ANNA KARENINA
"O mundo inteiro é um palco e todos os homens e mulheres não passam de meros atores." A famosa frase de William Shakespeare serve perfeitamente à visão do cineasta inglês Joe Wright para o clássico russo "Anna Karenina". Partindo do pressuposto de que a grande maioria das personagens do romance clássico de Tolstoi vive como se estivesse interpretando papéis diante dos olhos alheios, o diretor das adaptações de "Orgulho e preconceito", de Jane Austen e "Reparação", de Ian McEwan conseguiu o que parecia impossível: fez com que a história de adultério e desespero que já teve inúmeras versões para o cinema soasse nova e interessante mesmo para quem tem na mente as atuações de Greta Garbo e Vivien Leigh nos filmes de 1935 e 1948 respectivamente. Visualmente espetacular e criativo como poucos, o filme de Wright saiu da cerimônia do Oscar deste ano com a estatueta de figurino. Merecia muito mais.
Infinitamente superior ao soporífero e grotescamente encenado "Os miseráveis" - que chegou à festa da Academia cheio de moral - a versão século XXI de "Anna Karenina" é uma festa para os olhos. Magistralmente fotografado por Seamus McGarvey - que já havia feito um trabalho excepcional em "Desejo e reparação" - e editado com inteligência e classe por Melanie Oliver- que lhe imprime um ritmo que foge do tradicional tédio dos filmes que se propõem a grandes espetáculos dramático, o filme estrelado po Keira Knightley em seu terceiro trabalho com o cineasta brinca com as possibilidades infinitas do cinema ao mesclar elementos típicos da sétima arte com a linguagem teatral e com as artes plásticas. Com exceção da história de amor paralela entre o pacato Levin (Domhnall Gleeson) e a jovem Kitty (Alicia Vikander), toda a trama proposta por Tolstoi e pelo roteiro conciso do dramaturgo Tom Stoppard (que exclui o excesso de crítica social do romance) se passa em um gigantesco palco de teatro. Ao contrário do que se poderia esperar, porém, esse artifício não se torna aborrecido ou uma válvula de escape para a falta de ideias: Wright equilibra com perfeição o arrebatador visual com a poderosa história da protagonista.
Aliás, se "Anna Karenina" tem uma falha ela se chama Keira Knightley. Atriz preferida do diretor, a inglesa que foi revelada ao mundo em "Piratas do Caribe" não tem o estofo dramático necessário para segurar um papel tão repleto de nuances e idiossincrasias. Sua Anna não permite ao espectador tirar conclusões satisfatórias a seu respeito, mais por falta de segurança da intérprete do que por outros motivos (vale lembrar que em nenhuma versão e nem mesmo no livro a personagem presta-se a uma definição categórica). Nem mesmo em cenas que poderiam ser antológicas Knighley consegue livrar-se de sua eterna falta de energia, o que faz com que seus colegas de cena se destaquem muito mais do que ela. Jude Law, por exemplo, brilha na pela de Karenin, o marido traído, em uma atuação discreta mas bastante eficiente, que permite ao público uma empatia que os intérpretes anteriores não conseguiram. E se Aaron Taylor-Johnson ainda não é um grande ator, ao menos faz esquecer que é o mesmo rapaz que interpretou John Lennon em "O garoto de Liverpool" e o super-herói desastrado de "Kick-ass", o que não é nada mal.
Imponente e dramaticamente consistente, "Anna Karenina" é um extraordinário filme, capaz de deslumbrar visualmente e emocionar sem maior esforço. É um dos grandes trabalhos da temporada, injustamente relegado nas cerimônias de premiação.