CISNE NEGRO
Já é lugar comum dizer que "Cisne negro" é um terror psicológico, mas de certa forma essa é a definição mais próxima da verdade, uma vez que é difícil rotular um filme tão repleto de nuances e que se presta a tantas leituras, todas elas fascinantes e por vezes cruéis. No auge de seu talento dramático, Natalie Portman caminha célere rumo a um merecidíssimo Oscar que será inconcebível em outras mãos."Cisne negro" pode ter um roteiro caprichado, uma parte técnica impecável e psicologismos de inteligência rara, mas Portman é o corpo e a alma do filme, em uma atuação impressionante que hipnotiza e choca qualquer espectador, por mais indiferente que este seja.
Na trama concebida por Andres Heinz, Mark Heyman e John McLaughlin - injustamente esquecida entre os finalistas ao Oscar de roteiro - Natalie vive (literalmente) a jovem Nina Sayers, uma bailarina dedicada e esforçada que tem como maior objetivo na vida assumir a protagonização da versão de "Lago dos cisnes" a ser dirigida por Thomas Leroy (Vincent Cassel). Talento ela tem, mas segundo o rígido Leroy, lhe falta alma, ou, em outras palavras, a vivência necessária para dar vida ao sedutor e vil cisne negro da obra de Tchaikovsky. Esse lado mundano existe em quantidade suficiente na bela Lily (Mila Kunis), que se torna a rival de Nina na disputa do papel. Para convencer a todos que é capaz de interpretar as duas facetas da obra, Nina inicia uma jornada perigosa rumo a destruir suas limitações físicas e emocionais.
Ora em forma de um aterrador filme de suspense ora em um absoluto e belíssimo drama sobre balé, "Cisne negro" é imprevisível e corajoso. É impossível saber de antemão todos os caminhos que o roteiro irá tomar, assim como é pouco provável que a plateia fique impassível diante de algumas das cenas mais dignas de comentários do cinema americano dos últimos anos. Muito se falou da cena lésbica entre Portman e Kunis (e eu tento imaginar o porquê de um casal levantar-se da sessão quando ela acontece...), mas o que se fala menos é toda a complexidade que envolve a psique de Nina Sayers. Presa em um tenebroso universo de repressão sexual, emocional e afetivo, ela caminha em direção à loucura absoluta ao som tonitruante da melodia adaptada por Clint Mansell da obra de Tchaikovsky. A inspirada fotografia de Matthew Libatique (que concorre ao Oscar no próximo dia 27) sufoca em determinadas sequências, explode em luz em outras e deslumbra em várias cenas. É nada menos do que hipnotizante a longa sequência final, em que finalmente a doce e reprimida Nina transforma-se em um belo e assustador cisne negro, dando absoluto sentido ao filme como um todo.
As nuances psicológicas de "Cisne negro" são muitas e podem gerar mil e uma discussões - e provavelmente todos os argumentos serão acertados. Nina Sayers, assim como todo mundo na audiência, tem os dois cisnes dentro de si, mas infelizmente para a protagonista de Aronofsky eles não convivem pacificamente dentro de sua deslumbrante roupa de bailarina.
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