FILMES DO FINAL DE SEMANA
Comecei com "Tempos de paz", adaptação de Daniel Filho da peça de teatro escrita por Bosco Brasil "Novas diretrizes em tempos de paz". O próprio dramaturgo escreveu a transição de sua peça para o cinema e, se não ousou muito - mesmo porque não precisava, uma vez que o texto é primoroso - pelo menos também não estragou o que era bom. Daniel Filho realizou o que é, a meu ver, seu melhor trabalho cinematográfico até agora, deixando de lado muitos vícios televisivos para apresentar um filme enxuto e extremamente bem realizado - a fotografia é belíssima, a reconstituição de época é louvável e a trilha sonora de Egberto Gismonti é muito apropriada. Mas é no duelo de interpretações entre Tony Ramos e Dan Stulzbach que o filme - assim como o era nos palcos - se sustenta. E que sustentação! Mesmo separados por uma geração, Tony e Dan entregam atuações viscerais e impactantes. Logicamente não impressiona tanto quanto no teatro, mas é cinema, sim, e dos bons, finalmente um produto digno de levar a assinatura de alguém tão talentoso quanto Daniel Filho (sintomaticamente, é seu filme menos rentável, talvez por ser o que alcança maior qualidade artística). E Tony Ramos é um dos maiores atores do Brasil, tenho dito!
O festival nacional continuou com "Salve geral", tentativa pífia do Brasil em voltar a concorrer ao Oscar. Ao assistir-se ao filme fica evidente o porquê de não termos ficado entre os finalistas ao prêmio da Academia. Ainda que tenha cenas extremamente bem realizadas (inclusive sequências de ação bastante convincentes), o filme - baseado em uma história real - não se decide entre ser um violento filme policial ou um drama familiar (o diretor Sérgio Rezende volta a lidar com o tema de uma mãe sacrificando-se em prol de um filho, assim como em "Zuzu Angel"). No meio do caminho entre essa dúvida, apresenta um elenco bastante fraco (a vilã Denise Weinberg chega a ser constrangedora), o que sublinha ainda mais o desempenho extraordinário de Andréa Beltrão no papel principal. É Andréa quem carrega o filme nas costas, ignorando a esquizofrenia do roteiro.
Andréa também é a razão de ser de "Verônica", dirigido por seu marido, Maurício Farias. Aqui, ela vive o papel-título, uma professora desencantada com a profissão que se vê obrigada a proteger, de traficantes e policiais corruptos, um aluno que teve os pais violentamente assassinados e que carrega consigo um pen-drive com informações que podem levá-los à cadeia. Com ecos de "Central do Brasil" (mas sem sua carga emocional), o filme é um policial banal, sem maiores lances de genialidade mas com algumas boas ideias visuais e um trabalho magistral de Andréa, cada vez mais se firmando com uma das melhores profissionais de sua geração. É impossível não acreditar em todas as nuances de Verônica quando elas são apresentadas por ela, tamanha sua entrega em cada cena, em cada momento. Fica a vontade de ver Beltrão em um papel consagrador, que a faça assumir de vez seu posto de grande atriz.
E o quarto filme do final de semana foi uma espécie de decepção. "Por uma vida melhor" (Away we go) é dirigido por Sam Mendes, um dos cineastas mais brilhantes de Hollywood, mas que nunca mais conseguiu o mesmo brilho de sua estreia no cinema, com "Beleza americana". Seus filmes seguintes, "Estrada para Perdição", "Soldado anônimo" e o excepcional "Foi apenas um sonho" não tiveram a mesma recepção de "Beleza", ainda que fossem de qualidade muito acima da média. Esse seu filme mais recente nem passou nos cinemas brasileiros e eu estava considerando isso uma injustiça inominável. Até assistir ao filme. "Por uma vida melhor" não é ruim, mas é chatinho que só ele. Tem alguns bons momentos de humor (em especial graças a Allison Janney e Maggie Gyllenhaal) mas não encanta - o cuidado visual com que Mendes brindava seu público não aparece em nenhum momento e sua dupla de protagonistas carece de química (John Krasinski, da série "The office", parece desconfortável em cena e Maya Rudolph tem zero de carisma). Nem é muito longo (97 minutos), mas parece eterno, o que para uma pretensa comédia é uma sentença de morte. Recomendo apenas porque suas qualidades não o fazem cair na vala comum de filmes de nulidade intelectual: seu roteiro tem algumas ideias interessantes e as personagens coadjuvantes são suficientemente engraçadas e/ou comoventes na medida certa. Com um casal carismático nos papéis centrais poderia ter se saído bem melhor em suas pretensões. Sam Mendes brincou de "indie", mas sua alma é definitivamente mais ambiciosa.
Pode não ter sido um sucesso o meu festival de filmes do fim-de-semana, mas achar lançamentos quentinhos em uma locadora em um sábado à noite é trabalho para milagreiros. Mas pelo menos consegui chegar ao fim de todos eles, o que nem sempre vem me acontecendo.