UNINVITED
"É isso que as pessoas fazem, Richard. Ficam vivas por causa das outras." Dentre as milhares de frases já pronunciadas na história do cinema, nenhuma é mais certeira do que esse petardo de sabedoria lançado por Meryl Streep a um suicida Ed Harris no impecável "As horas", magistralmente adaptado pelo dramaturgo David Hare do romance de Michael Cunningham. É certeira porque é verdadeira! Me identifico plenamente com a afirmação porque é exatamente assim que me sinto, preso nesse mundo que me enoja e me faz mal pra não causar mágoa em outras pessoas. Só o que me mantém sobrevivendo - e a palavra aqui é a mais correta possível, porque viver de verdade eu não faço há muito tempo - é essa cruz que eu carrego, de ter que estar em um lugar em que eu não quero estar, em fazer coisas que não quero fazer, em sorrir para pessoas pelas quais eu não tenho nenhum sentimento a não ser desprezo e raiva. O maior presente que eu poderia receber nesse momento seria uma alforria desse arremedo de vida. A mais bela frase da língua portuguesa não é "Eu te amo!" - mesmo porque ela normalmente é vazia e mentirosa - e sim "Pode ir, eu te liberto..."
Fui a uma praça dia desses com um objetivo claro dentro de mim: tentar encontrar alguma coisa que me fizesse ver o valor da vida, para me provar equivocado em meus pensamentos negativos e sombrios. Qualquer coisa que me fizesse minimamente feliz seria capaz de me salvar a vida. Os felizes de plantão me fariam uma lista de "presentes de Deus": a natureza, as crianças, o sol... Mas nada disso me despertou sequer um suspiro. Os mais racionais viriam com belas músicas, livros maravilhosos, filmes deslumbrantes... Sim, isso tudo é mágico, mas o que fazer com as malditas horas antes e depois deles??? Fazer o que com todo o tempo opressivo que resta?
Odeio tudo em mim. Meu nome, minha aparência, minha tendência a gostar mais do que ser gostado, minha voz, minha sensibilidade exagerada, minha total falta de ânimo de romper esse marasmo que me afoga, meu talento em escolher sempre o caminho mais difícil e pedregoso para qualquer objetivo.
Vejo pessoas doentes lutando para sobreviver e me pergunto o motivo que as leva a essa batalha inglória. Vejo gente jovem e de bem com a vida morrendo tragicamente enquanto eu permaneço tão saudável que dá nojo!! Daria tudo pra trocar de lugar com alguém que teve a sorte de ir embora desse mundo que há muito não me encanta - se é que um dia encantou. Tento me lembrar em que momento da minha existência eu parei de ser feliz e chego à conclusão de que provavelmente isso nunca aconteceu de verdade. Sempre me senti deslocado, solitário, triste, como alguém que não foi convidado pra festa... Sempre me julguei incapaz de despertar um amor capaz de me salvar - e a vida me provou que eu estava certo, pelo menos uma vez! Não sou especial. Minha tendência a ser uma pessoa compreensiva só serve pra me machucar - porque ninguém quer me compreender quando eu mais preciso. Quando eu mais preciso de um abraço é quando mais me sinto sozinho. E solidão por solidão prefiro a eterna!
Eu tive o vislumbre de uma vida verdadeira! E hoje sou obrigado a continuar com a falsa... Até que um dia uma pessoa que realmente me ame chegue até mim e me liberte desse pesadelo. Nietzsche declarou: "Quem tem por que viver aguenta qualquer como." Eis aí a grande verdade: eu não tenho nenhum porque...