De todas as desculpas que inventamos para nos isolar da felicidade ou das tentativas reais de alcançá-la, talvez a mais perigosa (por ser também a mais cômoda) é aquela nomeada Amor Impossível - assim mesmo, com iniciais maiúsculas para dar mais imponência, pompa e circunstância. Nada como um Amor Impossível para justificar aquelas noites insones ao som de Adele ou Maysa, bebendo vinho, fumando, soluçando e maldizendo a sorte. Nada melhor do que um velho e bom Amor Impossível para preencher sessões de terapia e os ouvidos dos pobres amigos. Não há melhor invenção do que um Amor Impossível para inspirar canções, livros, filmes, peças de teatro. E principalmente, nada como um Amor Impossível para nos servir de escudo contra possíveis decepções. O problema em esconder-se atrás desse Amor Impossível é que não apenas decepções nós evitamos. Evitamos também aquela coisa pela qual tanto esperamos e que no entanto a tantos assusta: o amor possível.
Escondidos sob o calor de nossa carapaça de estimação ficamos a salvo das intempéries da instável gama de traições humanas. Mas é a desculpa perfeita para a nossa falta de atitude em relação a nossa própria vida. Dizendo a todos - e principalmente a nós mesmos, nossos ouvintes mais crédulos - que estamos presos a um Amor Impossível (inatingível, intocável, perfeito) estamos nos proporcionando o álibi mais sólido que podemos conceber, ainda que muitas vezes ele seja também, sem que o saibamos, nossa pedra sepulcral. Armados com nossa desculpa favorita saímos à rua como se fôssemos a uma guerra, mas esquecemos que até mesmo guerras tem momentos de trégua, na qual inimigos estendem as mãos uns aos outros. Do nosso Amor Impossível não nos separamos nem por um momento: cessar-fogo não é uma opção. Basta um instante de descuido para que uma bala (também conhecido como novo amor) penetre em nossas entranhas, nos levando àquele estado inimaginável de realização sentimental que arruinaria nosso culto à dor.
Nosso Amor Impossível nunca sai de moda. Muda de trilha sonora de acordo com as canções do momento, mas jamais deixa de ter uma. Se transmuta de acordo com o perigo, tal e qual um camaleão: quando o alerta é maior, ele cresce de tamanho a ponto de tornar-se um muro. Jamais nos abandona, como um cão fiel e dedicado. Só o que nos pede em troca é que o alimentemos de vez em quando, ao consumirmos altas doses de baixa autoestima e medo de rejeição. Nosso Amor Impossível também nos aquece no inverno, com lembranças que são mais bonitas em nosso coração do que no terreno da realidade. E além de tudo, ele sempre aparece quando menos esperamos, como uma festa-surpresa que não gostamos, como se para lembrar-nos de que é ele quem nos domina, e não o contrário.
Amor Impossível era lindo quando Camilo Castelo Branco ainda escrevia. Era emocionante, era épico, era catártico. Hoje em dia é apenas patético, uma desculpa esfarrapada com a qual nos vestimos para evitar a realidade. Se é impossível, desista. Se não te faz sorrir, abandone. Se não te faz levitar, parta pra outra. Se você é opção e não prioridade, mande tomar naquele lugar. A vida é curta, e ficar se escondendo atrás de uma quimera só te levará ao caminho negro da solidão. E te impedirá de ver que, em algum lugar, mesmo que hoje você não consiga enxergar, está um amor não apenas possível, mas verdadeiro.
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