VIAGENS MUSICAIS COM MEU PAI
Por causa dele eu tive acesso à música clássica, através de uma coleção de discos de vinil meticulosamente encapados pela minha mãe e de vez em quando ouvia Beethoven, Mozart e Bach, ainda que não fosse exatamente um especialista no assunto. Através dele eu conheci os Beatles, uma paixão que se mantém firme e forte - o vinil de "Let it be" foi meu primeiro contato com os quatro rapazes de Liverpool e tinha como ter sido mais auspicioso? Foi meu pai que me apresentou, ainda que não formalmente, a Chico Buarque e Elis Regina. Lembro da ocasião da morte de Elis, e de ter assistido a um especial na TV sem me dar conta do tamanho da perda pela qual o Brasil passava. E Chico... foi meu pai que me levou ao cinema para assistir a "Os saltimbancos trapalhões" e, encantado por Lucinha Lins e aquelas canções tão bacanas, nem de longe imaginava que seu autor era o maior gênio da música nacional e que eu me tornaria um apaixonado incondicional por sua obra.
Mas talvez as maiores lembranças musicais relacionadas a meu pai tem um cenário específico: o carro. As viagens que eu fazia com minha família - normalmente de Camaquã em direção à capital Porto Alegre - ficaram marcadas na minha memória não pelas brigas com meus irmãos no banco de trás e sim pela trilha sonora que saía do toca-fitas (sim, isso aconteceu na era pré-CD). Em especial duas fitas me remetem à infância. A primeira tocava frequentemente e era do nosso Rei Roberto Carlos. Podem achar brega e tal, mas considero Roberto um dos mais importantes e talentosos cantores e compositores brasileiros. Adoro, de verdade, e a fita que ouvíamos - não sei se meus irmãos gostavam tanto quanto eu - era aquela que tinha no repertório "Café da manhã", "Força estranha", e a mais poderosa de todas pra mim, na época: "Lady Laura", que sempre me dava vontade de chorar porque falava de mãe e isso me toca - John Lennon, outro dos meus ídolos, também compôs canções para sua progenitora, o que diz muito sobre minha pessoa.
A segunda fita que tocava e tocava e tocava era a trilha sonora da novela "Água viva", que eu gostava pra caramba - e confesso que gosto até hoje, porque a Som Livre a lançou em CD e eu comprei... Tempo bom em que uma trilha de novela reunia o time que essa reuniu: Maria Bethânia, Simone, Elis, Gal Costa, Gilberto Gil, Angela Ro Ro e João Gilberto cantavam nas duas horas de viagem e eu sabia de cor coisas que nem faziam muito sentido pra uma criança de sete anos de idade: "nosso caso é uma porta entreaberta" não dizia absolutamente nada pra mim. Hoje eu entendo cada sílaba de cada canção... e preferia não entender...
O fato é que MPB é uma das minhas fraquezas. Se hoje eu venero Marisa Monte, Cássia Eller, Chico, Caetano, Bethânia, Vanessa da Mata, Roberta Sá, Maria Rita, Gal, Gi, Vinícius e Gonzaguinha devo a meu pai, que, com seu gosto impecável por música brasileira, me ensinou a separar o joio do trigo.