BIUTIFUL
Centrado principalmente na figura de Javier Bardem em mais uma atuação magistral - que lhe deu o prêmio de melhor ator em Cannes e sua terceira indicação ao Oscar - "Biutiful" mostra uma Espanha caótica, opressiva e feia, distante anos-luz dos cartões postais. O protagonista, Uxbal, não tem absolutamente nada de herói: ele vive de explorar negócios ilícitos - pirataria e sub-empregos para imigrantes chineses - e seu dom de conversar com mortos. Diagnosticado com um câncer terminal, ele precisa resolver seus problemas familiares em menos de dois meses, mas para isso terá que lidar com a esposa bipolar (ótima atuação da atriz Maricel Álvarez) e com os dois filhos pequenos, que vivem em um apartamento apertado e claustrofóbico. Enquanto convive com o medo de ser esquecido pelas crianças, ele também é obrigado a consertar alguns de seus erros mais trágicos, encarnados na figura de Ige (Diaryatou Daff), uma africana cujo marido foi deportado devido a um ato involuntário de Uxbal.
"Biutiful" é o primeiro trabalho de Iñarritu sem seu parceiro de longa data, o roteirista Guillermo Arriaga, e, por mais forte que o filme seja, sua ausência faz falta. O padrão e o estilo do cineasta continuam contundentes mas o roteiro de "Biutiful" carece, em certos momentos, de sutileza. Mesmo que todas as histórias paralelas narradas no longa sejam muito interessantes, elas soam um tanto deslocadas da trama central. A trajetória de Uxbal em direção a seu destino - que ecoa belissimamente a primeira cena - seria o suficiente para emocionar a plateia, e o faz magnificamente, mas em vários momentos desvia a atenção do público do essencial, além de estender desnecessariamente a duração do filme. Felizmente muitas outras qualidades brilham no resultado final, o que minimiza muito seus pecadilhos.
A fotografia do sempre competente Rodrigo Prieto não busca nunca o belo, em uma suprema ironia em relação ao título: os ângulos de Iñarritu são estranhos, desagradáveis, sufocantes, até mesmo feios. A trilha sonora de Gustavo Santaolalla - vencedor do Oscar por "Babel" - comenta a ação sem a intenção de tornar-se exaustivamente imponente, e a edição de Stephen Mirrione - também dono de um Oscar, por "Traffic" - é discreta e eficiente, ligando a primeira e a última cena de maneira tocante e jamais piegas. No entanto, nenhuma qualidade é maior, em "Biutiful", do que o trabalho extraordinário de Javier Bardem.
Não é à toa que Bardem é, hoje em dia, um dos atores estrangeiros mais populares de Hollywood, tendo inclusive a possibilidade de ser o vilão do próximo 007: sem sua atuação gigantesca, era bem provável que "Biutiful" não tivesse a mesma força. Uxbal não é uma personagem carismática, mas o olhar expressivo de Bardem, sua voz sempre no tom exato e a maneira com que domina cada milímetro da tela conquistam o público e elevam o filme a um patamar muito acima do convencional. É o fascinante trabalho de Bardem que faz com que o tom pessimista da história não assuste o público e, pelo contrário, o conquiste acima de qualquer dúvida. "Biutiful" não é um filme para qualquer um, mas é impossível não se deixar atingir por sua força dramática.
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