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O RETRATO DE DORIAN GRAY

Posted by Clenio on 13:33 in
Um dia, talvez nós, meros mortais fãs de cinema e literatura, possamos conseguir entender o que se passa na cabeça de certos produtores e/ou roteiristas de Hollywood. E talvez nesse dia façam sentido os absurdos a que somos submetidos vez ou outra (mas com mais frequência do que gostaríamos). Talvez nesse dia, por exemplo, entendamos os motivos que levaram o roteirista Toby Finlay (quem??) a tentar com tanto afinco destruir a obra-prima de Oscar Wilde. A versão cinematográfica de "O retrato de Dorian Gray" dirigida por Oliver Parker (que já mostrou ao mundo sua visão de "Othelo", de Shakesperare, estrelada por Laurence Fishburne) caminha razoavelmente bem até seu terço final, quando Finlay resolve então acrescentar novidades capazes de fazer com que o escritor irlandês se revire no túmulo. Uma pena, pois tudo poderia ter sido muito bom.

Para quem não conhece a trama, Dorian Gray (vivido com graça e estilo por Ben Barnes) é um jovem de beleza extraordinária que chega à Londres vitoriana depois da morte de seu avô. Ingênuo e puro, logo ele desperta inúmeras paixões, inclusive e principalmente a de Basil Hallward (Ben Chaplin), um artista talentoso que pinta seu retrato com profunda exatidão. Aos poucos, porém, Dorian se deixa envolver pela boemia londrina e pelos vícios da alta sociedade, sempre incentivado pelo cínico Henry Wotton (Colin Firth). Conforme vai se deixando dominar pela devassidão e pela amoralidade - o que resulta inclusive na morte de uma jovem atriz, Sybil Vane (Rachel Hurd-Wood) - o rapaz começa a perceber que seu retrato é quem sofre as consequências de todos os seus atos de crueldade e egoísmo. Enquanto ele parece cada vez mais jovem e vigoroso, a pintura feita por Hallward se deteriora em seu porão.

Tudo bem que a literatura de Oscar Wilde não é exatamente apropriada ao cinema, já que sua prosa é muitas vezes deliciosa justamente por investigar os pensamentos mais recônditos de suas personagens - ao contrário de suas peças de teatro, que se prestam melhor a adaptações, ainda que nenhuma ainda tenha sido bem-sucedida na sétima arte. Em "O retrato de Dorian Gray", o escritor faz uma crítica mordaz à sociedade fútil da Inglaterra vitoriana e cria uma metáfora poderosa sobre a alma e o poder da arte. Em cinema essas sutilezas passam batidas e no filme de Parker a situação até poderia ter sido relevada se, no terço final da história tudo não tivesse sido virado de cabeça pra baixo. Talvez por não confiar na força do clímax do livro (e daí surge a pergunta: por que???) o roteirista inventou uma personagem nova (a filha de Henry Wotton, vivida por Rebecca Hall) e uma trama romântica que esvazia a história original. Quem nunca leu o livro de Wilde (e quem nunca leu tem a obrigação de correr à livraria mais próxima) nem se importa, mas os fãs do livro podem sofrer um ataque cardíaco tamanha heresia.

Colin Firth se diverte no papel de Henry Wotton (ao menos na primeira parte do filme). Ben Barnes sai-se bem como Dorian Gray, ainda que sua personalidade dúbia não tenha sido explorada a contento. E Oliver Parker tem bom-gosto estético e sabe conduzir o ritmo de seu filme. Mas "O retrato de Dorian Gray" merecia uma adaptação à altura de sua enorme qualidade.

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2 Comments


Tinha recebido uma boa indicação sobre essa produção.

Com seu comentário fiquei mais receoso sobre o filme.

Adaptações sempre são complicadas.

Por isso concordo quando Alan Moore diz que a arte dele *quadrinhos* nada tem a ver com cinema e é contra as adaptações.


Eu ainda tenho que assistir. Mesmo sabendo que não é muito bem, tenho curiosidade! rs

Abs.

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