confessar que seus últimos livros não me empolgaram muito. "Uma longa queda" ainda tinha ideias interessantes, mas "Como ser legal" me decepcionou um bocado. Portanto, me alegra saber que ele ainda é um grande escritor, antenado com seu tempo e com o sarcasmo e a ironia intactos. "Juliet, nua e crua" é uma delícia de livro. Inteligente, engraçado, comovente e extremamente humano, como boa parte de sua obra. Nem mesmo a figura de Tucker Crowe - em tese, integrante de um universo distante da maioria esmagadora dos leitores - soa superficial ou inverossímil. É uma personagem fascinante, dentro de sua espécie de misantropia, repleto das incoerências internas que na vida real chamamos de idissioncrasias. Annie, por sua vez, é uma mulher que descobre que passou quinze anos de sua vida - os melhores - ligada a um homem que não lhe dava mais do que um certo tédio e nem ao menos quis lhe dar um filho. Seus diálogos com o psicanalista Malcolm e com a melhor amiga lésbica Ros são hilariantes e ao mesmo tempo donos de um calor humano irresistível. E Duncan... bem, Duncan é o retrato perfeito do homem que não quer amadurecer, que dispense sua energia em uma obsessão pouco saudável - mas que consegue, ainda assim, despertar compaixão e simpatia. Atire a primeira pedra quem nunca idolatrou ninguém!!!
"Juliet, nua e crua" é um livro para ser lido com prazer, de preferência ouvindo a música pop de sua preferência e imaginando como seria ter contato com seu ídolo máximo. Salve Hornby!